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UMA SAÍDA DE MANSINHO

A troika saiu de Portugal, mas os portugueses não se livraram nem da crise nem de visitas periódicas das instituições que emprestaram dinheiro a Portugal.

 

Os termómetros marcam 28 graus e as praias da costa lisboeta enchem-se de famílias inteiras, sedentas de gozar os primeiros banhos do ano. São 11 horas da manhã de 17 de maio e, enquanto o Governo assinala em Conselho de Ministros extraordinário o fim do programa de assistência financeira, nas ruas da cidade os portugueses parecem indiferentes ao momento. Na verdade, os técnicos da troika continuarão a deslocar-se periodicamente a Portugal para acompanharem as contas públicas até que seja devolvido o último cêntimo emprestado, o que só deverá acontecer em 2050.

Grande parte das medidas de austeridade que teimam em asfixiar a vida de famílias e empresas foram deixadas em jeito de herança e o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, já avisou que tem entre mãos um novo documento com mais de uma centena de medidas para serem implementadas até 2015, baptizado de “Caminho para o crescimento”. Ao contrário do que tinha sucedido três anos antes, poucos foram os que agora acompanharam a equipa de fato e gravata cinza do Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e do Banco Central Europeu (BCE) ao aeroporto de Lisboa, em jeito de despedida. Apenas os membros dos partidos do governo, em particular do CDS-PP, convocaram os jornalistas para celebrar a recuperação da “independência” do país. Na realidade, Portugal vai continuar intimamente ligado ao grupo que desde m aio de 2011 emprestou 78 mil milhões de euros (106.7 mil milhões de dólares norte-americanos) para aliviar as dívidas do Estado e manter os pagamentos em dia. “Estamos ainda muito dependentes dos mercados financeiros e se os próximos governos tomarem medidas que dificultem o pagamento da dívida tudo se pode complicar. Vamos manter-nos no fio da navalha pelo menos nos próximos cinco anos”, defende Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista da Caiado Guerreiro & Associados.

 

SAÍDA LIMPA OU ARRASADORA

 

Ultrapassados os desafios que foram sendo impostos pelo grupo de acompanhamento externo, Portugal negociou uma transição menos dolorosa, pondo fim ao cenário temido de um novo programa ou a sua extensão no tempo. O país conseguiu amealhar fundos de reserva, os investidores mostram-se mais confiantes na economia e alguns indicadores, como as exportações, têm vindo a crescer, enquanto a taxa de desemprego regista ligeiras melhorias.

No início do mês, quando anunciou a forma como Portugal sairia do programa de assistência financeira, Passos Coelho sublinhou que “o colapso que o país sofreu em 2011 foi tão grave que tivemos de tomar decisões muito difíceis”, mas, em contrapartida, Portugal tem hoje “reservas financeiras para um ano”, que o protege, alegadamente, “de qualquer perturbação externa”. O Governo da coligação PSD- CDS/PP chegou a ser visto como mais reformador do que os próprios membros da troika. E as medidas desenhadas inicialmente já eram de uma dureza tal que, recentemente, o FMI reconheceu que tinha calculado mal o impacto das medidas de austeridade, com as consequências negativas na economia a serem muito maior do que o previsto.

Nos dois últimos relatórios de avaliação produzidos antes do fim do programa, o grupo de acompanhamento deixou claro que as reformas estruturais ainda não estão a produzir os resultados desejados e que é preciso ir mais longe nos mercados laborais e de produtos para garantir um maior crescimento da economia, incluindo novas descidas nos salários. Mas aguentará o país mais austeridade até atingir o défice de 2,5% no próximo ano, tal como lhe foi imposto? Tiago Caiado Guerreiro alerta para o facto de as famílias e empresas já estarem esmagadas pelos impostos, “enquanto se continuam a financiar as gorduras do Estado, em vez de se avançarem com reformas para cortar as despesas públicas”.

Este fiscalista defende que à boleia da troika se fizeram algumas “reformazinhas”, mas, para se chegar a uma redução efectiva de custos do Estado, faltam ainda as principais: a da administração pública e a da segurança social.

 

CAMINHO DO CRESCIMENTO?

 

“Portugal tem conseguido exportar mais, através de vendas para mercados como o asiático, africano e americano. Os negócios têm sido baseados na qualidade de produtos clássicos, como o vinho ou azeite, no estilo, eficiência e na inovação. Mas, ao importar receitas de austeridade dirigidas apenas ao trabalho produtivo e não ao capital especulativo, nada está a fazer para sustentar a competitividade de médio e longo prazo”, defende Sandro Mendonça, economista do Instituto Universitário de Lisboa (IUL).

Com um modelo de crescimento económico baseado nas exportações e na captação de investimento estrangeiro, é ainda cedo para encontrar com clareza qual o caminho que o país está a seguir. Entre o segundo trimestre de 2011 e os primeiros três meses de 2014 a economia portuguesa acumulou uma queda de 5 por cento, um valor que só não foi pior porque a partir do segundo trimestre de 2013 a curva inverteu-se e subiu ligeiramente, graças, em parte, à reposição dos subsídios dos funcionários públicos e pensionistas. As boas notícias foram de novo interrompidas mal começou o novo ano e o PIB voltou a cair no primeiro trimestre 0,7 por cento, esperando-se que chegue ao final do ano com um valor negativo de 0,3 por cento. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estima que, ao longo dos próximos 15 anos, a economia nacional cresça a um ritmo anual de 1,4 por cento.

Nestes três anos de troika, o consumo privado caiu 7,1 por cento, o investimento das empresas desceu 19,2 por cento e apenas as exportações conseguiram crescer dois dígitos (12,2%), permitindo às empresas que não faliram ou ficaram descapitalizadas atenuar os efeitos da crise nos consumidores portugueses. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), no primeiro trimestre de 2014, existiam 788 mil portugueses inscritos nos centros de emprego, menos 139 mil do que em igual período do ano anterior. Mas calcula-se que, destes, 66 mil tenham desaparecido dos registos oficiais porque emigraram.

“A saída da troika tem um efeito psicológico importante, ao mesmo tempo que é um bom sinal para os mercados. É uma mensagem de confiança para os investidores estrangeiros”, defende Tiago Caiado Guerreiro. No seu escritório de advogados, crescem os negócios de investidores estrangeiros, em particular chineses que, à boleia dos vistos dourados, estão a comprar casas e a entrar em novos negócios. “São mercados muito dinâmicos e cujos investidores trazem capital para investir, criam trabalho e o país precisa de população e diversidade”, defende. Com as eleições à porta e as primeiras idas aos mercados sem as asas da troika, o país enfrenta nos próximos meses mais um duro teste de resistência.

 

Rita Montez

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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