Em questões controversas como o aborto, raça e o destino da democracia americana, os dois participaram no seu primeiro — e possivelmente único — debate antes das eleições de 5 de novembro, ambos na esperança de ganhar vantagem numa disputa acirrada.
Trump, que até há poucas semanas acreditava estar a caminho da vitória, reagiu aos ataques de Kamala levantando a voz e recorrendo a insultos coloridos e muitas vezes divagantes, como faz nos seus comícios.
Harris, de 59 anos, respondeu com um sorriso irónico, mas rapidamente irritou o adversário ao afirmar que representa um novo começo após o “caos” da presidência de Trump, dizendo: “Não voltaremos atrás.”
O debate da emissora ABC News começou com a vice-presidente democrata inesperadamente a aproximar-se do ex-presidente republicano para lhe apertar a mão, antes de assumirem os respetivos púlpitos no Centro Nacional da Constituição, em Filadélfia.
A partir daí, as gentilezas terminaram.
Rapidamente, Trump, de 78 anos, apelidou a adversária de “marxista” e afirmou falsamente que Harris e o Presidente Joe Biden permitiram a entrada de “milhões de pessoas de prisões e hospitais psiquiátricos” no país.
Kamala lembrou que Trump é um criminoso condenado, apelidando-o de “extremista” e dizendo que é “uma tragédia” ter utilizado “a questão racial para dividir o povo americano” ao longo da sua carreira.
Um dos momentos mais marcantes foi a recusa sem precedentes de Trump em aceitar a derrota para Biden nas eleições de 2020, antes de tentar reverter o resultado. Diante de uma audiência de milhões de eleitores, Trump insistiu, uma vez mais, que há “muitas provas” de que realmente venceu.
Kamala voltou-se para Trump e disse que os seus próprios ex-funcionários de segurança na Casa Branca o chamaram de “uma desgraça”.
“Os líderes mundiais estão a rir-se de Donald Trump”, acrescentou.
Kamala acusou ainda Trump de estar disposto a “entregar” a Ucrânia ao Presidente russo, Vladimir Putin, “um ditador que o devoraria ao pequeno-almoço”. “Ditadores e autocratas estão a torcer para que voltes a ser presidente”, disse.
Outro momento intenso foi sobre o aborto.
Trump insistiu que, apesar de ter pressionado pelo fim do direito federal ao aborto, desejava que os estados fizessem as suas próprias escolhas e políticas.
A vice-presidente ripostou, dizendo que Trump estava a contar “um monte de mentiras” e descreveu as políticas do republicano como “insultuosas para as mulheres dos Estados Unidos.”
Kamala ironiza comícios de Trump
O último debate presidencial, em junho, foi o tiro de misericórdia para a campanha de reeleição de Biden, após uma performance catastrófica contra Trump. Kamala assumiu a candidatura a meio de receios democratas de que Biden era demasiado velho e frágil para derrotar o republicano, rodeado de escândalos.
Kamala ganhou notoriedade em debates anteriores – enquanto servia como senadora dos EUA -, pelas suas respostas afiadas e perguntas difíceis. Os cinco dias de preparação intensiva a que se submeteu pareceram surtir efeito contra Trump, talvez o orador público mais eficaz da política americana.
Trump desafia as leis da política há anos, parecendo invulnerável a ataques habituais. Foi condenado por falsificar registos comerciais para encobrir uma relação com uma atriz de filmes para adultos, considerado responsável por abuso sexual, e enfrenta julgamento por tentar reverter as eleições de 2020.
Mas Kamala provocou-o claramente num dos seus temas favoritos, embora menos sérios — os seus famosos comícios. Os participantes, disse, estavam a sair cedo dos eventos públicos do republicano devido ao “cansaço e tédio.”
Num outro momento, quando Trump parecia estar a perder a calma, falou longamente sobre uma teoria da conspiração de que imigrantes haitianos estariam a comer os animais de estimação das pessoas no Ohio.
“Estão a comer os cães, as pessoas que chegaram, estão a comer os gatos”, disse o ex-presidente antes de ser corrigido pelo moderador da ABC News, que informou que as autoridades da cidade de Springfield disseram não haver registos de que tal tenha acontecido.
Com apenas 56 dias até às eleições, o intenso escrutínio foi uma oportunidade rara para ambos os candidatos ganharem terreno numa disputa que as sondagens mostram estar quase empatada.
E o debate foi uma oportunidade crucial para Kamala se apresentar a mais eleitores, após entrar na corrida presidencial há menos de oito semanas, quando Biden, de 81 anos, desistiu abruptamente.
*Com AFP