Evandro Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil – China, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, diz que há uma tensão ideológica que mantem as relações num “pára-arranca”. Fabio Borges, diretor do Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), diz que há um “dinamismo económico evidente”. Ambos partilham com a agência Lusa visões diferentes daquilo que ainda separa os dois gigantes, mas consideram que as relações têm progredido.
“A relação bilateral é sobretudo dominada por segmentos da direita brasileira, por conta do agronegócio, que internamente apoia [Jair] Bolsonaro, mas mantém uma contradição: de manhã ganham dinheiro com a China e, de noite, criticam os ‘comunistas chineses’”, descreve Evandro Carvalho.
“É esse setor que predomina e domina a agenda bilateral, porque a esquerda brasileira não tem uma relação desenvolvida com a China. Isso cria naturalmente obstáculos para o desenvolvimento de outras agendas”, frisa o também pesquisador visitante da Universidade de Pequim.
O mesmo admite que houve “alguns avanços” na relação, desde o regresso ao poder de Lula da Silva, após um período “muito mau” com Bolsonaro, que assumiu o poder com a promessa de reformular a política externa brasileira, reaproximando-se dos Estados Unidos e pondo em causa décadas de aliança com o mundo emergente.
“As nossas relações não se dão apenas por afinidades ideológicas, mas por esse dinamismo económico evidente”, explica Fabio Borges. “Diferente dos Estados Unidos, a China pauta-se muito por esses princípios de relações mais horizontais”, notando ainda que aos dias de hoje “a cooperação chinesa baseia-se mais em elementos económicos, tecnológicos do que imposições militares”, mais utilizada pelos norte-americanos, aponta.
Porém, sublinha que em geral “os países são muito cuidadosos de não confrontar a China nesses temas espinhosos do sistema internacional, em relação a Israel, à Ucrânia, à eleição na Venezuela também”.
Relação “aquém do potencial”
Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, com o comércio bilateral a passar de nove mil milhões de dólares norte-americanos, em 2004, para 157.5 mil milhões, em 2023. O Brasil desempenha, em particular, um papel importante na segurança alimentar da China, compondo mais de 20% das importações agrícolas e pecuárias do país asiático.
O Brasil mantém um certo distanciamento desses projetos [Fórum Macau] que percebe como tendo muito a
marca da China”.
Evandro Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil – China, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas
Mas Carvalho destaca a “distância” que Brasília mantém face a importantes programas da política externa chinesa, incluindo a Iniciativa Faixa e Rota, designada pelo líder chinês, Xi Jinping, como o “projeto do século”. Na última década, a iniciativa adquiriu dimensão global, à medida que mais de 150 países em todo o mundo aderiram ao megaprojeto internacional de infraestruturas, incluindo quase todas as nações da América Latina, com exceção do Brasil, Colômbia e Paraguai. “Acho que a relação continua aquém do seu potencial”, ressalvou.
“A China é um grande parceiro estratégico porque é o país mais dinâmico da economia mundial, no século XXI. Ninguém tenha dúvidas disso”, frisa Fabio Borges, acrescentando que o Brasil poderá ser incluído na mega Iniciativa Faixa e Rota.
A Iniciativa Faixa e Rota cimentou também o estatuto da China como líder e credora entre os países em desenvolvimento. As empresas chinesas construíram portos, estradas, linhas ferroviárias, centrais elétricas e outras infraestruturas em todo o mundo, numa tentativa de impulsionar o comércio e o crescimento económico.
Fórum e BRICS
Outro exemplo de participação “pouco ativa” é o Fórum Macau, diz Evandro Carvalho. O mecanismo multilateral promovido pela China para reforçar as trocas económicas e comerciais com os Países de Língua Portuguesa, e onde “o Brasil mantém um certo distanciamento desses projetos que percebe como tendo muito a marca da China”.
Evandro Carvalho defende que o Brasil deve desenvolver o potencial da relação de forma a beneficiar-se para além do comércio de matérias-primas, através da transferência de tecnologia em áreas em que a China lidera, incluindo nos setores das renováveis, carros elétricos ou economia digital.
Por outro lado, o Brasil e China integram o grupo de países de economias emergentes BRICS (Brasil, Rússia, índia, China, África do Sul), um fórum onde a China “diante de uma escalada dos conflitos económicos com os Estados Unidos por conta do protecionismo” e as “tensões políticas por conta de Taiwan, vê os BRICS como um elemento de fortaleza da sua estratégia mais geral”, considera Fabio Borges.
Diante de uma escalada dos conflitos económicos com os Estados Unidos por conta do protecionismo”
e as “tensões políticas por conta de Taiwan, vê os BRICS como um elemento de fortaleza da sua estratégia mais geral
Fabio Borges, diretor do Instituto Latino Americano de Economia, Sociedade e Política da Universidade Federal da Integração Latino Americana
A conjuntura tem também a aproximado os dois países, até porque Pequim “percebe que o Brasil pode ser um parceiro estratégico extremamente interessante na América Latina e nos fóruns internacionais” pela “simbologia de ser um país democrático” e que “compartilha a Amazónia”, suspeita Borges.
Xi no Brasil até fim do ano
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, reuniram-se no Palácio do Planalto, esta segunda-feira, para definir detalhes da vinda do Presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil. Sem data oficial confirmada, é provável que seja nas vésperas da Cimeira do G20, no Rio de Janeiro, de 18 a 19 de novembro.
Segundo comunicado divulgado pela Casa Civil, foi possível fazer uma análise das principais áreas de interesse dos dois países, nomeadamente inteligência artificial, infraestrutura e transição energética.
“Depois da visita à China, o Presidente Lula da Silva determinou que podíamos avançar para a construção de uma agenda que alinhe as novas políticas de desenvolvimento do Brasil com a ampliação desta cooperação”, disse o ministro.
Caberá a um grupo de trabalho, formado pelo Ministério das Relações Exteriores e outras pastas, definir a organização dos acordos bilaterais a serem assinados, sendo que os temas não são do conhecimento público.
“A nossa parceria em investir no Brasil é uma parceria voltada para o futuro”, afirmou Zhu Qingqiao. “As nossas economias e a nossa cooperação têm de seguir as necessidades da procura trazidas pelo desenvolvimento sustentável. Agora é identificar as áreas estratégicas e as prioridades da nossa cooperação”, completou, pontuando como positiva a existência da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban).
*Com Lusa