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“Macau continua a ser um espaço que permite ao português chegar à China mais facilmente”

Nelson Moura

O ensino do chinês em Portugal enfrenta os seus desafios. Não há licenciaturas como existem noutras línguas e esse é um “desgosto” que João Canuto espera que seja resolvido em breve. O professor de Mandarim e de História e Cultura Tradicional da China destaca o papel que Macau tem na ligação entre os povos, mas não deixa de assinalar que a intervenção da cidade no ensino da língua em Portugal “estaria sempre obrigatoriamente agregada” ao trabalho feito pelo Instituto Confúcio


Como pode Macau ajudar a desenvolver o ensino de mandarim no mundo lusófono?

João Canuto – Macau pode ter um papel muito positivo e importante, por ser o espaço histórico e cultural que é na República Popular da China. Através de Macau, os portugueses interpretam a China de outra maneira, cria quase um sentimento de lenda e aventura, um sentimento quase mítico na alma dos portugueses por ter estado sob administração portuguesa durante quase cinco séculos. Macau continua a ser um espaço que permite ao português chegar à China mais facilmente. Agora não sei como esse papel se poderia materializar em Portugal na divulgação do ensino da língua e da cultura chinesa sem ser através do Instituto Confúcio (IC).

Dito isto, é uma base e uma plataforma muito importante através da qual se poderia divulgar de forma ainda mais ativa e positiva a língua e cultura chinesa em Portugal. Pessoalmente, acho que em Macau esse papel está mais direcionado para académicos, investigadores e estudantes portugueses que queiram ir para Macau aprofundar os seus conhecimentos sobre a história entre a Ásia e o Ocidente, a língua e cultura tradicional chinesa.

Como o Instituto Confúcio já está bem sedimentado em Portugal, essa intervenção de Macau estaria sempre, não digo subjugada, mas de certa maneira obrigatoriamente agregada a esse instituto. No entanto, é importante e continua a ser uma Região com uma política e dois sistemas como definido na Declaração Conjunta. A investigação académica ainda é feita de forma liberal e livre desde que não toque nos assuntos políticos de maior complexidade para a China, como é o caso de Taiwan, ou a própria política interna chinesa. A própria China apoia e suporta essas investigações porque é um meio de divulgar no ocidente a história e a forma de pensar chinesa.

Um dia o ensino de mandarim em Portugal vai ter que passar pela criação de cursos e licenciaturas específicas

Como tem evoluído o ensino de mandarim em Portugal?

J.C. – O ensino de mandarim em Portugal, apesar de tudo, tem sofrido uma evolução natural e positiva. O Instituto Confúcio daqui para frente será a instituição que desenvolver e divulga o ensino da língua e cultura chinesa em Portugal. Graças a deus que instituições do ensino primário e secundário estão a estabelecer protocolos com o IC para serem aconselhados. Isto também acontece nas grandes instituições académicas de Portugal, como a Faculdade de Letras de Lisboa, a Universidade de Aveiro, a Universidade do Minho, a Faculdade de Letras do Porto e a Universidade de Coimbra. São as cinco instituições académicas de excelência que estão neste momento a apadrinhar e estabelecer protocolos com o IC.

Acho que com o passar do tempo o ensino de mandarim vai estar cada vez mais ligado ao IC. Mas tenho de sublinhar que muitas das pessoas que começam a estudar mandarim, principalmente os jovens, desistem. Nem é uma questão de força de vontade, não têm paciência ou não têm tempo, com os exames e outras disciplinas que têm.
Acho que, acima de tudo, um dia o ensino de mandarim em Portugal vai ter que passar pela criação de cursos e licenciaturas específicas em língua e cultura chinesa. Tal como há licenciaturas na área das línguas românicas ou germânicas, tem de ser criado de uma vez por todas licenciaturas especiais em língua e cultura chinesa. Enquanto isso não se fizer, os alunos em Portugal não vão ter a oportunidade de rentabilizar ao máximo a sua aprendizagem desta língua tão complexa, tal como é a sua cultura e história.
O IC é muito importante para colocar ordem no ensino de mandarim em Portugal. Estes cursos livres que se fazem nas universidades, ensino primário ou colégios têm um período de vida muito limitado. O Instituto Confúcio dá uma base, uma segurança e um apoio que mais nenhuma instituição consegue dar, muito menos em Portugal.

O tempo é essencial para a aprendizagem da língua e da cultura tradicional chinesa, que engloba vários aspetos, como a história. Se por um lado é preciso muito tempo para ensinar e estudar de forma séria a língua e a cultura chinesa, a verdade é que neste momento também temos pouco tempo. Já perdemos duas gerações desde a abertura do curso livre de mandarim na Casa de Macau, pelo jornalista e professor, João Cantão, em 1989. São duas gerações que poderiam ter aprendido chinês de uma forma estruturada e sólida. Causa-me algum desgosto saber que o mandarim continua a ser ensinado de uma forma incorreta, principalmente em instituições ou colégios privados e às vezes escolas públicas primárias e secundárias. Para mim não se pode dissociar a língua chinesa da sua vertente cultural.

Fora do IC, continua a apostar-se muito apenas no ensino do chinês oral, porque os alunos queixam-se muito que a língua e os caracteres são muito difíceis.

Toda a gente quer aprender chinês e depois não percebem que para aprender mandarim é preciso ter muita força de vontade. A parte escrita é muito importante. O caráter é uma entidade única e individual, que não só alberga um significado, mas as regras necessárias para o escrever, o tom e a fonética. O chinês é uma língua belíssima. Digo aos meus alunos que o chinês não se fala, canta-se; não se escreve, desenha-se.

O ensino do chinês não só é altamente benéfico para o desenvolvimento cognitivo e cerebral de uma criança ocidental, como também para um adulto. A própria aprendizagem da língua escrita ajuda-nos na aprendizagem da língua falada.

Macau continua a ser um espaço que permite ao português chegar à China mais facilmente. Agora não sei como esse papel se poderia materializar em Portugal na divulgação do ensino da língua e da cultura chinesa

Tendo em conta a ligação histórica especial que Portugal tem com a China, é uma oportunidade que se perdeu?

J.C. – Nós ocupamos no mundo um lugar privilegiado no que toca às relações com a China. Os nossos jesuítas foram conselheiros do imperador Kangxi num período crítico do início das relações externas da China com o mundo. Tudo isto para quê? Após 500 anos continua-se a falar da questão quinhentista e o que Portugal deu ao mundo e não conseguimos aproveitar a relação privilegiada que temos com a China e o respeito que até têm por nós, como um povo bastante humano no trato com outros povos. Eles têm consciência que tivemos um bom relacionamento em Macau e sem as memórias traumáticas que a Inglaterra deixou na China. A experiência colonial inglesa na China é péssima e deixou feridas muito profundas no orgulho da identidade coletiva chinesa e que até hoje não perdoaram. A relação entre a China e Portugal é algo de que os dois lados se podem orgulhar. Os chineses entendem-se bem em Portugal e não são ostracizados.

Quando esta trapalhada toda da guerra da Ucrânia acabar, tenho a certeza que a China vai surgir como o segundo ou mesmo o país mais importante do mundo em várias vertentes. Já está a ganhar. As pessoas vão querer entender a China e não a entendem. Não é só a língua, mas saber a cultura e como pensam. A forma de pensar é mais coletiva e menos individual. Há toda uma série de valores que governam a vida social e política muito própria.

Entender a China hoje é mais importante do que nunca. Independentemente da quantidade de cursos académicos que tenha no ocidente ou estatuto social, se essa pessoa não tiver um conhecimento mínimo da cultura e pensamento, não vai conseguir uma compreensão completa.

Como vê a imagem da China em Portugal?

J.C. – Acho que dentro da psicologia do povo português é preciso desconstruir um pouco a imagem negativa que muitas pessoas têm atualmente sobre a China e voltar a construir uma imagem mais positiva baseada no que é a história a cultura, a língua e a escrita. Não pode haver misturas, uma coisa é a política internacional e tudo o que se está a viver na política chinesa interna e externa.

As pessoas que tirem as ilações que quiserem, agora tem é que se ajudar a preservar acima de tudo (…) uma imagem da China associada à cultura, à língua, à história, e tudo o que representa a cultura tradicional chinesa, que muito tem para nos dar.

Eu considero-me um homem das letras, que estuda a cultura, a língua e aquilo que há de mais positivo nos outros países. As pessoas não podem, devido a momentos históricos infelizes, esquecerem-se de tudo o que esses países produziram. Seja a Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos e claro, a China. Independentemente do passado conturbado destes países, não podemos deixar morrer aquele que é o aspeto cultural e histórico de cada país.

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