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“Os transportes e acessibilidades são os aspetos que afetam a competitividade de Macau”

Nelson Moura

Falta uma visão estratégica e coordenação interdepartamental para melhorar a competitividade de Macau como destino para eventos e convenções, diz em entrevista ao PLATAFORMA Bruno Simões, empresário e presidente da associação Macau Meetings, Incentives and Special Events (MISE). A qualidade das infraestruturas de transporte e da experiência oferecida aos visitantes são elementos que limitam o crescimento do setor

O presidente substituto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento (IPIM) previu entre 700 a 1.000 de convenções e exposições em 2023. Em janeiro considerou que atingir este número era possível, ainda tem a mesma opinião?

Bruno Simões – Essas estimativas foram extrapoladas a partir de números de 2019. Realmente na altura achei esse número possível, mas tinha uma perspetiva errada do que ia acontecer no mercado. Quando o negócio dos junkets [promotores de jogo VIP] foi quase eliminado tinha a expectativa que os preços dos quartos de hotel fiariam mais baratos, semelhante ao que aconteceu em ocasiões anteriores. Os junkets reservavam vários quartos de hotel e os que sobravam ficavam mais caros. O que não antecipei é que o que acontece agora é ainda pior. Os quartos que não são reservados para os junkets, são reservados para premium mass, que precisam de ainda mais quartos.

Atualmente, um dia de semana ficam umas 2,000 patacas num hotel como o Parisian. São preços elevados e agora as minhas perspetivas, e a dos meus colegas dos hotéis, para eventos este ano não são as melhores. Neste momento, uma melhoria talvez só depois do Verão. Os hotéis agora precisam de quartos para os apostadores premium mass, o que é mau para o setor dos eventos e convenções.

Um dos problemas que identificou para a retoma de uma agenda cheia para a indústria MICE foi os recursos humanos, que neste momento são escassos. É algo que pode ser reforçado apenas com talento local, ou é necessário importar mão de obra?

B.S. – Esta recuperação está a tomar o seu tempo. Os primeiros efeitos da abertura só foram sentidos em fevereiro durante o Ano Novo Chinês e ainda só estamos em março. Vai demorar muitos meses. Primeiro é preciso quotas, depois é preciso selecionar e recrutar, treinar, integrar e não se fazem milagres. Vai demorar uns meses para as equipas ficarem minimamente reconstruídas. E isso também leva a um aumento de preços, pois como há muita procura por serviços de lazer e restaurantes, estes aumentam os preços para compensar os recursos que têm.

A política de covid-zero forçou o êxodo de alguns eventos tradicionalmente realizados em Macau. Acredita num eventual regresso?

B.S. – No que toca a eventos de negócios, há uma procura muito baixa. Nós pelo menos sentimos isso. Alguns operadores que tinham eventos pendentes de anos anteriores que nunca se chegaram a realizar e que terão lugar este ano. Mas ao nível de procura de eventos internacionais, a procura é muito baixa. Praticamente não temos pedidos para
conferências em Macau. O único merca do que temos é o de Hong Kong, que fazem coisas pequenas, passam cá só uma noite, um dia. Os preços estão caros e eles também saíram agora de uma crise prolongada. Ainda nem temos pedidos e procura do mercado internacional. O setor das feiras em Macau é o que é. A feira que se perdeu foi a G2E Asia, a única que Macau tinha por razões óbvias, dada a nossa indústria de jogo. As outras feiras são altamente pagas pelo orçamento do governo de Macau. A MIF, a MIECF, e outras feiras muito orienta das para o mercado governo são muito subsidiadas pelo governo.

A G2E Asia vai ter outro evento não jogo por diretivas do governo. Para mim é um erro estratégico e um tiro no pé direito e esquerdo o governo não ter pressionado para ter esta feira em Macau. Pressionar para a ter, mas focada nos elementos não-jogo sai da vantagem que Macau tem na área.

Macau ainda tem vantagens comparativas, nomeadamente quando comparada com cidades como Singapura ou Hong Kong?

B.S. – A minha crítica relacionada a Macau é sobretudo a sua visão estratégica de querer ser um Centro Internacional de Turismo e Lazer enquanto falta coordenação e estratégia para melhorar muitos aspetos.

A experiência dos visitantes, por exemplo, desde a chegada, passar pela imigração, filas dos táxis ou falta dos mesmos. Os transportes gerais bastante deficientes, tudo isto é um erro estratégico muito grande.

O desenvolvimento dos transportes e acesso é essencial para o desenvolvimento da indústria dos eventos e convenções?

B.S. – Em Hong Kong chegamos à falada imigração ou à fila do táxi e temos pessoas que nos ajudam, em Macau não existe. Em Hong Kong temos táxis suficientes, em Macau não, as pessoas esperam uma hora no aeroporto. Às vezes espera-se uma hora ou mais no aeroporto. Tudo coisas que toda a gente já sentiu e sabe.

“A falta mais gritante de cooperação é entre a Direção dos Serviços de Turismo e o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, que não existe”

Falta a visão estratégica para resolver o problema. Não existe coordenação interdepartamental, uma ‘task force’ criada, por exemplo, para resolver estes problemas.

Nem existe uma ideia de transformar a experiência desde que se chega a Macau até chegar ao hotel, numa experiência ao nível de Hong Kong ou Singapura. Não se fala disso, não sei por quê. Não há justificação para que esta experiência em Macau seja má ou abaixo da média, seja nas Portas do Cerco ou no Terminal Marítimo.

Os transportes e acessibilidades são aspetos que afetam a competitividade de Macau no que toca à experiência do visitante. Existe uma falta estratégica do governo para resolver o problema. Eu diria para criar uma equipa de intervenção com todos os departamentos responsáveis e pronto, não custa nada. Porque é tão difícil apanhar um táxi? Adicionem mais 500 táxis. Ganham menos os interesses estabelecidos, mas paciência.

Como temos cerca de 40 milhões de visitantes por ano mas não há táxis suficientes? Os próprios táxis de Macau são mais caros que em Hong Kong e nem existem, é um problema muito grave. A experiência do visitante é má, e é algo que o visitante nunca mais esquecerá.

Portanto, essa competitividade e atratividade no que toca a eventos é afetada pela qualidade e infraestrutura dos transportes e ofertas turistas na cidade?

B.S. – Nós temos uma hotelaria e restaurantes excelentes. Tudo o que se oferece pelos hotéis de cinco estrelas é competitivo a nível internacional, mas a partir do momento que se sai do hotel passa a ser um serviço deficiente. Um exemplo disso é a vila da Taipa, onde não uma única esplanada ou mesas no exterior.

Como é possível? Porque é que a vila da Taipa são um conjunto de restaurantes, pequenos por natureza, e não existe uma melhor experiência para as pessoas que lã vão? Diz-se que o tempo é mau, mas em Hong Kong e Singapura há esplanadas, só aqui não. Porque não temos mais concertos em espaços públicos? A Fábrica de Panchões Iec Long foi renovada e reaberta recentemente, mas não tem um único espaço para eventos, podia fazer-se ali algo como se fez na antiga prisão de Hong Kong em Lan Kwai Fong, um espaço histórico com restaurantes, esplanadas e centros de exposições. O cais do lago Nam Vam é ocupado apenas uma vez por ano e é um sítio que podia ser usado para um evento de cocktail. A Fortaleza do Monte, um espaço completamente desocupado, podia ter também alguma coisa, restaurantes e esplanadas para jantares privados, eventos, conferencias, etc.

Em Macau existe o conceito que os espaços públicos não são para eventos privados, o que não acontece em outros países. O evento diz sempre para que sim e para nós propormos, nós propomos e depois dizem-nos que não.

Macau perde muita competitividade aí, os organizadores vêm as instalações fantásticas e pedem para fazer um jantar de gala ou evento fora do hotel único, e não se pode.

“Em Macau existe o conceito que os espaços públicos não são para eventos

privados, o que não acontece em outros países”

Entretanto, as concessionárias também anunciaram vários investimentos em elementos não jogo e infraestruturas. Em termos de infraestruturas, as concessionárias já têm o que é necessário para eventos?

B.S. – Acho bem finalmente apertarem [com as concessionárias] para cumprirem as promessas. Nos 20 anos deixaram os operadores fazer tudo o que queriam, mas agora passamos do 8 ao 80, pedem–lhes dinheiro para tudo, para apoiar ações de promoção, acho que já pedem demais. No que toca a infraestruturas de hotéis acho que as coisas estão bem, esperam-se mais espetáculos, mas isto não chega para termos uma vantagem competitiva. Tem que haver uma visão estratégica da cidade, analisada e implementada interdepartamental mente para melhorar a experiência de chegada e fora dos hotéis.

A falta mais gritante de cooperação é entre a Direção dos Serviços de Turismo e o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento, que não existe. Há uma zona cinzenta entre o que são eventos de negócios ou de turismo. Esta divisão que se fez há mais de 10 anos, para mim, foi um erro estratégico, só porque o IPIM organiza a MIF não quer dizer que deva ser responsável pelos MICE. Não tem a mesma presença internacional ou a mesma estrutura. O IPIM vai a eventos de negócios e não leva materiais sobre turismo, e o turismo vai a feiras promover Macau e não tem nada sobre eventos de negócios. Não cabe na cabeça de ninguém.

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