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“Como sempre, o potencial de Macau existe”

Guilherme Rego

A lentidão processual tem tramado aquela que é a jurisdição com maior potencial para se assumir como ponte na arbitragem e mediação de litígios sino-lusófonos. Ao PLATAFORMA, o presidente da direção da Associação Lusófona de Arbitragem e Mediação (ALAM), reconhece que ainda falta muito para as vantagens comparativas de Macau serem reconhecidas na Lusofonia e na China

Como recurso à justiça estadual, muitas vezes sobrecarregada, encontra-se na justiça arbitral maior celeridade processual, menores encargos financeiros e, até pela complexidade jurídica de alguns casos, maior capacidade desta área do direito para dirimir o litígio entre as partes.

A ALAM é criada em 2019, no mesmo ano em que entra em vigor a nova lei de arbitragem de Macau – só Timor-Leste tem legislação mais recente (ver gráfico nº1). O seu objetivo é, em traços gerais, o fomento da resolução dos litígios lusófonos “entre portas”, promovendo oportunidades de trabalho para os operadores jurídicos das jurisdições envolvidas. Ao mesmo tempo, ajudar as partes não lusófonas no seio da Lusofonia, como por exemplo a China. Bruno Nunes enfatiza o papel que Macau pode desempenhar.

Porquê Macau?

No que toca à arbitragem no meio sino-lusófono, Macau tem vários pontos a favor: “É a única jurisdição dotada de um ordenamento jurídico familiar a todos os atores lusófonos”, com legislação “extremamente moderna e inovadora”, e tem “ainda a capacidade de se assumir como neutra na resolução dos litígios emergentes do comércio sino-lusófono.” Além disso, tem os talentos bilingues, necessários para fazer a ponte.

Bruno Nunes exemplifica: “Se houver uma relação comercial entre a China e o Brasil, financiada pelo Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, onde é que a arbitragem deve ocorrer? Em Macau, evidentemente. Sim, faz parte da China, mas é o mais neutro quanto possível. A lei é compreendida por um brasileiro, por exemplo, e do lado chinês pode-se apontar alguém bilingue para explicar o caso”.

Bruno Nunes, presidente da direção da ALAM

Entre as vantagens, um problema debilitante

“Como sempre, o potencial de Macau existe”, defende. O problema, por vezes, está na capacidade de capitalizar esse potencial. Bruno Nunes reconhece que para Macau se afirmar “existe muito trabalho a efetuar e sensibilização de todos os atores no comércio sino-lusófono.”

Ao PLATAFORMA, o responsável dá um exemplo concreto: “Estava a rever um dos contratos de uma das concessionárias de jogo; a lei aplicável era a de Macau, mas o centro de arbitragem era o de Hong Kong. As concessionárias são de Macau, o serviço e a lei aplicável também, portanto, porque é que se opta por Hong Kong? Porque sabem que o Centro Internacional de Arbitragem de Hong Kong (HKIAC, na sigla inglesa) é dos melhores a nível mundial e que já tem experiência em casos semelhantes.”

Mas esta escolha decorre apenas da boa reputação do HKIAC, ou também de uma má reputação dos quatro centros de arbitragem de Macau?

Num inquérito à população, advogados e intervenientes da Lusofonia, a associação chegou a uma conclusão.

O vice-presidente do Comité de Relações Públicas, Alfie Leung, diz ao nosso jornal que “a maioria dos inquiridos diz que os centros de arbitragem de Macau não são funcionais, que para apontar um árbitro (juíz) demora muito mais tempo do que o inicialmente previsto”.

Na sua opinião, “ainda há algum trabalho a fazer até que os investidores estrangeiros optem por Macau. Por isso mesmo temos cooperado com os centros de arbitragem para ver como podemos ajudar.”

Homogeneizar o know-how

Não basta melhorar a celeridade processual. É necessário também que os atores sino-lusófonos tenham conhecimento das diferentes jurisdições e suas vantagens, pois o conhecimento ainda é “muito localizado”. Bruno Nunes explica que um perito em arbitragem na China terá muitas dificuldades em compreender as jurisdições lusófonas sem o material estar adaptado e traduzido.

Por isso a associação tem trabalhado na promoção. A ALAM começou com 30 associados e hoje já são 158 (ver gráfico nº2). A grande maioria encontra-se dividida em Portugal e Macau, mas Bruno Nunes espera que no futuro se equilibre a balança. “Temos feito um esforço para sair da nossa zona de conforto, que é Macau e Portugal por razões óbvias. Queremos uma associação com a maior representatividade possível.”

Alfe Leung vice-presidente do Comité de
Relações Públicas da ALAM

Com esse objetivo em mente, a associação pretende firmar parcerias com “instituições do mesmo calibre”, tendo já uma com a Associação Portuguesa de Arbitragem.

O seu crescimento permite agora abordar entidades congéneres em Angola, Moçambique e Brasil. A partir de Macau, Alfie Leung tem abordado possíveis parceiros na China continental, tendo já estabelecido uma ligação com um centro de arbitragem em Zhuhai.

Os esforços de promoção e partilha de know-how passam também por seminários online, eventos e cursos formativos. A associação procedeu à criação de contas no Facebook, LinkedIn, Youtube, WeChat, Weibo, Youku, Tencent, Tik Tok e Bilibili para partilhar as notícias da ALAM e conteúdo preparados pelos associados.

Ao mesmo tempo, prepararam um guião prático sobre arbitragem na Lusofonia, com a colaboração de peritos de todas as jurisdições lusófonas.

No futuro, a associação pretende dinamizar o trabalho dos 20 comités temáticos na realização de seminários online sobre arbitragem de investimento, arbitragem no Brasil, arbitragem em Angola e na preparação de um evento sem precedentes em 2024 – ainda em fase embrionária, mas pretende-se que seja feito em Macau.

Fórum Macau na calha

Na 5.ª Conferência Ministerial do Fórum Macau foi reiterado o seu “apoio no aproveitamento das vantagens comparativas de Macau no conhecimento dos sistemas jurídicos da China e dos Países de Língua Portuguesa, inclusive pela sua promoção como um dos locais de arbitragem para a resolução de eventuais conflitos decorrentes do comércio entre os empresários dos Países Participantes do Fórum Macau.”

Bruno Nunes revela ao nosso jornal que já houve uma reunião com o Fórum Macau quando a associação ultrapassou os 50 associados, mas que não passou disso. “A ALAM foi apenas apresentar-se. Para se inverter o modus operandi, (…) a ALAM considera que primeiro deve trabalhar para se afirmar como um parceiro de relevo junto de entidades como o Fórum Macau. A ALAM tem mantido o Fórum a par das suas iniciativas e mantém-se disponível para apoiar nas iniciativas que sejam necessárias”.

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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