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37 barcos viajam do cais da estiva até Macau

Nelson MouraNelson Moura

Cerca de 37 de barcos em miniatura construídos por um conhecido artesão da Ribeira do Porto, preparam-se para ser enviados para Macau por um empresário local

Durante séculos foram muitos os barcos e embarcações que se fizeram ao mar a partir do Cais da Estiva, na Ribeira do Porto. Agora em continuação da tradição, cerca de 37 barcos preparam-se para sair da foz do rio Douro e navegar os mais de 10.000 km que separam as duas cidades.

Entre eles irão barcos de pesca da sardinha, bacalhoeiros, caravelas, traineiras e veleiros. Todos eles cuidadosamente construídos pelas mãos calejadas de José Fernando Marques Teixeira, também conhecido por Naná, e comprados por Asai, um empresário da restauração de Macau.

VELHOS E PEQUENOS BARCOS

Residente de longa data da costa fluvial portuense, Naná mantém viva a arte de construir miniaturas de embarcações de vários tamanhos na sua oficina, encostada ao Muro dos Bacalhoeiros e ao Grupo Desportivo Infante D. Henrique, com Gaia como vista.

Representa já a 4ª geração de uma família ligada ao trabalho fluvial no rio Douro, algo que lhes granjeou o epíteto a de “Ratos do Rio” entre as pessoas da zona, com Naná a seguir as pisadas do pai e irmãos e a começar a sua ligação ao trabalho marítimo desde os 14 anos. Mas enquanto o resto da família sempre se manteve perto do rio, Naná exploraria mares já muito navegados, como marinheiro em navios da marinha mercante ou petroleiros, aprendendo a construir as miniaturas sempre que voltava a casa das longas comissões de trabalho no alto mar.

Todos construídos em pinho, as embarcações reduzidas requerem um trabalho minucioso, desde as duas semanas para construir as traineiras da pesca da sardinha, aos meses que demora construir uma réplica do veleiro transatlântico – o favorito de Naná – que fazia a rota entre Portugal e Brasil no século XIX.

Já bisavô, Naná duvida que algum dos seus cinco filhos ou netos continue a mesma arte que aprendeu da família, já que requer paciência manusear e montar toda uma panóplia de pequenos fios, roldanas e peças, que imitam com perfeição um barco no seu tamanho natural. Depois de 76 anos e dois acidentes vasculares cerebrais, Naná continua agora esse fabrico quase como por instinto e terapia, numa oficina quase escondida entre toda a indústria turística que conquistou o espaço à sua volta.

PRESERVADOS EM MACAU

Acompanhado pela sua mulher Rosa e a sua cadela Lua, sentado com um chapéu do FC Porto na pequena oficina coberta de serradura e de barcos, ferramentas e outros elementos marítimos, Naná conta ao PLATAFORMA que terá “mais calma” a construir as suas embarcações de agora em diante.

Só constrói barcos que conhece por memória e são as maiores réplicas que lhe dão mais prazer a construir, nomeadamente um veleiro transatlântico, pelas muitas velas e cabos náuticos que envolvem.

O residente da Ribeira mostra-se desiludido por a câmara do Porto nunca ter demonstrado interesse em estabelecer um museu do mar, onde pudesse exibir as muitas embarcações que construiu.

“Não se percebe como uma cidade de onde saíram tantos barcos na história marítima de Portugal não tenha um museu do mar. Já fiz vários pedidos à câmara e estava disposto a oferecê-los de graça. Mas nunca fizeram caso”, conta ao PLATAFORMA.

Por agora, o artesão decidiu concentrar-se mais na construção de pequenos rabelos, mais populares entre os turistas que povoam diariamente a pequena viela onde se encontra.

Clientes da Indonésia a Timor-Leste já levaram as suas embarcações para portos asiáticos, e Asai, conhecido empresário da restauração em Macau, prepara-se agora para levar uma frota considerável para outra ex-colónia portuguesa.

“Foi a maior razia na nossa loja”, diz Rosa ao PLATAFORMA, enquanto mostra as prateleiras agora vazias, salvo alguns barcos reservados por Naná como herança para os netos. Anos atrás, num mundo pré-pandemia, o empresário de Macau realizava uma das suas viagens anuais a Portugal quando se deparou com a oficina e Naná, escrevendo então uma nota mental de os juntar à sua já vasta coleção de antiguidades portuguesas na cidade, que usa para decoração dos seus restaurantes de comida portuguesa ou como coleção pessoal.

“Eu fui a um restaurante [em Caminha] decorado com modelos de barcos e gostei. Qualquer coisa que eu vejo em Portugal que não vejo em Macau, trago de volta para partilhar com outras pessoas que provavelmente não tiveram oportunidade de as ver”, explica Asai ao PLATAFORMA.

“Os meus próximos projetos de restauração estão relacionados com a pesca e o vinho do Porto, por isso estes barcos são uma decoração perfeita”, refere.

Muitos dos restaurantes abertos por Asai em Macau, como o Três Sardinhas ou o Portucau, são decorados com antiguidades ou curiosidades compradas pelo empresário em Portugal. Depois desta entrega, a RAEM terá a distinção de ser o lugar do mundo com a maior coleção de embarcações construída pelas mãos hábeis de Naná, que já recebeu até convite do próprio comprador, Asai, para conhecer a cidade.

No entanto, já num estado frágil, o antigo marinheiro só pensa agora em como voltar a encher as prateleiras da sua oficina de veleiros e traineiras. Com calma e paciência, claro.

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