Algo nunca visto na Amazónia. A Greenpeace, a organização não governamental ambiental mais conhecida mundialmente, descobriu uma estrada ilegal em pleno coração da floresta amazónica, com 150 quilómetros de extensão. Alegadamente, este caminho foi construído para facilitar a entrada de maquinaria pesada naquela zona de difícil acesso.
Este troço, já conhecido como a ‘Estrada para o Caos’, facilitará assim o trabalho dos garimpeiros de mineração ilegal, sobretudo o acesso destes a este local remoto na Amazónia. De acordo com um trabalho de investigação da Greenpeace, e que o jornal The Guardian e a televisão brasileira TV Globo acompanharam de perto, esta estrada foi aberta na selva do maior território indígena do Brasil nos últimos meses, numa tentativa audaciosa de introduzir retroescavadoras nessas terras supostamente protegidas.
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“Já a chamo de de Estrada para o Caos”, começou por dizer, ao The Guardian, Danicley de Aguiar, o ambientalista da Greenpeace que lidera a missão de reconhecimento do imenso santuário indígena perto da fronteira do Brasil com a Venezuela.

De acordo com este especialista, este tipo de maquinaria pesada nunca tinha sido visto perto de território Yanomami, uma extensão de montanhas, rios e florestas
do tamanho de Portugal no extremo norte da Amazónia brasileira.
“Acreditamos que há pelo menos quatro retroescavadoras por lá e isso leva a mineração no território Yanomami para o próximo nível, para um nível colossal de destruição”, disse o ativista, preocupado com o que acontecerá nos próximos tempos.
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Durante a viagem feita de avioneta, na companhia do The Guardian e da TV Globo, foram vistas algumas clareiras, uma das quais a cerca de 15km de um território onde vivem cerca de 27 mil membros dos povos Yanomami e Ye’kwana, incluindo várias comunidades que não têm qualquer tipo de contato com o mundo exterior.
Uma outra ativista da Greenpeace, neste caso Sónia Guajajara, uma importante líder indígena, acredita que esta estrada foi feita durante a campanha para as recentes eleições no Brasil, que garantiram a vitória, em outubro último, de Lula da Silva.

“Estavam todos focados em outras coisas e eles aproveitaram”, disse a ativista. De acordo com as autoridades, e depois de ter sido descoberta esta estada, foi lançada uma operação de fiscalização, com o nome de Guardiões do Bioma.
Até agora, contudo, foram á destruídas cinco aeronaves, mais de 2500 litros de combustível, minérios, armas de fogo, munições e maquinaria usada para cometer os crimes ambientais, bem como a infraestrutura de suporte às atividades ilegais.
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“Hoje, nestas terras Yanomami, podemos dizer com toda a certeza que existe uma relação estreita entre o garimpo e as fações criminosas ali dentro. Mal a presença da polícia se fez sentir junto ao rio, observámos que começaram a atear fogos. Esse é um sinal de alerta que eles dão, típico de fação criminosa, tudo para avisar que existe a presença da polícia por perto. Há criminosos em todo o lado, pelo que é cada vez mais importante a fiscalização”, disse o comandante Hugo Loss, salientando até que o nível dos acampamentos destes trabalhadores ilegais é “assustador, muito profissional”, com TV a cabo, internet, energia elétrica, locais de prostituição e até mercados.
MINERAÇÃO DESDE OS ANOS 70 E 80
A história do garimpo neste território remonta já aos anos 70 e 80, quando muitos trabalhadores ilegais começaram a migrar para terras Yanomami, em busca de minério de estanho e ouro.
Nessa altura, a chegada dos trabalhadores levou a uma tragédia neste povo indígena, com a tribo a ser assolada por epidemias de gripe e sarampo, que levou à morte de 20 por cento das pessoas. De acordo com dados recentes, a mineração ilegal na Amazónia cresceu exponencialmente nos últimos anos, durante a presidência de Jair Bolsonaro, acreditando-se que hajam neste momento cerca de 25 mil garimpeiros selvagens em terras Yanomami.

Esta reserva, diga-se, é considerada a maior no Brasil, contando com quase 10 milhões de hectares. Geograficamente, é um território de difícil acesso onde vivem, então, 27 mil indígenas, ou seja, duas mil pessoas a mais que o número total de garimpeiros, o que coloca ainda mais em causa a saúde dos indígenas, caso haja contactos diretos com os trabalhadores ilegais.
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Um estudo recente, aliás, revelou que pelo menos 56 por cento da população Yanomami já sofreu algum impacto causado pela mineração ilegal. Entre os problemas, além dos casos de sarampo e gripe, como referimos, está mais recentemente casos graves de malária e desnutrição severa entre as crianças.
Quando o jornalista do Guardian Dom Phillips, que foi assassinado na Amazónia em junho passado, visitou uma mina no território Yanomami no final de 2019, salientou ter encontrado “um inferno industrial operado manualmente no centro de uma beleza tropical selvagem”, concretamente mineiros cobertos de lama, usando andaimes de madeira e mangueiras de alta pressão para abrir caminho através da terra.
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