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Brasil quer fazer de Angola uma superpotência agrícola

Maria Gonçalves

As ligações remontam de há muitas décadas, mas a verdade é que só agora as trocas comerciais começaram a crescer e há uma visão estratégica para que ambos possam crescer do ponto de vista económico, com uma super aposta do Brasil em Angola no setor da agricultura

Em 11 de novembro de 1975, o Brasil reconheceu a independência de Angola. Aliás, foi o primeiro país do mundo a fazê-lo, há 47 anos. Algumas décadas volvidas, contudo, e apesar das relações diplomáticas existirem desde sempre, a verdade é que o investimento deste país sul-americano em Angola é quase inexistente. Há planos, no entanto, para que isso possa mudar. E planos ambiciosos, nomeadamente no setor agrícola.

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Apesar da ligação afetiva dos dois países lusófonos, a ligação comercial e económica é bastante diferente. Dados da AIPEX (Agência de investimento privado e promoção das exportações de Angola) apontam que desde 2008 os investimentos brasileiros neste país do continente africano não chegaram sequer a 110 mil dólares.

Recentemente, porém, parece ter sido dado um passo importante nesta relação. No início do mês de junho ambos os países assinaram dois instrumentos jurídicos, um relativo ao Acordo de Defesa entre Brasil e Angola e um outro de cooperação para o desenvolvimento agrícola. “Queremos contribuir para esse esforço. Angola é um país irmão e temos condições aqui muito parecidas com as condições geográficas brasileiras. Devemos priorizar a recuperação do comércio e a retoma dos investimentos de alto nível do Brasil em Angola e vice-versa”, disse na altura o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto França.

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Do lado de Angola, o chefe da diplomacia angolana, Téte António, destacou as potencialidades do Brasil, que possui uma das maiores economias da América do Sul. “O Brasil é um país com um mercado competitivo, diversificado e com uma vasta experiência nos setores da agropecuária, indústria alimentar, aeronáutica, entre outros. Todos os esforços estão a ser empreendidos no sentido de se revitalizar e desenvolver a agricultura, para reduzir a dependência a importação de produtos alimentares. A experiência do Brasil no setor da agropecuária é bem-vinda, por ajudar a promover e aprofundar a cooperação neste domínio.”, sublinha.

O PLATAFORMA foi tentar perceber esta nova aliança e os planos para reerguer uma parceria que há quase 50 anos prometia muito. Os projetos prometem, até pelo investimento previsto. “O Brasil tem uma vasta produção de soja e grãos, muito superior a países como os Estados Unidos, e a ideia é que essa produção possa crescer no exterior, sendo que os planos atuais apontem para que a expansão agrícola comece por Angola, onde já se está a trabalhar no terreno”, disse ao jornal o economista Flávio Azevedo, salientando depois o que, na sua opinião, poderá resultar desta parceria.

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“A ideia do Brasil passa por tentar aproveitar a crise na Europa e apostar num continente que tem muito potencial agrícola, mas que ainda não está bem explorado. É sempre um risco, evidentemente, mas é sem dúvida uma grande aposta. Do lado de Angola passa-se exatamente o mesmo. O país quer crescer, exportar ainda mais e tem aqui uma preciosa ajuda, tanto técnica como financeira. O Brasil informou que pretende investir quase dois mil milhões de euros, grande parte desse montante em projetos agrícolas. A ideia passa mesmo por fazer de Angola uma superpotência neste setor. Cresce o Brasil e cresce Angola”, vaticina o especialista.

TROCAS COMERCIAIS DUPLICAM

Ainda que os investimentos brasileiros em Angola estejam, para já, longe do que é projetado, de acordo com os dados da AIPEX, a verdade é que só nos primeiros seis meses de 2022, as trocas comerciais entre os dois países ascenderam a quase 300 milhões de dólares, o dobro em relação ao mesmo período do ano passado. Bons sinais, mas há espaço para muito mais.

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“Angola e a África do Sul são os dois países africanos com quem o Brasil tem um relacionamento mais aprofundado. Têm sido pequenos os passos dados, até porque também o Brasil tem os seus problemas económicos, mas são cada vez mais firmes. Há um crescimento sustentado com Angola, mas os dados económicos apontam para que o mesmo possa ser cada vez maior, sobretudo depois dos planos anunciados por Carlos Alberto França. Há muito que não se via um investimento tão avultado fora do país. É um sinal claro que há uma confiança total no que se pode fazer em Angola e que as trocas comerciais poderão ainda crescer muito mais a breve prazo”, considerou Flávio Azevedo.

LIDERANÇA ANGOLANA NA CPLP

Angola tem desde o ano passado a presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sendo que a mesma já por diversas vezes tem vindo a ser elogiada pelo Brasil. E esta foi vista também como um pilar para o estreitamento das relações económicas e comerciais entre ambos os países.

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“Houve um esforço novo de pensar a CPLP como um espaço de desenvolvimento económico e de promoção comercial. Angola impulsionou a expansão das atividades da CPLP, deve ser dado o crédito a quem merece”, revelou recentemente o secretário de Negociações Bilaterais do Brasil no Médio Oriente, Europa e África, Kenneth Nóbrega.

Este discurso do diplomata foi visto como promissor para as relações de ambos os países. Aliás, há quem aponte o mesmo discurso como ‘programado’. “As relações comerciais e planos de expansão não são de agora, ao contrário do discurso de Kenneth Nóbrega. A presidência de Angola na CPLP foi posterior ao início das conversas sobre investimento, pelo que essas palavras, ainda que meritórias, podem ter tido outro entendimento em Angola e Brasil. O trabalho que Angola está a fazer dentro da CPLP, nomeadamente no ponto de vista económico, tem sido enaltecido por todos os países da comunidade, mas a verdade é que a aposta do Brasil em Angola já estava planeada há muito mais tempo”, concluiu Flávio Azevedo.

FORMAÇÕES AGRÍCOLAS

Entretanto, uma comitiva brasileira esteve durante cinco dias em Angola com o objetivo de apoiar o país africano na formação agrícola familiar e reservas de alimentos em regiões que sofrem com grave seca, disseram à Agência Lusa responsáveis brasileiros.

Uma comitiva composta, entre outras, pela Companhia Nacional de Abastecimento do Brasil (Conab), Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), diagnosticaram os problemas de infraestrutura de produção, processamento, transporte e armazenamento de produtos na Província do Cunene, região localizada no Sul da Angola e que sofre com grave seca. Presente na comitiva, o gerente de Cadastro e Credenciamento de Armazéns da Conab, Saulo Tomiyoshi Medeiros, explicou à Lusa que o Brasil pode contribuir na formação de reserva de alimentos, nomeadamente em produtos como milho, arroz e feijão.

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“Eles têm problemas de abastecimentos” e têm necessidade de importar esses produtos, detalhou o responsável. Através da experiência brasileira, estes responsáveis querem cooperar com esta região angolana de forma a que se consiga implementar também uma agricultura familiar, começando pela cesta básica, para que as populações se tornem autossuficientes, explicou também à Lusa a gerente de Programação Operacional da Agricultura Familiar e Sociobiodiversidade da Conab, Kelma Cruz.

Kelma Cruz revelou ainda que em julho deverá ser assinado um memorando de cooperação entre os dois países lusófonos para que sejam detidos, de forma concreta, projetos e atividades a serem seguidos.

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