Deng Xiaoping referiu que para se “atravessar o rio, temos de sentir as pedras”. Cerca de 40 anos depois desta observação, em certa medida ainda é preciso sentir essas pedras. Enquanto segunda maior economia do mundo, o mercado chinês tem atraído o interesse de empresas nacionais e internacionais que colocam especial ênfase no desempenho económico de cada província. Segundo um relatório do Instituto Milken, Haikou foi considerada a cidade chinesa com melhor desempenho económico no ano passado. Perry Wong, diretor do instituto e coautor do estudo, fala também sobre o período difícil que Macau atravessa e salienta que o desenvolvimento futuro da Área da Grande Baía “depende em grande parte da experiência de Shenzhen”
Haikou, a capital e cidade com maior densidade populacional da província de Hainan, obteve o melhor desempenho económico do país, segundo revela o Instituto Milken. A cidade é ainda vista como um ponto fulcral para a estratégia chinesa “Uma Rota da Seda Marítima do século XXI”.
O resultado atingido é fruto da redução de impostos, bem como a implementação de vários projetos industriais. Isto marca a primeira vez que um porto de comércio livre com características socialistas chinesas beneficia destas medidas.
Perry Wong, coautor do relatório e diretor do instituto, afirma que o investimento estrangeiro na província de Hainan cresceu 1.700 pontos percentuais ao longo dos últimos três anos, algo nunca antes atingido por qualquer outra cidade chinesa.O mesmo salienta ainda que o futuro desenvolvimento de Haikou depende em grande parte da direção do desenvolvimento geral da China, mas poderá ser relevante para as trocas comerciais dentro da área de livre comércio da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
“Haikou é o porto comercial mais próximo dos países do Sudeste asiático. Isto representa uma mais valia inerente e importante para o desenvolvimento futuro”, refere.
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Xangai e Pequim, os dois maiores centros económicos na China, ocupam o sexto e oitavo lugar desta classificação, respetivamente. Para Perry Wong, os resultados não representam uma estagnação económica das duas cidades, mas antes um desempenho incapaz de acompanhar a velocidade de Haikou.
“O setor financeiro, a principal indústria em Xangai, é constituído pelas políticas do Governo Central que estão em linha com o mundo financeiro internacional. Isto é algo que conta com a entrada de capital estrangeiro e chinês, o que origina um crescimento próspero deste setor na cidade”, explica Perry Wong.
Para o diretor, as medidas implementadas em Pequim ao longo dos últimos anos procuram incentivar várias empresas a sediarem-se fora da capital, nomeadamente para a Nova Área de Xiong’an ou para o distrito de Tongzhou.
Este incentivo leva várias empresas do setor privado a ver com outros olhos esta nova direção de desenvolvimento fora de Pequim, devido ao financiamento local e projetos de qualidade.
Macau e Hong Kong fora da listas
O estudo tem por base dados oficiais do Anuário Estatístico de Cidades Chinesas. Macau e Hong Kong não foram incluídos por não fazerem parte do anuário.
Perry Wong afirma que a produção é um dos principais fatores da economia chinesa. “Sabendo que a principal força económica de Macau (a indústria do jogo) está atualmente sob transformação, como poderá a cidade acompanhar o crescimento do resto do país?”, questiona.
Wong afirma ao PLATAFORMA que, apesar da indústria estar a sofrer uma mudança, o setor não beneficia apenas do jogo, mas também de outras atividades de entretenimento.
“Além das apostas, estes locais dispõem de restaurantes de luxo, teatros e parques infantis temáticos para apelar a famílias e casais”, realça. O mesmo responsável acredita que Macau, ao estabelecer uma relação próxima com Países de Língua Portuguesa, poderá desenvolver a sua economia.
A Região poderá ainda encetar o fomento de vários talentos em tecnologia e engenharia nas universidades locais para, a longo prazo, “considerar reestruturar a sua economia e expandir a área de terreno no auxílio à diversificação”.
Potencial da Grande Baía
Duas cidades da província de Guangdong alcançaram o top cinco desta lista. Shenzhen (5º lugar) e Guangzhou (2º lugar) são a terceira e quarta cidade, respetivamente, com as economias mais fortes em toda a China, depois de Xangai e Pequim.
“Guangzhou é um caso único”, afirma Perry Wong, apelidando a cidade como a mais atrativa do escalão 1 e 2 elaborado pelo Instituto Milken. Guangzhou beneficia ainda do crescimento de uma economia tecnologicamente avançada, impulsionada por aplicações de inteligência artificial.
Wong nota ainda que Guangzhou é o único “polo industrial” entre todos os outros centros urbanos no Sul da China. Outras cidades comparáveis são Xangai, Pequim e Tianjin, devido aos seus sistemas industriais, culturais e financeiros, assim como a sua cultura empresarial.
“Como poderá Guangzhou marcar a sua posição na Área da Grande Baía (GBA), desenvolver o seu papel como grande centro industrial e emitir a energia da cidade nesta região?”, indaga, acrescentando ser “a primeira vez que Guangzhou ocupa uma posição no pódio”.
“Tendo alcançado classificações entre o sétimo e o oitavo lugar ao longo dos últimos sete anos, a cidade conseguiu finalmente uma classificação particularmente alta este ano. Contudo, o papel que Guangzhou irá assumir para influenciar o desenvolvimento da GBA deve ser ponderado”, enaltece. Entre as cidades do escalão 1, Shenzhen é caracterizada pela sua cadeia industrial contínua, algo menos provável de ser “roubado” por outras cidades.
“Shenzhen não precisa de estar em primeiro, segundo ou terceiro lugar todos os anos. Contudo, o quarto lugar estará sempre garantido e o seu crescimento salvaguardado devido à estrutura económica da sua indústria. Desde que esta continue ativa, a liderança estará praticamente assegurada. Quando uma cidade possui vários segmentos industriais, às vezes é difícil criar um motor de crescimento sólido”, refere.
“Porém, se uma indústria atingir um entrave, o crescimento económico não deve sofrer uma grande queda já que a sua base é equilibrada”, justifica.
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O diretor salienta que, ao longo da próxima década, o desenvolvimento da GBA “depende em grande parte da experiência de Shenzhen”.
“Se olharmos para trás, podemos ver como é que Shenzhen passou de uma cidade fronteiriça, há 30 ou 40 anos, para um centro urbano internacional”, nota Perry Wong.
Entre as cidades do escalão 3 (cidades de pequena ou média dimensão), Dongguan subiu para a terceira posição em 2021, depois de ter ficado em 10º no ano de 2020. Zhuhai assumiu a sexta posição, tendo a cidade de Heyuan, que liderou o escalão 3 em 2020, descido para o 92º lugar.
Desempenho excelente em Anhui
Contando com cidades de escalão 3 no ranking, a província de Anhui tem demonstrado um crescimento positivo nos últimos anos.
Em 2021, cinco cidades da província ocuparam um lugar entre as primeiras dez classificações deste escalão. Chuzhou alcançou o primeiro lugar, Fuyang o segundo, Xuanzheng o quinto, Bozhou o oitavo e Ma On Shan o 10º lugar.
A cidade de Fuyang subiu 19 lugares, tendo Chuzhou ficado pelo segundo ano consecutivo entre os cinco primeiros. Chuzhou é vizinha da capital da província, Hefei, e beneficia desta localização privilegiada, com a sua integração na área metropolitana de Nanjing no Delta do Rio Yangtzé a impulsionar a economia.
“É algo invulgar nestes últimos sete anos. Este ano, três cidades de Anhui foram incluídas no ranking de cidades com o maior crescimento”, comenta Perry Wong. Porém, nenhuma destas cinco cidades de escalão 3 se encontra perto da capital Hefei. Na verdade, encontram-se na fronteira da província. Jiujiang, província de Jiangxi, faz fronteira com Hebei. Anhui, Hunan, e Bozhou fazem fronteira com Henan.
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O mesmo responsável salienta que estas cidades de escalão 3, ao longo dos últimos anos, têm beneficiado de medidas de combate à pobreza e políticas industriais especiais implementadas pelo Governo Central. Estas normas conseguem trazer mais oportunidades e valorizar áreas subdesenvolvidas.
“Bozhou é a capital da produção de medicamentos tradicionais chineses. No passado, as pessoas tinham a ideia de que a produção de medicina ervanária era algo com um valor relativamente baixo. Por isso é que este setor nunca ofereceu à cidade um grande impulso para crescer”, afirma Wong, analisando, contudo, que “agora a situação mudou”.
“As medidas do Governo Central e o seu sistema de transporte relativamente flexível vieram oferecer à cidade uma forma de produzir grandes quantidades de medicamentos e de os expedir diretamente.
Em segundo lugar, o Governo concedeu à cidade políticas industriais especiais, possibilitando a Bozhou afastar-se da indústria de produção de alimentos. A cidade começou a implementar métodos de produção avançados usados por empresas farmacêuticas em Xangai e Pequim”, especifica.
Foco no crescimento chinês
“Talvez a essência do progresso da economia chinesa esteja no Sul do país, com o futuro desenvolvimento da Nova Área de Xiong’an em Pequim, no norte do país, ainda incerto. A Oeste temos Chengdu, Xi’an e Chongqing, três grandes cidades que se irão transformar em ferramentas essenciais para o desenvolvimento da região. Além da sua força industrial, são também fulcrais para a entrada da China na Ásia Central e na Europa, com imensas oportunidades para um desenvolvimento contínuo”, concretiza.
Segundo Perry Wong, o crescimento económico da China no passado conseguiu atingir três objetivos a nível regional: urbanização, desenvolvimento industrial e alívio da pobreza. Isto diminuiu a disparidade económica entre as várias populações regionais.
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“O esforço do Governo chinês, ao longo dos últimos 20 anos, ofereceu ao seu crescimento uma direção ainda mais estável e sustentável”, sublinha, revelando ainda que “muito do impulso inicial do progresso da China veio da primeira fase de reformas, em termos económicos, sociais e políticos”.
“Porém, grande parte da sua sustentabilidade veio também desta política, que foi constantemente ajustada. Deng Xiaoping disse há 40 anos para atravessarmos o rio e sentir as pedras. Acredito que 40 anos depois, em certa medida, ainda precisamos de sentir essas pedras. Atualmente, aproximadamente 40 por cento da população chinesa vive numa zona central e urbana. Cerca de 60 por cento continua a viver em zonas subdesenvolvidas, remotas e menos modernas. Sob esta perspetiva, se esta medida for sustentável e continuar a aumentar, a taxa de crescimento da China não deverá ser baixa a longo prazo”, realça.
Para Perry Wong, a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” é uma estratégia importante para o desenvolvimento externo chinês, através de uma abordagem geopolítica à economia.
“Pessoalmente, acredito vivamente que em vez de a China usar a iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ para se expandir em mercados internacionais, deve tirar partido destes para criar oportunidades para o país no ocidente. Depois pode, juntamente com países do Sudeste Asiático, desenvolver as cidades do Sudoeste”, revela.
O diretor do Instituto Milken espera que o relatório possa evidenciar as oportunidades que a China tem para oferecer. O mesmo refere que o desenvolvimento atual da GBA “não se limita a uma aglomeração de pequenas, médias e grandes empresas” e centra-se na forma como “conjuga estas entidades económicas distintas, onde cidades com diferentes sistemas económicos, políticos e ambientes culturais se unem e atingem o seu valor máximo”.