Início Opinião Porque existem clubes portugueses em Macau? A história desconhecida do futebol local

Porque existem clubes portugueses em Macau? A história desconhecida do futebol local

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Até os leitores mais familiarizados com o futebol de Macau devem estar confusos com este fenómeno: entre os clubes de futebol locais, para além daqueles que adotam o nome de agências governamentais (como Polícia de Segurança Pública e Alfândega), existem também equipas com nomes de clubes portugueses (como o Benfica e o Sporting) com uniformes e logótipos idênticos. Estas equipas são conhecidas localmente, contudo, as suas diferenças com os clubes de fora são óbvias. Dificilmente imaginaríamos clubes da liga de Hong Kong chamados Manchester United, Liverpool ou Força Policial de Hong Kong.  

Porque é que este fenómeno acontece em Macau? Como se iniciou? Num recente estudo de Célia Gouveia, do Instituto Universitário de Lisboa, conseguimos entender que a história do desporto-rei na cidade tem de ser analisada a partir da era colonial: a forma como os clubes de futebol surgiram nesta época influenciou o desporto atual.  

A “tradição” da organização do futebol local 

O futebol chegou a Macau na década de 1870, atingindo o seu pico de popularidade entre 1920 e 1930. Durante esta “época gloriosa”, os portugueses da região organizaram vários clubes e competições, atingindo um nível bastante alto. Antes do início da Guerra do Pacífico, Macau, Guangdong e Hong Kong também organizavam campeonatos anuais.  

O auge do ludopédio em Macau está intimamente ligado ao desenvolvimento político da antiga colónia portuguesa. Após o golpe militar de 28 de maio de 1926 em Portugal, quando o regime autoritário se consolidou no país, o desporto tornou-se parte importante do sistema do Estado Novo. O Governo de Salazar via a prática desportiva como parte da cultura, uma forma de promover valores políticos e morais no território por doutrinação.  

Benfica de Macau

Macau português não era exceção. O futebol era uma das áreas em que Portugal demonstrava a sua autoridade, e este controlo está refletido na forma como o desporto foi organizado na RAEM. Os clubes que surgiram depois dos anos 30 eram constituídos, em grande parte, por militares portugueses e membros das forças de segurança (como a Polícia de Segurança Pública) estacionados em Macau. Na ausência de uma política desportiva oficialmente implementada pelo Governo português, as equipas e competições eram organizadas não só como atividade de lazer, mas também como convívio entre a comunidade portuguesa local. Além disso, a prática do desporto era uma forma de alimentar e preservar a identidade nacional e o espírito militar através de atividades atléticas coletivas. Era essencial cultivar este sentimento de pertença ao país de origem durante a era colonial.  

A rede dos clubes de futebol portugueses 

Outra forma de equipas em Macau se organizarem, do passado até hoje, resulta da ligação direta a clubes portugueses. Criando uma “equipa satélite”, os portugueses conseguiam mais uma vez manter a ligação entre a colónia e o Estado de origem. Em 1926, o Sporting Clube de Macau afiliou-se à Federação Portuguesa de Futebol e começou a participar em competições locais. Também o Benfica de Macau, criado em 1951, continua afiliado ao Sport Lisboa e Benfica.  

Sporting de Macau

Depois destes laços desportivos serem estabelecidos entre Portugal e Macau, foi possível unir as duas sociedades. Naquela época, os clubes portugueses visitavam regularmente as colónias para competirem contra as suas equipas afiliadas ou outros clubes. Estas visitas, dentro do império, confirmavam a extensão do domínio português e a subordinação em relação à nação-mãe.   

Todavia, esta ligação servia também para que os jogadores locais estivessem inseridos num sistema de promoção em escada, mas na direção oposta. Por exemplo, Joaquim Pedro Pacheco, que chegou a jogar na seleção nacional, nasceu em Macau em 1926 e jogou na equipa da Força Policial. Em 1950, ingressou no Sporting Clube de Portugal. 

Por sua vez, Augusto Rocha começou em equipas locais e também acabou por jogar no Sporting. O ‘tigre’, como era conhecido, chegou mesmo a representar a equipa das quinas sem saber falar português. Depois de se reformar, abriu o restaurante “Lung Wah” em Coimbra. A história destes dois homens, assim como o atual mercado futebolístico, é um reflexo de como as relações coloniais afetaram a mobilidade dos jogadores.  

Constantes e mudanças 

Os clubes antigos foram preservados após o regresso de Macau à China, participando agora numa liga institucionalizada. Mas será que o futebol de Macau passou para o “nível seguinte”?   

Na qualificação para o Campeonato do Mundo de 2022, a Associação de Futebol de Macau anunciou que não iria participar na competição. Isto deu-se numa altura em que a RAEM tinha assumido a liderança do seu grupo na primeira volta. Macau foi, assim, a primeira equipa a ser eliminada do Mundial. Este tipo de escândalo deixa a RAEM nas bocas do Mundo, mas de uma forma negativa. 

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