Início Entrevista “Não é por acaso que ganhamos dois prémios com edifícios na China”

“Não é por acaso que ganhamos dois prémios com edifícios na China”

Catarina Brites Soares

Foi com o Museu de Arte e Educação de Ningbo que Carlos Castanheira e Siza Vieira venceram o Prémio Archdaily, Edifício do ano 2021, na categoria Arquitetura Cultural. É a segunda vez que a dupla é premiada com um edifício na China. Ao PLATAFORMA, Castanheira afirma que não é coincidência

“Não há sorte”, diz. “A sorte faz-se”, reage o arquiteto português ao facto de ambos os prémios que arrecadou com Siza Vieira no Archdaily terem sido com obras na China. A estreia foi em 2015, com o projeto “Building on the Water, em Huai’an, que também ganhou o Prémio Archdaily – Edifício do Ano na categoria de Edifício de Escritórios. Este ano, repetiram o feito com o Museu de Arte e Educação de Ningbo. “Não é por acaso que ganhamos dois prémios com dois edifícios na China. Aliás, basta pensar que dos 15 vencedores na Archdaily, cinco são na China. Isto demonstra quanto se está a fazer e de bom no país”, sublinha.

O MoAE – Huamao Museum of Art Education é o quarto que Álvaro Siza Vieira – Prémio Pritzker, considerado o “Prémio Nobel da Arquitetura” – e Carlos Castanheira construíram na Ásia, onde assinaram outros projetos de referência.

Os anos de viagens e trabalhos pelo continente deixam a certeza a Castanheira de que há uma mudança na China. “Há uma grande vontade de absorver. Com o processo de abertura ao exterior, o país começou a querer aprender com outras culturas sem negar o que é seu. Estão à vista os resultados. Neste momento, há muitos arquitetos a um nível bastante alto e a trabalhar muito bem”, refere.

O investimento na área, continua, é visível nos convites para que arquitetos estrangeiros de renome concebam infraestruturas, para lecionarem e serem júris no país. “É uma iniciativa que cá não acontece. Também há um intercâmbio de pessoas e culturas, mas apesar de sermos uma economia aberta, fechamo-nos muito. Não deixamos que os estrangeiros entrem. O que noto que não acontece na China, onde somos bem-vindos, bem remunerados, e isso faz toda a diferença. Esta revolução pela educação está a ter resultados”, reforça.

Reviravolta

Em entrevista ao PLATAFORMA, o arquiteto destaca a importância da vitória no Archdaily, plataforma digital de arquitetura cujos vencedores são escolhidos por votação dos membros registados. O projeto – único finalista português – concorria com outros edifícios culturais como o Museu Audemars Piguet, em Le Brassus, na Suíça; o centro chinês de Arte de Qujiang, em Xi’an – Shanxi; o edifício Experimenta, em Heilbronn, na Alemanha; e o MEETT – Centro de Congressos e Exposições de Toulouse. “É sempre ótimo recebermos um prémio. Ser reconhecido é muito bom, ainda por cima numa plataforma de alcance mundial, com uma abrangência tão vasta e em competição com projetos tão grandes e mais ambiciosos do que o nosso. É muito agradável, mais ainda tendo em conta a altura que vivemos”, diz.

A oportunidade surgiu por convite, em 2014, do empresário Xu Wanmao, presidente do grupo privado chinês Huamao Group, que convidou Álvaro Siza Vieira para liderar a obra depois de visitar o Museu de Serralves, que o Prémio Pritzker desenhou, no Porto. A dupla acabou por ser responsável pelo espaço designado para albergar a coleção privada de pintura e escultura do empresário, mas a ideia não era essa.

Inicialmente, foram convidados para construir apenas cinco das 25 villas do complexo na cidade no leste da China que também inclui um hotel com centro de congressos e o museu – galardoado e inaugurado em novembro do ano passado. “O cliente ficou muito agradado e surpreendido por termos começado logo a trabalhar, mesmo sem o contrato assinado e desafiou-nos para fazermos o museu, já que era o primeiro edifício quando se entra na área. Depois ficámos a saber que já havia um projeto, que o dono acabou por abandonar e perder o dinheiro para ficar connosco. Todos os nossos projetos têm uma história assim, que surgem do bom trabalho que temos desenvolvido”, vinca.

A estrutura de forma irregular e com uma chapa metálica negra que o cobre em toda a extensão tem cinco pisos além do lounge e terraço no cimo. O interior é branco para refletir a luz natural que entra pela claraboia no centro. De Portugal, vieram dois candeeiros – especialmente desenhados para o museu e que descem verticalmente do teto, móveis, tapetes, puxadores de portas e os azulejos. Junto ao Lago Dongqian, o edifício – com cerca de seis mil metros quadrados e 25 metros de altura – tem uma rampa sem barreiras a ligar andares e é iluminado apenas por janelas situadas no rés-do-chão e no topo do museu.

Na Ásia, a dupla, que trabalha em equipa com frequência, conta com projetos no Japão, na Coreia do Sul e em Taiwan. “É muito diferente trabalhar para essa parte do mundo e obviamente que também é o que torna a experiência agradável. Há um aspeto fundamental. Na Ásia, temos sido muito respeitados e é uma coisa que se está a perder na Europa, onde o papel do arquiteto está sempre a ser posto em causa”, lamenta.

Além disso, ajuda o processo, que Castanheira elogia tendo em conta que privilegia o trabalho personalizado e próximo do cliente. “Fizemos coisas na Ásia que para as quais nunca seríamos convidados se fossem para fazer na Europa, onde os concursos são prática comum e nem sempre são a forma mais correta. Fizemos um club house para um campo de golfe em Taiwan. Não estou a ver isso acontecer em Portugal ou mesmo na Europa. Na Ásia temos tido uma grande receção: há vontade, há dinheiro e há abertura”, vinca.

Na calha estavam mais dois projetos para o continente asiático, um no Japão e outro na Coreia do Sul, suspensos dada a pandemia. “O nosso trabalho baseia-se muito no contacto direto e isso agora é impossível”, explica.

Num impasse pelos mesmos motivos está a exposição “In/Disciplina”, prevista para o Museu de Arte de Macau, assinada pela equipa portuguesa. “Estamos à espera que esta pandemia tenha uma solução. Até que tenhamos um novo normal, é impossível prever o que vai acontecer. A exposição também estava prevista para outros países e acabou por ser cancelada. Gostaria muito que acontecesse, mas só depois de haver uma solução para situação de pandemia que vivemos”, lamenta.

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