
“Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares”. É o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 com os quais Portugal se comprometeu.
Mas a realidade do nosso país está muito longe deste compromisso e os números falam por si. Antes desta crise sanitária, em 2019, Portugal assinalava 17% da população que continuava a viver abaixo do limiar da pobreza. E se não existissem transferências sociais como reformas, subsídios de desemprego, pensões por doença ou invalidez, entre outras, a taxa de risco de pobreza seria mais do dobro, cerca de 43%.
Vários estudos definem como estando em risco de pobreza todas as pessoas que tenham rendimentos inferiores ao rendimento mediano da população que é – espante-se! – 500 euros por mês. Ora, se pensarmos, por exemplo, numa família monoparental que receba o ordenado mínimo, que tenha filhos a seu cargo, despesas de saúde e educação, despesas de casa como renda, eletricidade e alimentação, muito facilmente esta família cairá nas estatísticas de pobreza ou de situação de privação material.
É fundamental que, de uma vez por todas, existam mecanismos de apoio à população mais vulnerável para que, de facto, não se deixe ninguém para trás
O combate à pobreza e às desigualdades sociais é chave para termos um país socialmente justo. O conceito de justiça social não se coaduna com a realidade que o nosso país atravessa: um elevador social que há muito tempo está avariado, sem arranjo à vista. Um elevador que, infelizmente, não transporta todas as pessoas de igual forma. Um elevador que desce até ao andar da pobreza com ocupantes maioritariamente do sexo feminino (fruto da injustiça histórica de que as mulheres são alvo), crianças, jovens e pessoas idosas.
A crise sanitária que atravessamos veio agravar ainda mais as desigualdades sociais que persistem no nosso país.
Desde março de 2020, Portugal viu aumentar a sua taxa de desemprego, o número de pessoas que passam fome ou que se encontram em situação de sem abrigo, bem como a exclusão social por parte, por exemplo, de pessoas com deficiência, de imigrantes ou refugiados, ou de pessoas LGBTI.
Na verdade, a pobreza manifesta-se de inúmeras formas, desde logo nas dificuldades de acesso à saúde ou à educação. Mas não só, o facto de termos tantas pessoas a viver em situação de sem-abrigo ou o facto de continuarmos a somar mais e mais vítimas de violência doméstica e de género são outros exemplos que marcam as muitas formas de injustiça social que continuam a ser perpetuadas na nossa sociedade.
Quando falamos deste tipo de desigualdades sociais, falamos de questões de direitos humanos. Falamos de pessoas que, de uma forma ou de outra, estão privadas de uma vida digna, do exercício pleno dos seus direitos e que não beneficiam de uma igualdade de oportunidades.
É dever do Estado corrigir estas desigualdades. É dever do Estado garantir o exercício dos direitos e o acesso às oportunidades de igual forma para todas as pessoas.
E se esta crise sanitária nos veio mostrar a importância do investimento na saúde, veio também relembrar-nos de que não podemos deixar desapoiadas outras áreas, e que é preciso investir em mecanismos de justiça social como a educação, a habitação, o acesso à justiça, entre outras. A crise sanitária não pode significar um retrocesso nas políticas até aqui desenvolvidas em áreas fundamentais como a criação de igualdade de oportunidades, a educação, a erradicação das múltiplas formas de violência, discriminação, racismo ou outras.
Logo no início desta pandemia, o Secretário-geral da ONU, António Guterres, relembrou, e bem, que podemos navegar todos no mesmo mar, mas definitivamente não estamos todos no mesmo barco.
É desde logo por isso que, ao falarmos de justiça social e de um elevador que tarda em ser reparado, não nos podemos esquecer que nas respostas a esta crise temos de garantir que não se perdem as conquistas que se fizeram até aqui no combate às desigualdades sociais e que é fundamental que, de uma vez por todas, existam mecanismos de apoio à população mais vulnerável para que, de facto, não se deixe ninguém para trás.
*Líder do Grupo Parlamentar do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) – Portugal