Extraordinário. É assim que as associações ambientalistas cabo-verdianas definem a campanha de desova das tartarugas marinhas no país este ano, cujos dados provisórios da Direção Nacional do Ambiente (DNA) apontam para quase 144 mil ninhos, números que vão ainda aumentar.
Depois do recorde em 2018, com 109 mil ninhos, as próprias associações ambientalistas cabo-verdianas não acreditavam que o país poderia registar um ano igual tal cedo. Prova disso é que no ano passado esse valor caiu para 60 mil.
Mas 2020 superou todas as expectativas e o país volta a atingir máximos históricos de nidificação, com os dados provisórios avançados pelo diretor nacional do Ambiente, Alexandre Rodrigues, a apontarem para o registo de 144.126 ninhos.
Para Herculano Dinis, um dos coordenadores da Rede Nacional de Proteção das Tartarugas Marinhas de Cabo Verde (Rede Taola), esse valor “é extraordinário” e garantiu que vai aumentar, porque algumas associações ainda não enviaram todos os dados da campanha deste ano.
“Os números podem ser ligeiramente superiores, mas 144 mil já é um número extraordinário. É o melhor resultado de sempre da conservação de tartarugas em Cabo Verde”, salientou Herculano Dinis, também diretor executivo do Projeto Vitó, na ilha do Fogo, uma das 14 associações cabo-verdianas que pertencem à Rede Taola e que trabalham com as tartarugas, juntamente com a Direção Nacional do Ambiente e Universidade de Cabo Verde, entre outras organizações nacionais e internacionais.
Para o representante associativo, Cabo Verde está a demonstrar que ao ter começado o trabalho de conservação de tartarugas marinhas há cerca de 20 anos, isso está a ter impacto na melhoria da condição da espécie.
“Tartarugas marinhas é um dos grandes exemplos de conservação em Cabo Verde. Praticamente todas as ilhas têm uma organização ambiental e que trabalha na conservação das tartarugas marinhas”, apontou o coordenador da Rede Taola.
Nos últimos anos, Herculano Dinis constatou que Cabo Verde está a aumentar o número de desovas e praticamente a igualar as duas outras populações que tinha à frente, nomeadamente Florida (Estados Unidos), com tendência estável, e Omã (Golfo Pérsico), decrescente.
Apoio internacional
Um trabalho não só das associações de conservação mas, segundo o coordenador, do Governo, através do Fundo do Ambiente, que está a dar “um grande contributo” financeiro, e ao nível institucional.
“O mérito é das ONG que estão mais no terreno, mas também do próprio Governo, por ter priorizado esta questão da conservação das tartarugas marinhas”, reforçou a mesma fonte, ressalvando ainda que o trabalho não consiste apenas na contagem dos ninhos.
Sensibilização e informação são outros aspetos apontados por Herculano Dinis, que destacou igualmente na nova legislação, introduzida em 2018, e que tipifica de crime como o abate intencional, bem como a aquisição, a comercialização, o transporte ou desembarque, a exportação e o consumo.
“Se não tivéssemos uma legislação que criminalizava todas as questões relacionadas com perturbação de tartarugas, talvez a incidência de captura e de outras ameaças fossem maiores”, destacou o mesmo responsável, que é voluntário da rede Taola desde 2011.
Ainda relativamente à campanha deste ano, Herculano Dinis não tem dúvidas de que o trabalho foi muito limitado pela pandemia da covid-19, que fez com que as associações tivessem menos voluntários, sobretudo internacionais.
Em sentido contrário, afirmou que alguns especialistas estão a relacionar o aumento de nidificação com menos perturbação e pressão no mar, com pesca menos intensa, menos turistas, precisamente devido à pandemia.
“O abrandamento no mundo durante 2020 fez com que talvez as espécies sentissem algum benefício. Mas são questões que devem ser estudadas e comprovadas cientificamente”, aconselhou o coordenador da Rede Taola, que funciona em Cabo Verde desde o ano 2000.
Mas a verdade é que Cabo Verde está a fazer um “excelente trabalho” a nível da conservação das tartarugas marinhas, ainda segundo Herculano Dinis, não deixando de apontar muitos desafios, sendo o maior continuar a melhorar o trabalho no arquipélago.
Outro dos aspetos constatados este ano foi uma ligeira diminuição da captura, de 1,61 por cento, menor do que os 2,08 por cento identificados no ano passado, com o coordenador da Rede a afirmar que continua a ser um dos principais problemas de conservação das tartarugas marinhas no país.
Mas considerou que, de um modo geral, a população está mais consciente para a necessidade de conservação desta espécie e dá o exemplo da ilha do Fogo, onde o Projeto Vitó realiza atividades, a qual, pela primeira vez, chegou aos 1.000 ninhos, quando o máximo anterior se tinha fixado nos 450.
O período de desova desta espécie normalmente começa a 01 de junho, mas este ano devido à covid-19 algumas associações arrancaram mais tarde, tendo prosseguido o trabalho, pelo menos, até novembro.