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Homossexualidade no futebol ainda é tabu

Guilherme Rego

Desde 2012, nenhum jogador se assumiu abertamente como homossexual

A homossexualidade continua a ser um “não assunto” no desporto-rei. Até agora, poucos jogadores vieram a público e, quando o fizeram, foi depois de darem o último pontapé na bola. No entanto, o exemplo mais mediático foi o de Justin Fashanu. O atleta serviu de montra para mostrar como o futebol “estava” pouco preparado para lidar com as escolhas sexuais dos atletas. Até agora, foi o único atleta da principal liga de futebol inglesa a assumir-se como homossexual, enquanto jogador. Oito anos depois de quebrar barreiras, Fashanu suicidou-se.

Com passagens por históricos clubes de Inglaterra como o Norwich City, Nottingham Forest, Southampton, Manchester City e West Ham, foi o primeiro e último jogador a ter coragem de enfrentar o mundo e contar a sua história. Em 1981, era o jogador afro-britânico mais caro da Premier League. O mundo ficou em choque depois de revelar a sua preferência sexual a um jornal, em 1990.

Justin Fashanu

Sem a aceitação dos colegas de profissão e do próprio irmão, Justin jamais recuperou o bom futebol. Passou por 11 equipas diferentes desde que se assumiu publicamente. Na imprensa e entre os adeptos, a vida fora do campo do único homossexual assumido do futebol inglês era mais importante do que falar do seu talento.

Justin viria a ter sua vida exposta outras vezes no The Sun. Numa das vezes, foi alvo de boatos sobre uma suposta relação com um deputado casado. A história nunca se confirmou.

Longe de Inglaterra desde 1993, encerrou a carreira em 1997, tornando-se treinador em Maryland, nos Estados Unidos. No entanto, em fevereiro de 1998, foi acusado de violação por um jovem de 17 anos, após uma festa. Mesmo que a história não se confirmasse, o episódio colocaria Justin em apuros, já que atos homossexuais eram ilegais na época no estado americano. Com receio de ser preso noutro país, fugiu para Inglaterra.

Em 2 de maio de 1998, dois meses depois da denúncia, Justin Fashanu foi encontrado morto numa garagem no leste de Londres. A causa foi suicídio. Na última carta que escreveu, dizia o seguinte:

“Percebi que já tinha sido considerado culpado. Não quero mais ser uma vergonha para a minha família e para os meus amigos. Ser gay e famoso é muito difícil, mas não posso reclamar disso. Queria dizer que não agredi sexualmente o jovem. Ele teve sexo consensual comigo (…) Porque é que eu fugi? Bom, a Justiça nem sempre é justa. Senti que não teria um julgamento justo por causa da minha homossexualidade”

Justin Fashanu suicidou-se com apenas 37 anos de idade, oito anos depois de ter assumido. Três décadas depois, em 2020, mantem-se como o único jogador das principais ligas europeias a assumir-se enquanto atleta.

Thomas Hitzlsperger

Outro caso mediático foi o de Thomas Hitzlsperger, o médio internacional alemão anunciou em 2014, depois de se retirar do futebol. Numa entrevista à Deutsche Welle, disse não conhecer pessoalmente nenhum jogador que seja homossexual. Questionado sobre a possibilidade de outros atletas assumirem a sua sexualidade enquanto jogam, Hitzlsperger acredita que “é possível e que certamente vai acontecer um dia”. Mas o dia tarda a vir…

O The Sun partilhou uma carta de um jogador anónimo da Premier League dia 11 de julho, onde confessa ser gay, mas ter medo de revelar a sua identidade. O jogador foi apoiado precisamente pela fundação Justin Fashanu, administrada pela sobrinha do falecido jogador, Amal Fashanu.

Amal, com 31 anos de idade, criou a fundação com o objetivo de mitigar a homofobia e o racismo no futebol, enquanto sensibiliza para os problemas mentais que podem decorrer da não aceitação da natureza sexual do atleta. A fundação já ajudou sete futebolistas, inclusive duas estrelas da Premier League, que são gays ou bissexuais secretamente.

Na carta enviada pelo jogador da Premier League, pode ler-se: “Sou homossexual. Escrever isto na carta já é um grande passo para mim. Apenas alguns membros da minha família e um grupo seletivo de amigos sabem que sou. Não me sinto preparado para partilhar com a minha equipa ou com o treinador. É difícil.”

O atleta afirma que “o desporto (futebol) teria de fazer mudanças radicais” para estar confortável e apresentar-se livre de preconceitos.

Apesar de sortudo, como o próprio declara, pelo dinheiro que a profissão lhe garante, trava uma batalha complicada para manter a sua saúde mental. “Durante o último ano tenho tido o apoio da Fundação Justin Fashanu, até para me ajudar com o impacto que isto está a causar na minha saúde mental. A realidade é que ainda existe muito preconceito no futebol”, lamentou.

Um estudo da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale revela que 83% das pessoas que se identificam como homossexuais ou bissexuais não partilham a informação sem ser com um grupo seletivo de pessoas, permanecendo no “armário” durante toda a vida. As consequências para saúde mental, conclui, são nefastas.

Troy Deeney

Recentemente, Troy Deeney, capitão do Watford, equipa da primeira liga inglesa, afirmou a um poscast da BBC que “provavelmente haverá um homossexual ou bissexual em cada equipa de futebol”. “Acredito genuinamente que se assumissem, na primeira semana, 100 jogadores viriam dizer ’eu também’, acrescentou.

Entretanto, a ONG que luta pelos direitos LGBT Stonewall já revelou que gostaria de conversar com Deeney sobre como um “ambiente de aceitação” poderia ser criado para os atletas. “Ainda há muito trabalho a ser feito para tornar todos os desportos verdadeiramente inclusivos para as pessoas LGBT, e adoraríamos conversar com Troy Deeney sobre a criação de um ambiente mais receptivo para jogadores de futebol profissionais gays e bissexuais”, disse o diretor da organização, Robbie de Santos.

A atual selecionadora de futebol feminino do Brasil, Pia Sundhage, é uma assumida lésbica. A treinadora sueca fê-lo publicamente há 10 anos e é muito pragmática quando questionada sobre o assunto. “Se as pessoas me perguntam sobre isso [ser gay], eu respondo que ‘Sim, sou gay’ e é assim que é. Nunca tive nenhum problema com isso sendo treinadora nos Estados Unidos ou em qualquer lugar”.

Pia Sundhage é uma mulher vencedora, bicampeã olímpica pelos EUA, tem 59 anos e é… gay.

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