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Fundos europeus: tolerância zero

Isabel MeirellesIsabel Meirelles

É raro circularmos nas nossas cidades sem vermos uma ciclovia acabada de inaugurar. A construção de ciclovias é, porventura, uma das modas emergentes dos nossos centros urbanos, cidades e vilas. Num esforço para tornar as cidades sustentáveis e mais amigas do ambiente, os autarcas apostaram na multiplicação de “corredores” para velocípedes. Alegam que é preciso apostar em formas mobilidade inclusivas e descarbonizadas.

Porém, aquilo que poderia ser um conceito de mobilidade alternativa e inovadora, rapidamente se torna num exemplo de exibicionismo urbano oco. É frequente circularmos de automóvel, ou mesmo a pé, e vermos ciclovias sem velocípedes (bem pior é quando os velocípedes teimam em circular nas vias de tráfego automóvel, quando ao lado dispõem de uma faixa exclusiva para bicicletas). Basta pensar no que se passa em Lisboa ou um pouco por todo o lado, para perceber que não faltam exemplos desta contradição contemporânea: cidades que se querem afirmar como lugares de futuro, mas não passam de urbes com obras de fachada.

Todas as ciclovias são financiadas com dinheiros públicos e em muitos casos as autarquias recorrem a fundos europeus para custear a sua construção. Seria um péssimo sinal o Estado utilizar fundos europeus, destinados ao desenvolvimento de políticas públicas eficientes, e dissipá-los em ciclovias que estão às moscas.

A adesão de Portugal à União Europeia permitiu ao nosso país beneficiar de sucessivos pacotes de fundos comunitários. Ao longo de 34 anos, Portugal recebeu verbas que serviram para dotar o território nacional de infraestruturas e equipamentos modernos que nos aproximaram da União e permitiram elevar o nível de vida de todos os portugueses. Portugal seria no presente um país muito mais atrasado sem autoestradas, pontes, escolas e hospitais. Há quem lhe chame política do betão, mas a verdade é que o betão também é necessário para reforçar a nossa competitividade.

Se para uns os governos aproveitaram da melhor forma os recursos de Bruxelas, para outros, entre o lançamento da primeira pedra e a cerimónia pomposa do corta-fitas foi, sobretudo, um festival de “golpada”, de abusos e de fraudes. Das autoestradas aos parques industriais, da agricultura aos apoios ao comércio de rua, da recuperação do património ao esforço de melhoria dos serviços públicos, da formação profissional às redes de águas e de saneamento básico, os fundos europeus ajudaram a modernizar Portugal. Permitiram também encher os bolsos de alguns interesses que vivem à sombra do Estado.

O contexto da crise económico-social que vivemos impõe um esforço redobrado dos decisores públicos na correta utilização dos fundos europeus. Por um lado, para recuperar a economia e tornar Portugal um país muito mais competitivo no quadro da zona euro. Por outro lado, é um dever nacional velar pela eficiência e rigor na utilização dos recursos nacionais e comunitários, por forma a criarmos uma sociedade mais justa e uma democracia de melhor qualidade.

A comissária europeia Elisa Ferreira afasta a ideia de desperdício na execução dos fundos que Portugal recebeu ao longo de décadas. O economista Augusto Mateus, que foi ministro da Economia do XIII Governo, considera, por seu turno, que os milhões de Bruxelas não tiveram uma estratégia na sua aplicação e os resultados são por isso insatisfatórios. Esperar-se-ia mais, entende o coordenador de 25 Anos de Portugal Europeu.

“O papel dos fundos estruturais no desenvolvimento económico e social português é demasiado importante para ser deixado, apenas, nas mãos do Governo, das autarquias locais e dos agentes que, ao longo dos ciclos anteriores, se converteram em utilizadores privilegiados dos financiamentos da União Europeia”, defende o relatório de 543 páginas.

Há duas semanas, terminou a discussão pública da chamada Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Só a designação – e repito, Estratégia Nacional de Combate à Corrupção – e ficamos com a nítida sensação de que estamos perante mais um documento de intenções vagas.  

Em Portugal, conhecemos dez entidades envolvidas no controlo e escrutínio legal dos fundos europeus (as autoridades de gestão dos programas operacionais, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, a Inspeção Geral de Finanças, a Polícia Judiciária, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, o Tribunal de Contas nacional e Europeu, a Comissão Europeia e o Organismo Europeu de Luta Antifraude). No meio de tantas estruturas, seria fácil de concluir que os fundos serão sempre escrutinados. A Política Judiciária – estrutura policial altamente credível e insuspeita – estima que as fraudes detetadas com fundos comunitários situar-se-á na ordem dos 2,3 mil milhões de euros (o valor pecará certamente por defeito).

Quando se aproxima uma chuva de 57 mil milhões de euros que irá cair em Portugal sob a forma de milagre dos deuses, constitui um desígnio nacional prevenir e combater todas as formas de “golpada”, de irregularidades diversas, de conflitos de interesse ou de oportunidade para a fraude. A punição deve ser exemplar, como a prevenção dos riscos deve ser reforçada com meios permanentes de auditoria financeira e investigação criminal no acompanhamento da aplicação dos fundos.

Não deve servir de atenuante o desabafo popular de que “Ah, roubou, mas, ao menos, fez obra”. Nenhuma obra pública, mínima ou grandiosa, justifica a prática de um ilícito daqueles que foram eleitos para servirem o interesse público.

Não há escolha: em Lisboa ou em Bruxelas, só podemos andar de cabeça erguida se soubermos ser rigorosos na gestão da bazuca de dinheiros europeus para enfrentar um dos momentos mais exigentes da história democrática de Portugal. O exemplo começa entre nós.

*Deputada e Vice-Presidente do PSD

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