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Moçambicano Jorge passou a “sul-africano” Marten para escapar à xenofobia

Paulo Machicane

A onda de xenofobia de 2008 na África do Sul apanhou Jorge Martins Mabjaia, “rebatizado” como Marten Moeketsi, para fugir da sua origem moçambicana e adotar a identidade sul-africana, porque já pressentia a hostilidade contra os estrangeiros naquele país.

Em entrevista à Lusa, Jorge Martins Mabjaia, 58 anos, não tem dúvidas de que se não tivesse “conseguido” um passaporte sul-africano e passado a chamar-se Marten Moeketsi, a multidão que na altura perseguiu estrangeiros o teria encontrado na sua morada, em Alexander, subúrbio de Joanesburgo.

“Aquela xenofobia [em 2008] começou em Alexander, na rua 4, num acampamento de homens e eu vivia na rua 14, casa número 24”, relata Jorge Mabjaia.

A hostilidade de uma parte da população sul-africana perante os estrangeiros, principalmente os de outros países africanos, também contribuiu para que Jorge Mabjaia interrompesse em 2011 a sua permanência de cerca de 10 anos como imigrante na África do Sul.

Já antes de os ataques eclodirem, um “velho amigo sul-africano” alertou Jorge: precisava de mudar de nome e fazer-se passar por sul-africano, tinha de se comportar como membro de uma das etnias do país.

“Pega qualquer estilo e adapta-se à maneira de vestir, de falar, aos hábitos e deixa de ter amigos moçambicanos”, disse-lhe o amigo.

“Não sabiam que eu sou moçambicano, pensavam que eu era ndebele – uma das etnias da África do Sul”, conta.

O acentuado desemprego entre a população negra sul-africana e a pobreza esteva na origem e agravamento do sentimento xenófobo, diz.

“Pressentia que [o país] estava mal, eu via, através das atitudes das próprias pessoas, as oportunidades de emprego em si já haviam diminuído”, refere Jorge Martins Mabjaia.

Depois de juntar as economias que fez como alfaiate e pintor na África do Sul, Mabjaia comprou duas viaturas, uma das quais uma camioneta com a qual faz hoje o negócio de transporte de mercadorias em Maputo, para seu sustento e da família.

Após duas décadas na África do Sul, Manuel Munhice, 48 anos, também já não reconhece o país de oportunidades, mas antes um risco xenófobo.

“A xenofobia está mais contra os moçambicanos. Lá na África do Sul tem muito mais estrangeiros, mas nós moçambicanos somos mais visados”, considera Manuel Munhice, supostamente porque aceitam trabalhos mais precários, estimulando os empregadores a pagarem salários mais baixos.

Acossado pelo desemprego e perseguição, Manuel Munhice decidiu fazer as malas e voltar a Maputo em 2014, onde manteve por algum tempo o negócio de venda de sorvetes que já tinha montado ainda antes de voltar a Moçambique.

Pouco tempo depois, vendeu a máquina de fazer sorvetes, aumentou o dinheiro e comprou uma camioneta Canter Dyna com a qual faz frete em Maputo.

“É melhor fazer a vida cá, a vida é difícil, mas podemos tornar um bocado fácil estando aqui no país”, defende.

“Quando há uma reivindicação na África do Sul, matam e roubam, os moçambicanos que vivem nos subúrbios viveram situações terríveis, perderam os seus pertences”, narra o soldador Rufino Américo Manhiça, 45 anos, que após 12 anos em Pretória decidiu voltar para casa. 

O emprego na África do Sul, prosseguiu, “já está esgotado”.

A África do Sul, a maior economia da região, acolhe mais de dois milhões de moçambicanos que trabalham nas minas, campos agrícolas e comércio informal.

Em setembro de 2019, pelo menos 12 pessoas morreram, vítimas de ataques xenófobos na África do Sul.

De acordo com dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros moçambicano, mais de 400 moçambicanos manifestaram na altura interesse em regressar ao país natal.

Mais de cem emigrantes foram assistidos num centro de trânsito em Moamba, junto à estrada que liga Maputo a Ressano Garcia, principal fronteira com a África do Sul.

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