O escândalo rebentou em 2016. Uma auditoria revelou detalhes em 2017 e a pedido dos EUA (e não de Moçambique) a primeira detenção aconteceu em 2018. Em 2019 abriram-se diferentes campos de batalha judiciais que se mantêm em lume brando. O caso das dívidas ocultas do Estado moçambicano continua a ser uma caixinha de surpresas.
Este é um caso em que há cinco palcos ativos: tribunais em Moçambique, África do Sul, Estados Unidos da América, Reino Unido e Suíça acolhem processos em curso. É uma partida de xadrez em vários tabuleiros. E é um filme que podia começar quando os EUA tentaram fazer ‘xeque-mate’ ao antigo ministro das Finanças Manuel Chang, em dezembro de 2018. Ao vê-lo num aeroporto da África do Sul, pediram a detenção e transferência para solo norte-americano. Ficou preso, mas Moçambique interveio, dizendo que Chang devia ser devolvido ao país onde nasceu. O processo de extradição continua nos tribunais, embalado por acusações políticas de parte a parte. Chang foi quem assinou as dívidas ocultas contraídas em 2013 e 2014, à revelia do parlamento, junto do Credit Suisse e do banco russo VTB. Seriam 2,2 mil milhões de dólares para projetos marítimos que não passaram de uma fachada para vários suspeitos deitarem mão ao dinheiro. Os EUA entraram na história dizendo que houve norte-americanos lesados e que o dinheiro circulou por Nova Iorque.
Os EUA acusam Moçambique de ”perseguir a extradição” de Manuel Chang para evitar um julgamento em Nova Iorque e assim proteger de testemunhos adversos o antigo presidente Armando Guebuza e altos quadros do partido no poder, suspeitos de terem recebido 150 milhões de dólares em “luvas”. Washington informou Pretória em maio que vários coacusados de Manuel Chang detidos pelas autoridades norte-americanas – Andrew Pearse, Surjan Singh e Datelina Subeva, na altura dos factos, banqueiros do Credit Suisse –, já “se declaram culpados de algumas das acusações de que foram alvo”. “Pearse e Singh concordaram em cooperar com as autoridades policiais dos Estados Unidos e estarão disponíveis para testemunhar em qualquer julgamento”, adiantaram as autoridades norte-americanas.
“Embora um dos corréus, Jean Boustani – representante do estaleiro naval Privinvest, envolvido no escândalo -, tenha sido julgado por um júri e absolvido em 02 de dezembro de 2019, isso não reflete a suficiência de provas contra [Manuel] Chang”, refere o texto enviado às autoridades de Pretória. O caso aguarda desenvolvimentos. Mas é precisamente esse argumento que Moçambique usa: se Boustani, um dos corréus, foi absolvido, quem garante que não poderá acontecer o mesmo com Chang? A Procuradora-Geral da República (PGR), Beatriz Buchili, diz que os EUA não têm jurisdição sobre a matéria, não colaboram com as autoridades moçambicanas e perseguem os próprios interesses, pelo que, para Moçambique reaver o que lhe foi tirado, deve julgar Chang. A decisão está nas mãos do ministro da Justiça e Serviços Correcionais da África do Sul.
O “PROCESSO PRINCIPAL”
Na nação lusófona do Índico, organizações da sociedade civil alegam que o processo principal está pronto para avançar para julgamento. Depois de os EUA terem feito ‘xeque’ a Chang no final de 2018, Moçambique prendeu num ápice 20 arguidos no início de 2019 – num ápice, tendo em conta que tinha o caso aberto desde 2015, mas sem qualquer detenção. Todos meteram recurso, mas só uma foi afastada e hoje há 19 arguidos (18 dos quais detidos), de entre os quais sobressaem figuras do círculo próximo do ex-presidente, caso do filho Ndambi Guebuza e da secretária pessoal, Inês Moaine. O Ministério Público moçambicano acusa os 19 arguidos de associação criminosa, chantagem, corrupção passiva, peculato, abuso de cargo ou função, violação de regras de gestão e falsificação de documentos.
No país está ainda em curso um processo autónomo anunciado pela PGR em que são arguidos quatro estrangeiros e seis moçambicanos, cujas identidades não foram ainda reveladas. Sabe-se apenas que um deles é o antigo ministro das Finanças Manuel Chang.
Ainda em Moçambique, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo decretou já a dissolução das empresas públicas Prodindicus e Mozambique Asset Management (MAM) que estiveram na base do caso das dívidas ocultas. Está pendente a decisão sobre a Ematum, também ligada ao escândalo.
PROCESSOS EM INGLATERRA E SUÍÇA
Depois de três antigos banqueiros do banco Credit Suisse se darem como culpados, nos EUA, de conspirar para lavagem de dinheiro, Moçambique moveu as peças de ataque no tabuleiro britânico – em cujas filiais dos bancos envolvidos foram subscritas as dívidas ocultas. A PGR deu entrada com uma ação judicial em Londres para anular a dívida de 622 milhões de dólares (552,6 milhões de euros) da Prodindicus ao Credit Suisse – uma das parcelas das dívidas ocultas – e requerendo uma indemnização que cubra todas as perdas do escândalo. O processo foi interposto pelo Governo de Moçambique contra 10 arguidos. Nova sessão está agendada para janeiro e o Tribunal de Londres já anunciou que quer ouvir o ex-presidente Guebuza, uma das “pessoas relevantes para ajudar a esclarecer o caso”. E também quer ouvir, entre outros, Ndambi Guebuza.
Na Suíça, a PGR local disse à Lusa que abriu uma investigação contra “pessoas desconhecidas”, em fevereiro, depois de um pedido de colaboração das autoridades moçambicanas. Os procedimentos criminais “estão a ser apresentados contra pessoas desconhecidas, não contra uma ou várias pessoas específicas e ou entidades legais”, referiram as autoridades suíças, sem prognóstico de prazos..