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Sara F. Costa e os poetas que sonham ser cavalos

Ana Paula Dias

Sara F. Costa (SFC) vive em Pequim onde coordena eventos literários no coletivo artístico internacional Spittoon, com sede nesta cidade, o qual realiza eventos em toda a China e publica uma revista literária e outra de BD, com o objetivo de reunir escritores, artistas e amantes da literatura, chineses e estrangeiros. Esta equipa de escritores ocidentais e chineses traduz e publica as novas vozes da China

Não é pois de estranhar que esta antologia de poesia chinesa, intitulada Poética não oficial – Poesia Chinesa Contemporânea (Edições Labirinto, 2020, 175 pp.), surja pela mão de SFC, ela própria poeta com obra escrita entre Lisboa e Pequim, publicada e premiada em Portugal, tendo conquistado em 2018 o Prémio Literário Glória de Sant’Anna pelo melhor livro de poesia publicado em países de língua portuguesa. A sua proficiência em ambas as línguas (licenciada em Estudos Orientais e mestre em Estudos Interculturais Português/Chinês), sensibilidade ao discurso literário, a par da vontade de dar voz a poetas contemporâneos amplamente conhecidos na China sem tradução para outras línguas, levaram-na à tradução direta do chinês para o português dos poemas selecionados de 33 autores que compõem esta antologia.

Trata-se de uma seleção pessoal, segundo refere a própria, que não obedece um critério cronológico (predominam autores nascidos no séc. XX, mas também há alguns do séc. XIX), ou de escola literária. O título da antologia sintetiza o elo subjacente ao conjunto: diz-nos SFC que “A poética não oficial (‮+‬D‮)‬x‮$‬و诗坛) opõe-se à poesia oficial ortodoxa e institucional e tem as suas origens na chamada cena literária subterrânea que começou a ganhar forma no período da Revolução Cultural.”, embora nem todos os poemas se enquadrem no campo do ativismo político.

Apesar de a antologista referir que deu prioridade ao significado em detrimento da estética, mesmo para um leitor desconhecedor da língua ou da cena literária chinesa contemporânea, é evidente a qualidade literária desta poesia. Repleta de metáforas inusitadas, referentes pouco familiares e alusões políticas, essa excecional qualidade outorga-lhe a universalidade que toda a boa literatura tem de ter. SFC refere que nesta antologia se vislumbra igualmente a herança da poética chinesa clássica no aflorar de conceitos taoistas sobre o silêncio, o vazio, a contemplação estóica, na relação alegórica entre o natural e o humano e nas reflexões sobre destino e poder que perpassam muitos dos poemas, a par das inovações estilísticas e temáticas. É também uma poesia cosmopolita, com várias referências à atualidade da sociedade chinesa, à omnipresença do consumismo e até menção a filmes, arte, religião e literatura ocidentais (Bai Helin, Xi Chuan, Zang Di, Zuo Fei, Shi Maosheng). Trata-se, em suma, de um mergulho num outro mundo, num outro discurso que por vezes estranhamos: “Um peixe koi mergulha desanimado/ numa procura meticulosa/por outros peixes que possam existir no fundo do lago/ alguém que o ajude a passar pelas pequenas torres acima de folhas/ de lótus murchas.” (Shi Maosheng), “Irmã, esta noite durmo em Delingha, cubro-me com a escuridão/ da noite./ Irmã, esta noite durmo com o deserto de Gobi” (Hai Zi), mas onde nos reconhecemos: “Eu sou a criatura que mais facilmente apodrece/ à velocidade irresistível da morte.”(Hai Zi), “Não acredito que os sonhos sejam falsos/ Não acredito que a morte não se possa vingar.” (Bei Dao).

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