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Vacina em setembro? “Ainda falta muito”

João Tomé

Cuidado com as celebrações e promessas de vacinas antes de tempo, dizem especialistas na revista New Scientist. “Queimar etapas pode ser complicado”.

Reabertura dos negócios e da economia (China e Alemanha), testes serológicos para determinar se alguém já esteve em contacto com o coronavírus, regressão nas medidas que reduziram o confinamento (casos do Japão e Singapura), vacinas testadas e promessas de soluções já no final do verão, medicamentos que podem ajudar e, claro, número de infetados e de mortes atualizados diariamente em vários países do mundo. O fluxo de notícias sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2 é avassalador.

Para tentar ajudar, especificamente, a perceber-se quando pode mesmo ser tempo de celebrar a desejada vacina que pode desbloquear algumas das limitações (distanciamento social, uso de máscaras, limitação de número de pessoas em espaços públicos) a que o vírus vai obrigar nos próximos tempos, a revista New Scientist falou com especialistas. O cenário é menos alegre do que tem sido noticiado quando esta semana a Universidade de Oxford disse acreditar ter vacina eficaz que pode até chegar ao mercado já em setembro.

Indica a publicação científica que, ao contrário das celebrações mediáticas por haver já voluntários a receber uma injeção como parte da vacina experimental contra o coronavírus, “as hipóteses de se ter uma vacina em menos de um ano são bem pequenas”. O teste britânico liderado pela Universidade de Oxford e que vai envolver 1100 adultos (metade deles vai receber a vacina experimental e a outra metade recebe vacina contra meningite), embora importante, terá resultados para avaliar a eficácia contra o coronavírus em agosto. “Infelizmente estas esperanças provavelmente estão fora da realidade”. Maria Bottazzi, especialista no chamado design de vacinas da Faculdade de Medicina de Baylor, em Houston, no Texas, apelida o cronograma de “irrealista” em declarações à New Scientist.

Mesmo que tudo corra de acordo com o que está planeado para a primeira fase dos testes, Bottazzi garante que os investigadores ainda precisam de tempo para determinar o nível de eficácia da vacina a proteger as pessoas da covid-19 e se ela provoca efeitos colaterais quando uma pessoa vacinada é, subsequentemente, exposta ao vírus. Ou seja, um resultado positivo em agosto “está longe de garantir que a vacina seja segura e eficaz”. Opinião semelhante têm outros especialistas ouvidos pela publicação que cita um estudo de 2013 onde foi calculado que, antes de se entrar em ensaios clínicos, “a vacina experimental média tem 6 por cento de hipóteses de chegar mesmo ao mercado”. Outra análise de 2019 indica que das vacinas que conseguem chegar à fase de testes em humanos só 33,4 por cento têm de probabilidade de sucesso. Mesmo considerando que a vacina testada em Oxford consegue “entrar” no campo restrito das vacinas eficazes, há a questão relevante de como se irá aumentar a produção para conseguir produzir centenas de milhões de doses. De acordo com a especialista Bottazzi esse será mais outro grande desafio.

“Mesmo olhando para o melhor cenário possível e para as melhores circunstâncias, o mundo ainda terá de esperar entre 12 a 18 meses até que uma vacina possa estar amplamente disponível”, explica. Essa mesma expectativa já era dada por Bill Gates no início de março. Ou seja, mesmo apesar dos esforços em várias partes do globo, da China e Japão até aos Estados Unidos, passando pela Europa (onde os laboratórios alemães se destacam), vai demorar. E conseguir em 2021 ter a vacina “será uma conquista notável” da qual podem contribuir os esforços não só de governos mas também de instituições como a de Bill e Melinda Gates. Nas últimas semanas a fundação de Gates começou a aplicar 150 milhões de dólares para desenvolver medicamentos e vacinas contra a covid-19. Um estudo de 2013 citado pela New Scientist constatou que, entre 1998 e 2009, o tempo médio necessário para desenvolver uma vacina foi de cerca de 10,7 anos. Os esforços financeiros, científicos e tecnológicos tornam possível acelerar essa média “até certo ponto”. Desde 2013 a vacina contra o Ébola tornou-se a que foi mais rapidamente desenvolvida e demorou cinco anos até ser produzida. Queimar etapas pode ter consequências negativas.

A nível mundial conhecem-se mais de 100 vacinas que estão a ser testadas para o novo coronavírus – quanto mais ensaios clínicos houver maiores serão as hipóteses de se encontrar uma opção segura e eficaz.

Como pode demorar algum tempo até chegar a vacina é preciso lidar com várias ondas de infeção (e esta é apenas a primeira) “com medidas como testes extensivos (incluindo serológicos), rastreamento de contactos e quarentena, além das máscaras e da limpeza das mãos”, diz a New Scientist. Isso mesmo defende ao Dinheiro Vivo o virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular Pedro Simas. “O potencial pandémico é muito maior agora do que era há dois meses”. O especialista admite que com o levantamento de algumas restrições “vão aumentar o número de casos” e “as próximas 8 semanas serão decisivas” para definir estratégias sobre a doença.

* Notícia Editada
Versão integral em Dinheiro Vivo.

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