O surto de coronavírus afeta várias regiões e indústrias, incluindo a do teatro. Eventos e performances enfrentam o encerramento dos espaços culturais; em Macau – e em todo o mundo. A peça “O Sr. Shi e Seu Amante” foi apanhada em plena digressão europeia.
“A nossa tournée pela Europa tinha duas paragens: primeiro Estónia, depois Paris”. Um dos produtores da peça, Erik Kuong, está em constante contacto com colegas europeus, desde o início do surto. Ao início, o impacto parecia não ser significativo. O espetáculo continuava marcado e a equipa deslocou-se à Malásia para ensaiar, prevenindo problemas na saída de Macau – ou Hong Kong – o que afetaria os custos de produção. O elenco estava na Estónia para o primeiro espetáculo quando o surto rebentou em Itália – e o número de casos começou a subir em França – país que adiou logo a o programa.
“Os custos de produção subiram, com despesas de última hora e a equipa a ter de regressar mais cedo. Os cancelamentos em França afetaram também a receita. O prejuízo está a ser avaliado, dependendo do reembolso do Fundo Cultural Francês, que financiou o projeto”, explica Erik Kuong, em declarações ao PLATAFORMA.
MACAU SEM ARTE
Kuong tinha mais cinco produções para fevereiro, em Yokohama, no Japão. Depois voaria para a Coreia do Sul, mas foi tudo cancelado. “O segundo semestre do ano é de pico para o teatro, em todo o mundo. Planeei uma série de espetáculos na Ásia, Europa e Canadá, entre julho e novembro; contudo, estou à espera para avaliar a situação. Entre abril e princípios de maio será mais claro se estes espetáculos serão cancelados – ou adiados. Até lá, a preparação mantém-se como planeada.”
Os espetáculos locais também têm sido cancelados, como a peça “Verme Radiante”, produzida pela Theaterstyles. A produtora executiva, Leong Ka Wai, lembra que o Instituto Cultural decidiu que os projetos do “Programa de Apoio Financeiro para Atividades – Projetos Culturais das Associações Locais” veriam as despesas de produção reembolsadas, após avaliação dos documentos e materiais. Estão à espera… “Declarei as despesas com funcionários, elenco, encenadores, designers, entre outras. Estava com tanto medo de não ser reembolsada que até entreguei fotos dos designs usados na peça, como prova das despesas. Agora é preciso esperar. Mas mesmo com reembolso, não sei se tenho confiança para continuar o projeto este ano.” Visto que o Governo não pode financiar o projeto por inteiro, o prejuízo pode ser de dezenas – ou centenas – de milhar de patacas. Weigo Lee, diretor artístico da Theatrestyles, admite ao PLATAFORMA que a equipa sofre pressões monetárias. Se a peça for exibida, o reembolso e os lucros de bilheteira serão recuperados, mas existem despesas extras, como novas taxas de bilheteira, custos de pessoal, novos ensaios… “É um dilema. Podemos nem sequer atuar, e poupar prejuízos, mas aí desperdiçamos o esforço de todos nós.”
O Governo garante que o segundo semestre trará mais oportunidades para as indústrias criativas, mas Leong ser impossível trabalhar 24 horas por dia, além da agenda cheia na egunda metade do ano. Kevin Chio, da “Rolling Puppet”, levanta outro problema: “Dada a concentração de espetáculos no segundo semestre, a luta por locais de eventos será feroz”.
O espetáculo agendado para março no Tribunal Velho foi adiado e, com a evolução do surto na Europa e nos Estados Unidos, tudo tem de ser reagendado. “Planeei ir ao Canadá em maio, mas vou adiar para o fim do ano, princípios do próximo. A minha visita à Europa também se altera. É difícil dizer até que ponto, mas todo o plano anual será alterado”, lamenta, em conversa com o nosso jornal.
As medidas de controlo mudam constantemente: “Há oito horas discutíamos detalhes do contrato, o controlo de entradas… oito horas depois pode tudo mudar… é assim”. Os “ensaios e a promoção começam dois meses antes do espetáculo; por isso, se adiarmos para agosto, e o surto não estiver controlado em junho, as pessoas não compram bilhetes. Melhor seria que tudo acalmasse em abril ou maio, caso contrário dificilmente será possível organizar um espetáculo em agosto”, conclui Chio.
APOIOS À CULTURA
Alguns governos, como o de Hong Kong, já divulgaram medidas de apoio à cultura, muitas delas discutíveis. Kevin Chio considera que, em Macau, o Governo não está bem ciente da situação, razão pela as medidas podem não ser as mais adequadas. Weigo Lee, diretor artístico da Theatrestyles, lembra que a maior parte dos grupos artísticos não tem fins lucrativos. Como não há distinção entre profissionais e amadores, é ainda mais difícil acertar nas medidas.
Em Macau, “se quiserem desen volver as artes performativas, é preciso abandonar o conceito de comunidade, que torna difícil discernir entre os vários tipos de agentes culturais. Os subsídios do Governo deviam refletir as diferenças entre os vários tipos de grupos – amadores e profissionais. Seria mais fácil lidar com a situação”.
PRIMEIRAS MEDIDAS
O Instituto Cultural de Macau, em resposta ao PLATAFORMA, assegura que vai pôr em prática medidas de apoio ao setor, criando mais oportunidades para as artes performativas depois do surto passar. No segundo semestre do ano, além do Centro de Arte Contemporânea de Macau, o pavilhão N.2 das Oficinas Navais será também aberto para eventos culturais, juntamente com duas pequenas salas de ensaio. As indústrias culturais estão também isentas de renda, por três meses, e foi assumida uma nova prioridade: restauração de objetos locais de valor cultural.
Carol Law 27.03.2020