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Ciclones continuam a fazer estragos

A aposta na resiliência conti­nua por fazer, um ano após os ciclones mais devastado­res da história de Moçambique. Em entrevista, Myrta Kaulard, co­ordenadora residente do sistema das Nações Unidas, acredita que as regiões afetadas ainda podem re­cuperar com perspetivas de futuro, mas faltam apoios. E o novo coro­navírus traz incerteza acrescida.

Poucos dias depois desta entrevista foi anunciado o primeiro caso de covid-19 em Moçambique e o país reviu em baixa as previsões de crescimento económico (como no resto do mundo). Às incertezas junta-se agora a pandemia.

O período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória em Moçambique: 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas de dois ciclones (Idai e Kenneth) que se abateram sobre Moçambique. A região mais atingida foi a cidade da Beira, no norte.

Os ciclones devastaram várias regiões e ainda hoje causam vários problemas. Passado um ano, o vento passou e já não arranca coberturas ou árvores, mas há outras ameaças que não estão à vista, de forma evidente, alerta Myrta Kaulard.

“O impacto destes desastres naturais nas pessoas mais pobres é muito, muito forte e, quando não têm apoio, as pessoas pas­sam a mecanismos negativos de resposta – como o abandono escolar ou casamentos precoces para sustentar a família – e isso é contrário ao desenvolvimento sustentá­vel”, refere aquela responsável.

Myrta Kaulard fala deste risco para ilustrar a necessidade de financiar ati­vidades de apoio social à população das províncias afetadas e de o encarar como prioridade no plano político -, sendo que os ciclones trouxeram prejuízos a cerca de dois milhões de pessoas do Centro e Norte do país.

“É preciso pôr no centro das prioridades do país e da comunidade internacional os esforços de resiliência e de criação de capacidades de adaptação às mudanças climáticas. Isso é muito importante para assegurar o desenvolvimento sustentá­vel de Moçambique”, diz.

Segundo refere, os apoios devem come­çar por garantir melhor habitação para todos. Mas passado um ano, ainda pouco se vê de atividade de reconstrução nas zonas afetadas.

“Reconstruir melhor, de forma mais re­siliente, precisa de tempo. Não podemos esquecer o nível dos danos: cerca de 300 mil habitações foram destruídas e 140 mil famílias têm uma casa temporária ou tendas”, refere.

Ninguém tem dúvidas de que é preciso reconstruir melhor: “estamos certos de que vai haver outros ciclones em Mo­çambique. Se chegarem outros, as casas vão ter de resistir. Mas isso precisa de tempo para estudos. Não podemos pen­sar construir capacidade de resiliência em poucos meses ou um ano. Isto tem de estar integrado nos planos de desen­volvimento do país”.

“Mas foi feito muito trabalho que não podemos ver, muita preparação para esta reconstrução melhor. A partir do final deste ano, vamos ver mais casas, mais bem reconstruídas e vamos ver mais infraestruturas”, garante.

Resta saber se o impacto do novo coro­navírus na economia global não vai re­tardar os planos de apoio a Moçambique. No início de março, a falta de verbas para Moçambique era já um dos tópicos recorrentes entre as agências da ONU.

“No ano passado, o plano das Nações Unidas de resposta humanitária ao país precisava de 600 milhões de dólares e recebemos cerca de metade. Agora pre­cisamos de 120 milhões de dólares para poder completar, em parte, essas neces­sidades”, refere.

O problema das secas, insegurança ali­mentar e mundo agrícola “precisa de ou­ tros 40 milhões e isso é muito impor­tante para as famílias que já vimos que não vão ter a produção que se esperava”.

 

DOADORES À ESPERA DE PROJETOS

 

Está ainda por avaliar até que ponto a pandemia covid-19 vai afetar as contas já complicadas de apoio por parte de doadores estrangeiros.

Os parceiros internacionais de Moçam­bique juntaram-se numa conferência de doadores na Beira, ainda em 2019, assu­mindo o compromisso de doar 1,5 mil milhões de dólares (para reconstrução, ou seja, excluindo a ajuda humanitária de emergência) face a uma necessidade reportada pelo Governo moçambicano da ordem de 3,2 mil milhões.

No início de fevereiro deste ano, anun­ciaram o desembolso de 173,3 milhões de euros para 2020 porque são esses os projetos apresentados – e não haverá desembolsos sem projetos preparados.

Pode parecer pouco, mas Myrta Kaulard acredita que é só o início e permane­ce otimista. “Na reconstrução há que fazer planos, terminar os estudos e o desembolso vem etapa por etapa. É este o caminho e, por isso, o trabalho do ga­binete de reconstrução [entidade estatal] é muito importante na planificação e mobilização de recursos.

Nas 72 áreas de reassentamento, onde vivem mais de 100.000 pessoas (a maio­ria jovens, reflexo do país) realojadas após os ciclones de 2019, as agências das Nações Unidas promovem ativida­des ocupacionais e profissionais.

“Agora podemos ver comunidades que se estão a reconstruir e que já têm adaptação a um novo ambiente, para o qual tiveram de se mudar. Vimos comunidades que es­tão a criar formas de rendimento, meni­nos que continuaram nas escolas”, conclui Myrta Kaulard, após mais uma visita a algumas das áreas de reassentamento..

EXCLUSIVO LUSA/PLATAFORMA 27.03.2020

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