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Orçamento da discórdia

A decisão sem precedentes do primeiro-ministro timorense retirar a proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020 a meio do debate na generalidade, mostrou a tensão que se tem sentido dentro da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), a coligação eleita com maioria absoluta em 2018.

A mais forte crítica à proposta veio das próprias bancadas do Governo, com praticamente todos os relatórios das comissões especializadas do parlamento a tecerem duras críticas quer ao valor do OGE quer a vários elementos da sua estrutura e conteúdo. Uma contestação que se materializou depois nas 122 páginas do relatório e parecer da comissão de finanças públicas que considera a proposta de OGE para 2020 “despesista”, afirmando que esperava “maior prudência e rigor orçamental” do Executivo na preparação das contas para o próximo ano. 

“Esperava-se do Governo maior prudência e rigor orçamental, e não um orçamento tão despesista, em que as despesas recorrentes consomem 73,8 por cento de todo o OGE”, de acordo com o texto. 

Os deputados consideraram que a proposta do Governo “contém alguns artigos questionáveis ou até mesmo ilegais” que necessitam no mínimo de ser revistos, mas, em alguns casos, “de serem, inclusivamente, expurgados da proposta de lei”. 

O texto refere o “panorama de considerável incerteza” em Timor-Leste, recordando que o próprio Governo prevê nos livros orçamentais “que as receitas petrolíferas das explorações ativas se reduzam até zero já em 2024” com as prospeções de novas jazidas a começarem só agora a dar os primeiros passos.

Ao apontar o dedo a vários aspetos da proposta de OGE para 2020, o segundo mais elevado de sempre, os deputados sublinharam a pouca capacidade de execução do Governo. 

Críticas, entre outras, que levaram a um desabafo do chefe do Governo. “Normalmente quando se discute o OGE as bancadas que sustentam o Governo defendem a proposta do Governo e a oposição critica. Mas agora, são os próprios deputados que sustentam o Governo que se mostram agressivos. Se calhar é uma oportunidade de fortalecer a democracia”, afirmou.

Taur Matan Ruak referiu-se aos esforços, começados no VI Governo, para “avançar no modelo de orçamentação com base em programas”, algo que implica “planeamento, programação, orçamentação, execução, controlo e avaliação”. Nesse quadro, disse, cabe ao Parlamento “exercer o controlo das atividades de governação”, e ao Governo avançar em “alterações estruturantes para ajudar na implementação”, com um novo modelo.

Numa reação às críticas de má gestão e corrupção, Taur Matan Ruak disse que o programa do Governo está empenhado em lidar com essas matérias, avançando no aprovisionamento eletrónico, aumentando assim a transparência do processo.

Risco de novas eleições

Responsáveis políticos admitem que a tensão no parlamento reflete uma tensão dentro da coligação que se tem vindo a evidenciar na AMP ao longo do mandato do Executivo e que o debate da generalidade voltou a evidenciar. Os deputados do maior partido da coligação, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) liderado por Xanana Gusmão, permaneceram praticamente calados.

E mesmo as restantes bancadas do Partido Libertação Popular (PLP) e do Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO) pouco acrescentaram num debate onde se ouviu em mais detalhe a contestação das forças de oposição, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) e o Partido Democrático (PD).

Sendo quase certo que Timor-Leste começará 2020 com duodécimos, o Governo está agora a trabalhar para concluir esta semana a proposta renovada do OGE para o próximo ano, com instruções claras do primeiro-ministro para cortar o teto dos gastos.

Um dia depois da retirada da proposta, Taur Matan Ruak reuniu o Governo e confirmou que vão ser feitos cortes no valor do OGE cujo valor final não é ainda conhecido, mas que, segundo fontes do Executivo, deverá passar de 1,95 mil milhões de dólares para cerca de 1,6 mil milhões de dólares.

“O Governo aceita retirar o OGE e promete ajustar o texto para acomodar as preocupações dos distintos deputados e para o voltar a apresentar para discussão atempada”, afirmou Taur Matan Ruak.

“Agradeço a paciência, a dedicação de todos os deputados em ajudar, a dar o seu contributo para aprovar o documento do OGE para 2020”, frisou numa curta declaração durante o debate na generalidade.

O objetivo é que o parlamento comece ainda antes da interrupção do Natal a analisar o documento que terá depois de passar pela generalidade e especialidade antes de ser enviado ao Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, que terá até 30 dias para decidir se promulga ou veta.

O processo de reforma da proposta está a ser liderado pelo ministro de Estado na Presidência do Conselho de Ministros, Agio Pereira que está a ser coadjuvado no processo de reformulação do orçamento pela ministra interina das Finanças, Sara Lobo Brites, pela ministra da Educação, Juventude e Desporto, Dulce Soares e pelo ministro dos Transportes e Telecomunicações, José Agostinho da Silva.

De fora do comando da reforma ficam ministros do PLP, o partido do primeiro-ministro, e o que tem mais membros no Executivo, em grande parte porque a maior parte dos membros indigitados do CNRT não foram nomeados até agora pelo chefe de Estado. 

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau 19.12.2019

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