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This is My City mantém aposta sino-lusófona

O festival de artes This Is My City quer continuar a apostarem colaborações entre artistas chineses e lusófonos, como fez este ano com os Wu Tiao Ren e Surma. O co-fundador Manuel Correia da Silva diz que para o ano espera ter uma programação mais abrangente e continuar a trazer nomes emergentes da China Continental, de Portugal e da Lusofonia.

A edição do festival de artes terminou no passado sábado em Macau mas estendeu-se, à semelhança da edição de 2018. O evento, que antes tinha lugar uma vez por ano só no território, agora prolonga-se a outras cidades da região, como Zhuhai, e ao longo do ano com mais projetos, como aconteceu com a digressão dos Wu Tiao Ren por Portugal (VER TEXTO). “A ideia não é tanto apostar em novos projetos e colaborações, mas sim levarmos as que temos o mais longe possível. Queremos consolidar o que já temos. Ou seja, manter o circuito Zhuhai, Cantão e Portugal, e procurar fazer o que fizemos com os Wu Tiao Ren e a Surma com mais artistas chineses e lusófonos”, explica Manuel Correia da Silva ao PLATAFORMA, que por agora ainda não tem nomes em vista.

Este ano, o This is My City levou os Wu Tiao Ren e a portuguesa Surma a Macau, Zhuhai e Cantão, onde atuaram no Strawberry Festival, depois de os artistas terem gravado em Portugal na sequência da tour da banda chinesa pelo país. “Os Wu Tiao Ren fazem parte de um projeto de parceria que ultrapassa os próprios limites do festival e a prova disso foi o concerto em Cantão, e voltarem a atuar com a Surma lá e em Macau”, sublinha Correia da Silva. Quanto a DJ Kitten, um repetente do ano passado, o curador explica que se deve à parceria com a discoteca D2. “Gosta muito do trabalho do Kitten e mostrou interesse em voltar a tê-lo, e achamos que era de apostar”, explica sobre o regresso de João Vieira, fundador dos portugueses White Haus e X-Wife.

O co-fundador do This Is My City faz um balanço positivo de mais uma edição e destaca a presença de novos públicos. “A aposta grande em bandas locais como nunca tínhamos feito trouxe gente nova ao festival”, realça. AKI, músico do Japão e residente em Macau, conhecido pelas sonoridades eletrónicas e experimentalistas, e as bandas Why Oceans e os Ariclan foram alguns dos grupos locais que atuaram nas Oficinas Navais, um dos espaços onde teve lugar o festival, que começou em 2006.

Além de música, houve também uma instalação fotográfica de António Falcão, intitulada LOYÅM, três documentários e 13 vídeos criados por realizadores portugueses para cada um dos temas editados pela banda Rollana Beat, que contaram com a colaboração de alguns realizadores portugueses como Edgar Pêra, Isabel Aboim Inglês e Leonor Noivo.

Em 2018, o festival esteve em Zhuhai, Shenzhen, Macau, e terminou em São Paulo, no Brasil.

Wu tiao ren

“Nunca dissemos do que falamos e é assim que nos queremos manter”

Rejeitam o rótulo que lhes foi colado e os define como grupo de canções folk rock, que versam sobre personagens remotas da China. Preferem dizer que procuram explorar um estilo próprio, sempre em busca de algo novo. Assumem que as letras têm bastante peso na música que fazem mas preferem não revelar a intenção do que escrevem. Na Chi- na são considerados estranhos, mas são apreciados porque, dizem, “há muita gente estranha” no Continente. O PLATAFORMA foi conhecer os Wu Tiao Ren, que estiveram no This Is My City que terminou no domingo.

O grupo escreve sobre vidas margi- nais porque marginais são também as suas. As letras são muito importantes, realçam, ainda que prefiram esconder significados. “Olha para aquele vento. Às vezes vai para Este, outras para Oeste. E por causa disso, o meu cabelo ficou uma confusão”. É assim que começa a música “My Hair is a Mess”, da banda chinesa, conside- rada uma das mais interessantes da atualidade na China continental. “A maioria das pessoas pensa que nessa música estamos a falar de política, outros acham que é uma letra sem sentido, e outros dizem que estamos a falar sobre o sentido da vida. Nun- ca dissemos do que falamos e é assim que nos queremos manter”, afirma um dos fundadores Ren Ke.

As canções dos Wu Tiao Ren, que cresceram no bairro de Haifeng, na cidade de Shantou, província de Guangdong, falam sobre as vidas de personagens do interior da China: um ‘voyeur’ solteirão que passa horas a olhar para as operárias das fábricas, um ciclista que passeia um porco, um vendedor de divisas no mercado negro, um revolucionário de Haifeng assassinado por Chiang Kai-shek, em 1929.

“Antes de criarmos este grupo, eu vendia cd’s e ele vendia livros na rua, em Guanzhou. Para todos os outros, éramos marginais, outsiders, também porque não éramos dali. São as vidas marginais que nos interessam porque no fundo são as nossas vidas”, sublinha Mao.

Ren Ke e Mao são os elementos mais antigos e fundadores da banda, que no início, em 2008, e antes de Ren Ke se juntar, se chamava Si Tiao Ren (quatro elementos, em português). Passou a Wu Tiao Ren (cinco elementos) quando o antigo grupo conheceu Ke numa tour pela China. “Depois a banda dispersou-se e apenas ficámos os dois. Abrimos uma loja de música e como estávamos juntos todos os dias, começámos a compor e quisemos lan- çar um álbum. Acabamos por manter o nome apesar de só termos resistido os dois”, conta Mao. Mais tarde conhecem o baixista e contrabaixista, e o baterista, que hoje fazem parte do quarteto apesar do nome permanecer Wu Tiao Ren.

Além do país onde nasceram, já conquistaram outros destinos. Portugal ficou-lhes no coração e ao que parece também eles ficaram no coração dos portugueses que os ouviram. Em Coimbra, onde deram um dos con- certos da tour pelo país neste verão grande parte da assistência acabou a comprar o CD, o que prova que a língua é importante, mas não é uma barreira “porque há uma linguagem comum”: a música, afirma Ke.

Mao descreve a experiência em Portu- gal como “um sonho”. “O tempo pas- sou tão depressa que o sonho acabou rápido”. O ‘tour’ começou no Porto com um concerto na redação do Jornal de Notícias, e na Casa da Música passaram por Leiria e Coimbra, onde atuaram no Salão Brasil. Também estiveram no Musicbox, em Lisboa, e Montemor-o-Novo, com um concerto nas Oficinas do Convento.

Um dos momentos altos que realça Mao foi a colaboração com a artista portuguesa Surma (VER CAIXA). “A barreira linguística também existe na China. Quando temos projetos com artistas do norte do país também não entendem o que cantamos. O que se procura explorar são novas criações que resultam porque há uma lingua- gem comum: a música”, explica Ren Ke.

Tanto assim é que a colaboração se repetiu esta semana. Além dos con- certos em Macau e Cantão, os artistas juntaram-se no estúdio dos Wu Tiao Ren, onde voltaram a gravar novos te- mas como fizeram em Portugal.

Surma lança-se em Macau

A artista portuguesa aproveitou a passa- gem por Macau, onde esteve para participar no This is My City, para lançar um álbum com inéditos. “Como era a primeira vez da Surma na Ásia, achámos que fazia sentido lançar o disco num sítio onde ela esivesse pela primeira vez. Depois da experiência com os Wu Tiao Ren, em Leiria, proporcionou-se esta possibilida- de e pensámos que era a melhor altura, até porque também vai estar a colaborar com eles tanto aqui em Macau como na China continental. Por isso, o vinil foi lançado aqui”, conta ao PLATAFORMA Hugo Ferreira, da editora Omnichord Re- cords. “Foram músicas feitas no início de tudo, antes de saber bem o que queria ser em termos musicais. São cinco músicas completamente diferentes do que sou enquanto Surma”, explica a artista portu- guesa Débora Umbelino, conhecida como Surma.

Catarina Brites Soares 06.12.2019

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