Início » Hong Kong: o carma dos Chefes do Executivo

Hong Kong: o carma dos Chefes do Executivo

Numa altura em que se falou que Carrie Lam está de saída, o PLATAFORMA recupera o percurso atribulado dos Chefes do Executivo de Hong Kong. A confirmar-se a notícia do Financial Times de que sai em março, Lam repete o desfecho dos que a antecederam. Nenhum cumpriu dois mandatos. Carrie Lam fica na história como a líder do período mais trágico de Hong Kong desde a transição. 

Tung Chee-hwa (1997-2005)

Foi o primeiro Chefe do Executivo, de 1 de julho de 1997 a 12 de março de 2005. O empresário é atualmente vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. Filho mais velho de um magnata do setor naútico Tung Chao Yung, que fundou Orient Overseas Container Line, o primeiro Chefe do Executivo assumiu os negócios da família após a morte do pai, em 1981. Quatro anos depois a empresa entra em falência e o negócio é resgatado pela República Popular da China com Henry Fok a servir de intermediário, em 1986. Foi eleito pelo colégio eleitoral em 1996.

Não teve a vida fácil como, aliás, todos os que o sucederam. Enquanto liderou a cidade, Tung enfrentou a crise das aves e a crise financeira asiática, em 1997. A perda de postos de trabalho, e a queda na bolsa e no mercado imobiliário a juntar às políticas económicas que implementou fizeram com que a população começasse a insurgir-se. 

Durante o primeiro mandato, também foi alvo de controvérsias pela série de infraestruturas e projetos que propôs, como a Disneyland, o Centro de Medicina Chinesa e o Parque Tecnológico. As obras chegaram mesmo a ser questionadas pelo Governo central, por exemplo por Jiang Zemin. O caso mais escandaloso foi contudo a decisão favorável na atribuição do Cyberport Project a Richard Li, filho do magnata Li Ka-shing, sem concurso público.

A batalha mais complicada estava ainda por travar. Em 2003, um ano depois de ser reeleito para o segundo mandato, surge a grande prova à qual não sobreviveria. Mais de 500 mil manifestantes pedem a demissão de Tung Chee-hwa por ter submetido a proposta para se implementar na Lei Básica o artigo 23, lei de segurança nacional. Resistiu mas por dois anos. Em 2005, demite-se. Um ano antes, em 2004, a reputação do empresário era publicamente beliscada com a reprimenda humilhante de Hu Jintao que o acusou de uma “governação fraca”. 

Depois de resignar ao cargo, é nomeado vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e constitui a China-United States Exchange Foundation, em 2008. Em 2014, cria outro think-thank Our Hong Kong Foundation, à qual pertencem muitos dos peso-pesados do setor empresarial da região. 

Donald Tsang (2005-2012)

Foi o segundo Chefe do Executivo, de 2005 a 2012, e também não saiu imaculado. Um escândulo de corrupção no segundo mandato deixaria uma mancha para sempre no percurso de Donald Tsang, libertado em janeiro depois de 12 meses de prisão. A carreira no Governo começa em 1967, ocupou posições em vários departamentos como de Administração, Finanças e Comércio, antes de ser nomeado secretário para o Tesouro, em 1993, e das Finanças, em 1995. É o primeiro secretário de etnia chinesa a assumir o cargo sob a administração britânica. Ganha reputação durante a crise financeira de 1997, e em 2001 é nomeado como secretário-chefe, o segundo posto mais alto do Governo de Hong Kong. Em 2005 toma as rédeas do Governo face à demissão de Tung Chee-hwa, e é reeleito em 2007. Foi acusado de ter conflito de interesses enquanto governa, o que levou a uma investigação do comissariado contra a corrupção. Pediu desculpa um mês antes do segundo mandato terminar. Em 2017, é condenado por má-conduta. Foi sentenciado a uma pena de 20 meses de prisão, reduzida a 12. Ficou na História da região como o primeiro alto-cargo a ser condenado e preso.

Leung Chun-ying (2012-2017)

Também conhecido como CY Leung foi o terceiro Chefe do Executivo, entre 2012 e 2017, ano em que passou a ocupar o cargo de vice-presidente do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. Inaugurou-se na política quando se juntou ao Conselho Consultivo da Lei Básica de Hong Kong, em 1985. Três anos depois passa a secretário-geral do organismo. Em 1999, dois anos após a data da transição, foi escolhido como porta-voz do Conselho Executivo de Hong Kong, uma posição que manteve até 2011, quando se demitiu para entrar na corrida a Chefe do Executivo. Cedo ganhou a fama de ser mais leal a Pequim do que a Hong Kong, o que lhe dificultou a vida na cidade. Tudo começou logo com o discurso de tomada de posse: quando escolheu falar em mandarim em lugar do cantonense.

Ao contrário dos precedentes, CY Leung teve a vida dificultada logo à entrada. Pouco depois de se estrear na liderança do Executivo, é obrigado a gerir protestos contra a implementação da Educação Patriótica nas escolas. Mas esta era apenas uma amostra ao pé daquele que seria um dos momentos mais marcantes e difíceis na História da região vizinha. Em 2014, surge o Umbrella Movement – Movimento dos Guarda-Chuvas, como ficou conhecido. Durante 79 dias, milhares de residentes tomaram as ruas de Hong Kong em sinal de protesto contra a proposta apresentada por Pequim de sufrágio universal limitado para a eleição do Chefe do Executivo em 2017. Pequim daria aos residentes o direito de votar mas apenas entre os candidatos previamente escolhidos pelo Governo central. A população não gostou, saiu à rua e ocupou as principais artérias da cidade num protesto pacífico. 

Mas houve mais pedras no sapato de CY Leung, acusado de corrupção por receber 50 milhões de Hong Kong dólares pela UGL. O mandato do terceiro líder do Governo de Hong Kong ficou marcado pelo crescimento do movimento pró-independência e da instabilidade social, também patente no 2016 Mong Kok civil unrest. Em dezembro, CY Leung anunciava que não iria candidatar-se a um segundo mandato. 

Carrie Lam (2017)

Está no cargo desde 2017 e é a primeira mulher a ocupá-lo. Antes, desde 2012, foi secretária para a Administração, e para o Desenvolvimento de 2007 a 2012, no Governo de Donald Tsang. Ganhou a alcunha de “tough fighter” pela posição que manteve no processo de demolição do Queen’s Pier. Liderou a reforma política de 2014 – que suscitou o Umbrella Movement – e esteve na dianteira nas conversações com os estudantes do Movimento. 

Vai ficar na história como a Chefe do Executivo que atravessou o período mais contestatário desde a transição, em 1997. Há cinco meses que se vê confrontada com protestos anti-Governo que, de entre as cinco exigências que fazem, pedem a sua demissão. O movimento é considerado o desafio mais sério à autoridade do Partido Comunista chinês em três décadas. O último tinha sido a 4 de junho de 1989, aquando dos protestos de Tiananmen. Os manifestantes mantêm-se firmes e prometem não desistir enquanto o Chefe do Executivo e os deputados do Conselho Legislativo não forem eleitos por sufrágio universal. 

Em outubro, o Financial Times avançava que Lam abandonaria o cargo em março. De acordo com a publicação britânica, o Governo central estaria a traçar um plano para substituir Carrie Lam por um Chefe do Executivo interino. Antes, em julho, a Reuters noticiava que Lam tinha tentado demitir-se mas tinha sido impedida por Pequim. A notícia foi negada pelos Governos de Hong Kong e central. A cumprir-se o que prevê o jornal, o novo líder do Governo terminaria o mandato de Carrie Lam até 2022. 

Possíveis sucessores

O mesmo jornal avançava também com os nomes mais prováveis para substituir Carrie Lam

Henry Tang

Foi membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. Integrou o Governo no início dos anos 2000. Ocupou os lugares de secretário para as Finanças, e para a Administração Pública. É filho de um dos magnatas da cidade, da província de Jiangsu, próximo do Governo central. Tang chegou a candidatar-se para Chefe do Executivo, em 2012, corrida que acabaria por perder depois de uma série escândalos, como o que surgiu após vir a público uma cave ilegal com uma área de dois mil metros que tinha constuído em casa. Na altura, era visto como o preferido de Pequim e dos magnatas da cidade, mas, e à custa das polémicas, acabaria por perder para CY Leung. 

Norman Chan

Foi o presidente da Autoridade Monetária de Hong Kong durante uma década, posição que manteve até setembro deste ano, quando se reformou. Norman Chan, que completou 65 anos no mês passado, foi um dos nomes que ajudou a construir o organismo, que viria a liderar, nos anos 90, nomeado por Donald Tsang. Entrou para a Função Pública em 1976. “Depois de 43 anos de trabalho, sinto que chegou a altura certa de me reformar e passar mais tempo com a minha família”, dizia num comunicado publicado pela autoridade. 

Bernard Chan

O empresário e político, de 54 anos, é presidente da Asia Financial Holdings Limited e da Asia Insurance Company Limited, e advisor do Bangkok Bank (China). Entre outros cargos, tem assento como deputado no Congresso Popular Nacional da República Popular da China, é porta-voz no Conselho Executivo e membro da direcção da Autoridade do Cultural do Districto de Kowloon. Também foi deputado do Conselho Legislativo, de 1998 a 2008. O neto de Chin Sophonpanich, fundador do Bangkok Bank, nasceu numa família chinesa-tailandesa em 1965. Em 2015, passou a fazer parte da direção do Alibaba Entrepreneurs Fund in Hong Kong.

Paul Chan

Foi secretário para o Desenvolvimento de 2012 a 2017, quando foi nomeado secretário para as Finanças, posição que agora ocupa. Antes, e entre outros lugares na Administração e fora dela, também tinha sido deputado no Conselho Legislativo. Em 2013, Chan foi acusado de conflito de interesses quando a família da mulher planeava vender um lote de terreno agrícola que fazia parte de um projecto de desenvolvimento urbano do Governo nos Novos Território. 

Catarina Brites Soares 15.11.2019

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!