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Segunda volta com vencedor antecipado

As eleições de São Tomé e Príncipe de 07 de agosto são marcadas por um facto insólito: um dos dois candidatos queixa-se de fraude e quer desistir, mas o nome continua no boletim. O atual Presidente da República, Manuel Pinto da Costa, recusa continuar na corrida pelo que tudo indica que Evaristo Carvalho, apoiado pelo governo (Ação Democrática Independente / ADI), saia vencedor. 

Na noite eleitoral, a 17 de agosto, Evaristo Carvalho falou enquanto Presidente eleito, quando os dados provisórios da Comissão Eleitoral Nacional (CEN) lhe deram a vitória à primeira volta. Numa segunda contagem dos boletins, só tornada pública durante os dias seguintes, verificou-se que foram contabilizados “centenas de erros” e teria de haver uma segunda volta.

“É mais uma das originalidades da nossa democracia”, diz Filinto Costa Alegre, analista são-tomense e um dos críticos da crise política no país. “O processo está comprometido e, pior do que isso, tem faltado uma certa capacidade de diálogo entre os principais protagonistas. Era preciso que as pessoas se concertassem de modo a por o processo eleitoral de volta nos carris, de forma que tudo fosse levado a bom termo. Mas não me parece que seja esse o caminho escolhido”, sustenta o advogado são-tomense.

Costa Alegre admite ainda a possibilidade de ter ocorrido fraude na primeira volta das eleições presidenciais, realizada no passado dia 17. “Penso que a proclamação precipitada pela Comissão de Eleições dos resultados (provisórios, que indicavam a vitória de Evaristo de Carvalho na primeira volta) e depois voltarem atrás (prevendo uma segunda volta), descredibilizou o processo eleitoral e criou toda esta situação”, argumenta.

Num discurso onde reafirmou a intenção de não participar no processo eleitoral, o atual Presidente, repescado pela CEN para a segunda volta, exigiu a repetição do ato eleitoral e a reavaliação da organização que fiscaliza as eleições. “Infelizmente, a nossa democracia ainda não atingiu patamares que garantam níveis mais elevados de qualidade no seu funcionamento. Não é aceitável deixar-se que as finalidades das instituições cedam aos interesses mesquinhos e as estratégias individuais ou de grupos”, justificou. “Assim sendo, continuar a participar num processo eleitoral tão viciado seria caucioná-lo”, acrescentou o governante, sublinhando: “Não o faço como candidato e muito menos como Presidente da República”, disse Pinto da Costa.

Para domingo, tudo indica que Evaristo Carvalho ganhe as eleições, depois de Pinto da Costa não ter feito qualquer campanha durante estes dias. “Não podemos abandonar o processo, iremos levar esse processo até o final”, justificou o presidente da CEN, Alberto Pereira. O responsável da Comissão Eleitoral reconhece que “houve muitas falhas, falhas gravíssimas” registadas nas mesas de voto durante a primeira volta das eleições, mas diz que “todos os mandatários estavam avisados e informados sobre esses erros”.

Os resultados provisórios divulgados logo após as eleições de 17 de julho deram a vitória ao candidato Evaristo Carvalho à primeira volta, mas os resultados oficiais ditaram a necessidade de uma segunda volta. Segundo esses resultados, Evaristo Carvalho obteve 34.522 votos, o que corresponde a 49,88% dos votos expressos, seguido de Manuel Pinto da Costa com 17.188 votos (24,83%) e Maria das Neves com 16.828 (24,31%).

Em resposta a esta crise política, o governo, liderado por Patrice Trovoada – adversário de Pinto da Costa há dezenas de anos -, alertou para o risco de o processo manchar o nome do país. “Ninguém, nenhum candidato tem o direito de agir unilateralmente para satisfazer o seu ego e lançar uma tão grande afronta sobre a nação inteira, o seu bom nome e a sua imagem internacional”, escreveu o governo, num comunicado distribuído à imprensa internacional.

“O Tribunal Constitucional (TC) anunciou os resultados definitivos da primeira volta das eleições presidenciais de 2016, não constatou irregularidades ou fraudes e o Governo assegurará que todos os são-tomenses residentes no país, bem como na diáspora, poderão exercer o seu direito de voto livremente como está habituado e sem perturbações ou impedimentos de qualquer natureza na segunda volta das eleições marcada para o dia 07 de agosto de 2106”, acrescenta o governo, que se mostra particularmente preocupado com a imagem do país no exterior.

Grande parte do orçamento do Estado é financiado por parceiros internacionais, uma situação que pode ser colocada em causa com suspeitas sobre a solidez do processo democrático. Nesse sentido, o executivo chamou os representantes das missões diplomáticas no arquipélago para informar que a primeira volta das eleições presidenciais foi “pacífica, ordeira e transparente”, pedindo aos diplomatas para transmitirem isso mesmo aos seus “respetivos estados e governos”.

Bispo preocupado com falta de qualidade dos políticos

O bispo de São Tomé e Príncipe, Manuel António, não se mostra surpreendido com a crise política, considerando que isso é reflexo de uma ausência de discussão ideológica no país. Os dirigentes políticos alinham-se em torno de fidelidades pessoais e não por razões de estratégias de governação ou modelos de desenvolvimento do país. “O quadro partidário não tem uma estrutura ideológica por detrás, os partidos estão ligados a pessoas e a famílias”, explica. 

Por isso, as campanhas são muito pobres ao nível do conteúdo. “Os discursos têm frases que toda a gente diz” e “não existe debate político”, afirma o bispo português, nascido em Castro Daire e à frente da diocese de São Tomé desde 2006. Para o prelado, a solução tem de partir dos eleitores, que devem exigir mais dos governantes. 

“É preciso que o país tenha políticos credíveis, sem demagogia barata”, diz, acusando os atuais de mentirem ao eleitorado. “Andam a prometer mundos e fundos e depois, quando chegam ao poder, ficam sem mundos e fundos”, ironiza o bispo, que defende “políticas concretas” e “que garantam estabilidade” ao país”. 

“De que vale fazer uma grande instalação de água se depois não há capacidade para a distribuir”, exemplifica Manuel António, que defende uma aposta “mais real e consistente na educação: Esse sim, é que deve ser um projeto para o futuro deste país”.

Paulo Agostinho-Exclusivo Lusa/Plataforma

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