Ao longo das três últimas décadas, as empresas públicas sustentaram a ascensão da China como potência industrial global, liderando o boom da construção de infraestruturas. Durante esse processo tornaram-se dominantes, particularmente em setores como as telecomunicações e energia, assim como em áreas estratégicas como o aço, o carvão e o setor bancário.
Contudo, os mercados tradicionais unilaterais onde as empresas públicas lideram estão agora a ser perturbados por novas empresas de tecnologia como a Alibaba e a Tencent, que se situam em mercados multilaterais de produção, logística e distribuição usando plataformas unificadas que beneficiam de economias de escala. Criando plataformas para os consumidores e pequenos produtores, essencialmente infraestruturas públicas, estas empresas desafiaram diretamente o modelo de negócio das empresas públicas.
As novas plataformas digitais respondem de forma rápida e eficiente às necessidades do público. Estas empresas são mais colaborativas ou repartidas do que as empresas tradicionais de fabrico, permitindo aos consumidores e pequenas empresas em fase de arranque dar forma aos produtos e serviços, desde o design até à distribuição. Dada a população chinesa de 1,3 mil milhões (uma grande vantagem competitiva em termos de inovação e poder de compra), estas plataformas podem perturbar os atuais produtores de mercados unilaterais oferecendo uma escala, rapidez e conveniência superiores, incluindo o acesso a mercados globais.
Para além disso, o antiquado modelo de negócio das empresas públicas (para não falar da forte inércia) faz com que seja difícil identificarem e responderem a novas oportunidades de oferta de bens públicos numa economia em transformação. As empresas de telecomunicações e bancos estatais, por exemplo, não têm conseguido responder aos novos desafios tecnológicos. Mesmo as empresas privadas tradicionais como a Huawei e a Midea tiveram um desempenho muito melhor, ajustando-se a uma alteração da procura por parte do consumidor e às mudanças no custo dos fatores, reequipando-se o mais rapidamente possível através da aquisição, por exemplo, de tecnologia de robótica e designs de produtos do Ocidente.
Tal capacidade de resposta é particularmente essencial nos dias de hoje, altura em que a lógica inexorável do progresso tecnológico exige uma transformação do modelo de crescimento da China. Com a procura pelo hardware de consumidor e bens duradouros a diminuir, a China deve começar a desenvolver os seus próprios produtos de alta tecnologia, ao mesmo tempo que constrói um forte setor de serviços. E com as exportações globais de mercadorias a diminuir, de forma cíclica e como resultado da desaceleração do crescimento nas economias avançadas, a China deve ativar a sua base de consumidores internos.
É esta incerteza que parece ter levado as autoridades a repensar o seu plano de reforma original e mais agressivo. Elas reconhecem que, uma vez que os sistemas económico e financeiro abarcam complexas redes de vários elementos convergentes e interdependentes, as alterações a um componente (especialmente algo dominante como o setor das empresas públicas) podem ter consequências vastas. Com os recentes ajustes à estratégia de reforma, os líderes da China conseguiram algum tempo para determinar qual o lugar das empresas públicas na nova economia.
A resposta reside provavelmente nos novos desafios das infraestruturas públicas, o tipo de desafios que as economias avançadas já enfrentam, incluindo questões relacionadas com a segurança da informação e a competição. Se as empresas públicas alterarem os seus modelos de negócio de forma a oferecerem serviços de regulação e plataformas a baixo custo, tirando partido das economias de escala, poderão, por exemplo, ajudar a gerir o uso de informação pelas grandes plataformas privadas.
Os bancos públicos, por sua vez, poderão ser capazes de oferecer financiamento a vários níveis para os milhões de pequenas e médias empresas ansiosas por configurar e enriquecer a nova economia.
Finalmente, as empresas públicas poderão entrar em parcerias público-privadas com empresas locais para controlar a construção e gestão dos sistemas de transporte e trânsito, drenagem urbana e os organismos responsáveis pela segurança alimentar, controlo da poluição e segurança pública.
A boa notícia é que o governo central e os governos locais possuem bastantes ativos de valor real, correspondendo a mais de 140 por cento do PIB. Esses ativos podem ajudar a facilitar a transição para este novo modelo de negócio das empresas públicas, corrigindo, por exemplo, as lacunas no sistema de segurança social e abordando a questão dos passivos históricos, incluindo aqueles resultantes de passada corrupção, empréstimos malparados e um fornecimento inadequado de bens públicos e serviços.
As empresas públicas da China encontram-se numa encruzilhada. Devido aos riscos elevados da reforma, os líderes do país têm boas razões para gastar algum tempo na avaliação das suas opções. Seja qual for a via que escolham, ela será certamente um desafio. Mas esses desafios são insignificantes em comparação com os problemas que surgiriam caso preservassem o antigo modelo das empresas públicas.
Andrew Sheng e Xiao Geng