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MACAU COM “CONDIÇÕES ÚNICAS” PARA SER SUCESSO OU DESASTRE AMBIENTAL

 

A maior densidade populacional do mundo combinada com um dos maiores PIB per capita do planeta e a ausência de recursos naturais fazem de Macau um local com capacidades únicas para se transformar num modelo de economia verde ou de desastre ambiental. Em entrevista ao Plataforma Macau, o presidente da CESL Ásia, António Trindade, defende uma regeneração da cidade e aponta que a cooperação com a China e a lusofonia é um dos meios.

 

PLATAFORMA MACAU – Este desenvolvimento rápido de Macau teve em conta uma agenda verde?

ANTÓNIO TRINDADE  – Estes temas do ambiente começaram por ser questões políticas, passaram depois para uma questão de tecnologia e ciência e de engenharia e depois para uma questão económica. Hoje o que se fala é no conceito global do paradigma da sustentabilidade, que está associada também ao desenvolvimento.

Acho que ninguém tem dúvidas da melhoria das condições de vida em Macau. Macau é muito particular, é a terra com a maior densidade populacional do mundo, está no top cinco em termos do PIB per capita, não tem recursos naturais, tem uma produtividade por pessoa do maior que há e condições também extremamente favoráveis. A China continental contribui com uma série de fatores positivos e também com alguns impactos e tudo isso são os fatores que influenciam Macau.

O nosso desenvolvimento a crescer 10, 15, 20% ao ano não é sustentável se fizermos sempre da mesma maneira, pois, como é óbvio, vamos consumindo os recursos.

Ainda não temos uma situação de trânsito caótica, mas transportamos demasiadas pessoas e as vias de comunicação são um dos fatores mais importantes no impacto ambiental na vida da cidade. O mais importante na questão da poluição atmosférica é a logística, o transporte de pessoas e bens. Macau tem 30 milhões de visitantes por ano, altos consumidores e as batatas e o arroz têm de ser importados, tudo isto tem impacto na qualidade de vida e há limites. O desafio é repensar isto tudo e redistribuir recursos para implementar os novos paradigmas.

P.M. – Em Macau há um grande consumo de recursos e também um grande desperdício?

A.T. – Efetivamente estamos a desperdiçar. O que é facto é que não falta água em Macau, ela falta de onde vem, portanto, é provável que não chegue. E o problema é que pode ser já amanhã, porque se abrem cinco casinos, se se duplica aquilo que existe, se calhar não há, porque há sete ou oito anos com a seca que houve, durante três ou quatro meses, a água em Macau era salgada e não se podia consumir. Somos ricos então mandamos vir água engarrafada. Agora, isto resolve o problema? Passados dois ou três anos, quase todos os edifícios, casinos e hotéis, tiveram de mudar os sistemas de ar condicionado. Imaginemos que isto acontecia todos os anos.

Não podemos dizer que abrimos mais mesas de jogo, construimos mais quartos de hotel e restaurantes e a riqueza duplica. Não há dúvida de que tem de haver novas soluções estruturadas.

Nós criamos um valor económico brutal pelo facto de desligarmos a luz cada vez que saímos. Podemos reduzir o consumo até 50% de energia, que é um fator determinante na capacidade de aumento de riqueza.

O que se desafia hoje nos novos paradigmas do crescimento verde ou da sustentabilidade é o modo de vida. O caminho da regeneração urbana passou a ser uma perspetiva também do pensamento ecológico e em Macau é pertinente dizer-se que a capacitação do centro histórico de Macau, o turismo, a diversificação económica, a vida das pessoas, a alternativa, tudo isto necessita de ser contextualizado.

 

P.M. – Macau tem condições para se tornar um exemplo de economia verde? 

A.T. – Tem condições únicas para isso como também para se tornar um exemplo de desastre ambiental, porque não tem recursos e tem alta densidade populacional.

Hoje o que se passa cria grande valor a Macau, mas há um grande desperdício, portanto, não é sustentável, cria riqueza, mas não a distribui propriamente dita, criam-se ineficiências, as rendas de casa sobem mais depressa do que os ordenados das pessoas.

Há muito trabalho a fazer, estamos numa sociedade rica. Há 20 anos ninguém pensava que Macau podia ser líder seja do que for no mundo. Hoje temos o retalho, os restaurantes, os hotéis, as operações de jogo mais sofisticadas do mundo e vamos ter que ter muito mais coisas sofisticadas, como a rede de transportes, de consumo de energia, de água, as escolas, cultura, turismo, tem de ser o melhor do mundo e temos de encontrar soluções únicas. Macau, com ajuda do exterior, tem a obrigação de ir buscar as melhores práticas do mundo e aplicá-las ainda melhor.

 

P.M. – Deve então repensar-se Macau e a forma como a cidade funciona…

A.T. – Não é só a cidade, é a sociedade. A cidade como parte dela. Não vamos passar da quarta sociedade mais rica do mundo para a mais rica se não repensarmos tudo aquilo que serviu quando éramos a 20.ª ou 30.ª mais rica do mundo, que era há dez anos. Hoje, a riqueza de Macau está sustentada na infraestrutura de há 15, 20 anos. Mas não vamos aumentar a qualidade de vida em termos globais sem pegar na riqueza dos últimos dez, 15 anos, aumentá-la e reduzir o fosso entre ricos e pobres e isso só se consegue repensando isto tudo.

 

P.M. – E é sustentável aumentar a riqueza? 

A.T. – Estou convencido de que é, duplicar, triplicar.

 

P.M. – E isso não significa maior consumo de recursos? 

A.T. – Não, melhor consumo. Vai haver maior consumo de recursos naturalmente, mas pode ser que ele crie mais valor.

Macau não tem água, mas olhamos para o rio e é de rir, não é? Vai ser um fator limitativo do crescimento? Não vai. Nós trazemos para Macau 300 mil metros cúbicos de água todos os dias e deitamo-los fora.

A escolha é muito difícil, porque de facto a riqueza vem da indústria do jogo. O problema que se coloca é: o valor que está a ser produzido é sustentável?

O que se tem encontrado é soluções de há 15 anos e prova-se hoje que aguentaram o crescimento. Macau não é só líder em termos de resultados, é um fenómeno notável de eficiência. As empresas levam para os seus casinos mais de 100 mil pessoas por dia e mais 15 mil funcionários. Não há muitos sítios no mundo onde isso aconteça. E num sítio onde não havia infraestruturas de transportes e conectividade, isso foi montado. Mas as estradas são limitadas e vemos os autocarros todos parados, isto tem de mudar para a sustentabilidade.

Acho que as empresas têm muitos desafios e provavelmente o paradigma dos transportes de Macau e da conectividade tem de ser verdadeiramente repensado.

 

P.M. – E o que propõe?

A.T. – Prevejo que seja necessário disponibilizar recursos, provavelmente importar os tais conhecimentos que não existem em Macau, encontrar soluções, que não são só internas, negociá-las com a sociedade e atores económicos e implementá-las.

Há uma coisa que não deixa de ser impreterioso: tem de haver gente e entidades locais que estejam disponíveis para não estarem a lidar com o jogo e outras coisas. Temos infraestrutura financeira para fazer isto? Os bancos conseguem avaliar um investimento que não seja num casino ou num empreendimento imobiliário? Isto tem de ser liderado no processo de combinar as associações, bancos, governo, indústrias, fornecedores de tecnologias, parcerias para a transferência de conhecimento e tecnologia com a China e provavelmente com Hong Kong, Singapura ou outros sítios da Ásia e com a lusofonia. Macau tem uma infraestrutura própria, continental europeia e de matriz portuguesa e isto quer dizer valor económico e social. Não houve a regeneração de Guimarães, Cidade Europeia da Cultura? Ninguém vai dizer para se fazer em Macau o que se fez em Guimarães, mas pode-se importar muito conhecimento, experiência e recursos e localizá-los com Guimarães, Curitiba, com o centro histórico de Lisboa e pensar no que se faz na China, nas novas cidades verdes.

 

P.M. –  Como está a situação da ETAR de Coloane? 

A.T. – Está no processo final de projeto para começar o lançamento da obra de conversão para a reciclagem da água dentro de meses. O nosso contrato termina dentro de dois anos, nessa altura estará tudo pronto.

A capacidade de reciclagem de água vai ser a 180 mil metros cúbicos de água por dia, provavelmente vai ser maior ainda. Isso representa mais de dois terços do consumo de Macau. Imagine-se aquela estação em vez de estar a deitar água para os peixinhos deitá-la para as não sei quantas mil habitações que se vão construir. Não quer dizer que possa ser substituída toda a água que consumimos em Macau pela que é tratada pela ETAR, mas isso já reduz a necessidade, por exemplo, de importação para um terço da água que é consumida hoje e isto quer dizer voltar aos níveis de importação de água de há 40 anos. É mais barato hoje pegar na água do rio das Pérolas ou dos esgotos e transformá-la para nós a consumirmos do que trazê-la de 200 quilómetros de distância.

 

Patrícia Neves

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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