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REELEIÇÃO DE CHUI SAI ON MARCADA POR MAIOR PRESSÃO POPULAR

 

Fernando Chui Sai On encerra hoje uma campanha eleitoral “à Macau”, com poucas “arruadas” e muitas promessas. A melhoria da qualidade de vida da população é o grande compromisso do candidato único à liderança do Governo, tal como em 2009, mas a sua reeleição ficará marcada por uma pressão popular sem precedentes.

 

O grande desenvolvimento económico que Macau registou na última década e meia, alavancado pelo setor do jogo, transformou o território no quarto lugar com a maior riqueza per capita do planeta, depois do Luxemburgo, da Noruega e do Qatar, ultrapassando mesmo a Suíça, segundo dados recentes do Banco Mundial. Se, por um lado, esta realidade permitiu à população beneficiar de uma melhoria nas suas condições de vida, ela gerou simultaneamente novos desafios e exigências que têm elevado as expetativas quanto à ação governativa.

Fernando Chui Sai On, de 57 anos, membro de uma das famílias mais influentes de Macau, chegou ao Palácio da Praia Grande em 2009, sem qualquer oposição e eleito por um colégio eleitoral formado por 300 pessoas. O antigo deputado e diretor de uma escola secundária local, durante os anos 90, tinha assumido até aí uma das pastas mais exigentes da Administração local: os Assuntos Sociais e Cultura. A responsabilidade de gerir áreas tão diferentes como a saúde, a educação, cultura, turismo e desporto valeu-lhe mesmo o cognome de “super-secretário”.

As políticas sociais foram precisamente a tónica da sua primeira campanha eleitoral e do seu primeiro mandato e voltaram, nas últimas duas semanas, a dar corpo às suas promessas para os próximos cinco anos.

No manifesto de candidatura, Chui Sai On, que volta a não ter qualquer adversário na corrida à liderança do Executivo, delineou à partida o seu campo de ação: “Iremos resolver com prioridade as questões relacionadas com a vida do povo, como, por exemplo, a habitação, transportes, proteção ambiental, sistema de segurança social e recursos humanos, promovendo continuadamente a qualidade de vida dos cidadãos”.

Depois de apresentar o programa político, a 16 de agosto, saiu por duas vezes à rua e reuniu-se com representantes dos diversos setores sociais para ouvir as respetivas preocupações numa campanha “à Macau”, como constatou o deputado Leonel Alves. “Não podemos comparar com o que se passa no ocidente, onde os candidatos têm uma campanha muito mais ativa e dinâmica, com a organização de festas populares, mas aqui como a cidade é pequena e o colégio eleitoral é fixo, o chefe do Executivo tem contactado com a população ao longo do seu mandato, portanto, esta foi mais uma oportunidade de divulgar as suas ideias”, disse em declarações ao Plataforma Macau.

Nas duas vezes em que foi ao encontro da população, Chui Sai On, que optou nessas ocasiões por um guarda-roupa mais desportivo, sem gravata, reservando-a apenas para os encontros com empresários e membros do colégio eleitoral, viu-se rodeado de um mar de gente. Dezenas de jornalistas tiravam-lhe fotografias, filmavam-no, tentavam entrevistá-lo, enquanto o candidato multiplicava apertos de mão e trocava palavras com moradores. Ouviu protestos e recebeu petições. “Eu oiço sempre as opiniões da população”, foi assim que respondeu às críticas de membros da associação Novo Macau de que “não tem experiência de visita à comunidade, aparecendo na rua por dez minutos em vésperas de eleições”.

Leonel Alves salienta que “às vezes as pessoas têm a tendência de ver as coisas de modo mais ocidental” por considerarem que a campanha deve passar mais por “visitas a mercados e às principais artérias da cidade”.

“Há várias formas de contactar com a população e esse contacto também pode ser estabelecido através das associações, o chefe do Executivo tem vindo, ao longo destes cinco anos, a fazê-lo e desta vez parece-me que também houve várias reuniões”, apontou Leonel Alves.

O académico Camões Tam compara a campanha de Chui Sai On a uma ópera cantonense. “Se sabemos que vamos ganhar de certeza, não precisamos de investir muitas energias na campanha, portanto, acho que ela não teve surpresas, foi como uma ópera cantonense, em que apenas tivemos a oportunidade de apreciar a atuação de Chui Sai On”, observou. Este analista salienta que “há cinco anos Chui Sai On estava com receio de que alguém aparecesse de repente para concorrer com ele, mas como desta vez não há concorrentes, é muito seguro”.

O facto de não haver mais candidatos é interpretado por Camões Tam como uma reação de Pequim ao crescente movimento de oposição política registado na vizinha Hong Kong. “A campanha ‘Occupy Central’ tem gerado um movimento fora de controlo e o Governo central chinês não quer que o mesmo aconteça em Macau, pelo que apoiou Fernando Chui Sai On a candidatar-se novamente, pois deseja que Macau tenha um ambiente estável”, sustentou.

 

CONTRA-CAMPANHA

Enquanto Chui Sai On se reunia com várias associações numa sala do edifício World Trade Center, onde teve lugar a maior parte das suas atividades eleitorais, a associação Novo Macau e outras do campo pró-democrático levaram a cabo uma contra-campanha nas ruas e em diversas frentes.

No domingo, o chamado “referendo civil” sobre a implementação do sufrágio universal na eleição do chefe do Executivo de 2019 começou a ser realizado por três associações, depois de ter sido considerado pelas autoridades como ilegal. Cinco elementos da organização foram detidos, entre os quais o vice-presidente da Novo Macau, Scott Chiang, que agradeceu ao Governo e à polícia “a publicidade dada ao referendo” com as detenções.

Um dia depois, milhares de trabalhadores do setor do jogo saíram à rua para exigir aumentos salariais e melhores condições de trabalho. O protesto foi dirigido às operadoras de jogo e organizado pela Forefront of Macau Gaming, presidida por Ieong Man Teng, que também é membro da Novo Macau e foi número três da lista às últimas legislativas liderada pelo ex-presidente dessa mesma associação Jason Chao, que esteve envolvido no “referendo”.

A Novo Macau pediu ainda um encontro com o candidato a chefe do Executivo, tendo, porém, sido recebida pelo mandatário num encontro, durante o qual pediu a realização de uma consulta pública sobre a reforma política. “Ele pode ser nos próximos cinco anos o chefe do Executivo, pelo que tem o dever de ser a nossa voz em Pequim. Se uma parte da população quiser que a reforma política avance na direção do sufrágio universal, ele tem de ser a nossa voz”, afirmou Scott Chiang, no final.

Leonel Alves considera que estes episódios constituem uma “confluência de fatores que de certeza não é uma mera coincidência”, refletindo o “próprio calor político em que as pessoas aproveitam este pico do ciclo político para manifestar as suas ideias, exercitar os seus direitos de liberdade de expressão e procurar ganhar posições políticas ou económicas”. “Acho que está na senda daquilo que tem vindo a acontecer em Macau nos últimos dois, três anos”, acrescentou.

Camões Tam constata que há dois tipos de residentes: “os chineses, que são a maioria, e sete a dez mil pessoas que são filhos da terra, macaenses/portugueses, e julgo que apenas estes e uma pequena percentagem da população chinesa apoiam o sufrágio universal”. “A maioria das pessoas não tem muita consciência política e está mais preocupada em ganhar dinheiro”, observou, ao considerar que a contra-campanha da oposição “não teve qualquer impacto sobre a campanha de Chui Sai On, pois o chefe do Executivo é eleito por 400 pessoas, cuja maioria pertence aos grupos de interesses estabelecidos”.

Para Leonel Alves, que é membro do colégio que vai eleger Chui Sai On, o único efeito das ações da oposição foi o facto de terem “ganhado visibilidade”. “O que releva mais para estes setores é ganhar visibilidade e pelos vistos a imprensa tem-lhes dado grande projeção, mas julgo que isto não afetou a campanha”, defendeu.

No seu manifesto de candidatura, Chui Sai On refere que o seu próximo Governo irá “promover estavelmente o desenvolvimento da democracia”.

 

PEDIDOS E PROMESSAS

Numa das iniciativas da campanha de Chui Sai On, o seu slogan “Aspirações Comuns para o Futuro e Partilha da Prosperidade” foi desafiado por um residente, que deu voz à grande reivindicação da população: partilhar os frutos do desenvolvimento económico. “Diz que quer a população unida para um futuro melhor, de forma a todos podermos partilhar a prosperidade, mas as pessoas querem partilhar a prosperidade primeiro antes de se unirem por um futuro melhor. Os residentes da classe média e das classes mais baixas devem estar em condições de partilhar a prosperidade primeiro para que possam trabalhar para um futuro melhor”, defendeu.

A resposta de Chui Sai On gerou mesmo aplausos: “É uma sugestão muito boa e vou pensar profundamente sobre ela. Devo trabalhar no sentido de toda a gente desfrutar da prosperidade primeiro para que os residentes se unam por um futuro melhor e trabalhem duro pelo desenvolvimento de Macau”.

A habitação é a área que mais preocupa a população devido aos preços galopantes registados no mercado privado e que dificultam cada vez mais a aquisição de casa e, por isso, foi o tema mais abordado durante a campanha do candidato a chefe do Executivo. “Não tenho uma varinha mágica, mas posso dizer-vos que vamos tentar dar o nosso melhor. Os jovens têm urgência em comprar casa depois de começarem a trabalhar e essa esperança deve poder ser concretizada”, defendeu Chui Sai On numa das atividades eleitorais.

Ao garantir que o próximo Governo “não [se vai] esquivar das responsabilidades para resolver os problemas e conflitos sociais”, o candidato prometeu a construção de habitação pública nos novos aterros e nos terrenos desaproveitados ao atribuir o aumento dos preços da habitação à “oferta insuficiente”. O setor imobiliário apelou, no entanto, para que seja dada prioridade à habitação social, manifestando preocupação com a possibilidade de a habitação pública constituir uma eventual concorrência à privada.

Perante o risco de bolha imobiliária para o qual o Fundo Monetário Internacional de Macau chamou recentemente à atenção, houve residentes a reivindicar do próximo Governo medidas para “controlar o mercado e fazer baixar os preços”.

As questões laborais foram outro dos grandes temas que marcaram esta campanha. O deputado Lam Heong Sang alertou, num encontro com o candidato, para o “facto de uma taxa de desemprego baixa não significar que não existam problemas no setor”, considerando que os trabalhadores não estão a usufruir dos frutos do desenvolvimento económico. Em linha com esta perspetiva estão as associações representantes dos funcionários públicos, que pediram aumentos salariais em janeiro de 2015. Chui Sai On prometeu estudos e defendeu o aumento sobretudo dos trabalhadores da Administração que auferem salários mais baixos.

Outra das intervenções mais marcantes do candidato foi a sua manifestação de apoio a uma licença de paternidade paga. “Seria uma grande ajuda em questões práticas e emocionais se os maridos pudessem ficar em casa a ajudar, para além de ser bom para os bebés”, afirmou.

As pequenas e médias empresas reiteraram as queixas de falta de mão de obra e Chui Sai On voltou a sublinhar que a prioridade continuará a ser a proteção dos trabalhadores locais, que manterão o acesso exclusivo a determinados postos, como o de croupier.

Aumentar o número de mulheres nos órgãos consultivos, dando-lhes mais peso na política, e a criação de sistemas de certificação profissional em áreas como o serviço social, engenharia e medicina foram outras promessas deixadas por Chui Sai On, que manifestou ainda abertura para que o salário mínimo venha a “estender-se a todos os trabalhadores”.

Quanto ao motor da economia local, o jogo, o candidato adiantou que haverá uma consulta pública sobre o processo de revisão das licenças, defendendo um maior investimento das operadoras em áreas não relacionadas com as apostas.

No campo da diversificação económica, Chui Sai On revelou, durante a campanha, que está a ser estudada com Pequim a possibilidade de os produtos da China que são exportados para os países de língua portuguesa passarem antes por Macau. “Procuraremos aprofundar a cooperação e o intercâmbio com os países lusófonos e outros latinos  (…) e continuar a desempenhar o papel de ponte entre o interior da China e os países lusófonos”, refere o programa político do candidato.

Leonel Alves considera que os objetivos de Chui Sai On são “uma síntese das Linhas de Ação Governativa e o desenvolvimento das políticas que tem vindo a implementar” e reconhece que as expetativas da população são altas.

“Acho que a população está à espera de reformas inadiáveis em determinados setores da ação governativa, designadamente na habitação, transportes, saúde e educação. Às vezes as palavras não são suficientes, é preciso ação e há uma expetativa, creio, da sociedade de ver que ação será implementada a curto prazo após o início do quarto Governo”, sustentou.

Camões Tam considera que as expetativas da população em relação ao próximo Governo passam por “mais habitação pública, construção rápida do metro ligeiro e mais subsídios”, salientando que “não se pode negar” o trabalho concretizado por Chui Sai On nos últimos cinco anos. “Edmund Ho deixou muitos problemas por resolver como a habitação pública, o novo hospital das ilhas, o metro ligeiro e a inflação e Chui Sai On fez muita coisa, foi melhor do que Edmund Ho, por exemplo, vemos que o metro ligeiro começou a ser construído, mas com Edmund Ho provavelmente nunca o veríamos”, concluiu.

 

Patrícia Neves

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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