Cerca de 50 mil elefantes e mil rinocerontes são mortos todos os anos em África. Moçambique é um dos piores exemplos da caça ilegal
Ambientalistas apelaram ao Presidente norte-americano Barack Obama para que imponha sanções comerciais a Moçambique por facilitar a caça de elefantes e rinocerontes em várias áreas da África Austral.
Os investigadores alegam haver provas claras de que Maputo não tem respeitado as convenções internacionais no que diz respeito ao tráfico de animais selvagens. Além disso, este crime tem contado com a cumplicidade e conivência do Estado moçambicano, argumentam.
Recorde-se que, no ano passado, Barack Obama criou uma nova estratégia para combater o tráfico internacional de animais selvagens – com foco no marfim. No entanto, especialistas acreditam que as ações de Moçambique estão a minar todos esses esforços e a ameaçar estas espécies em todo o mundo.
A assinatura de mais uma petição, anunciada publicamente na quarta-feira, vem agora fornecer novas provas sobre esta questão e deixar um apelo ao presidente norte-americano para que faça uso dos seus poderes legais e leve Moçambique a reprimir a atividade dos caçadores.
“Moçambique continua a desempenhar um papel cada vez maior e incontido na caça furtiva de rinocerontes e elefantes,” disse à agência Inter Press Service (IPS) Susie Ellis, diretora executiva da Fundação Internacional de Rinocerontes – também uma das peticionárias.
“Apesar de terem sido dadas ordens pela comunidade internacional para aprovar mecanismos de controlo, estes têm sido aplicados de forma vaga e sem efeitos significativos. A realidade da caça ilegal em grande escala e o comércio ilegal de chifres de rinoceronte e marfim dos elefantes de Moçambique minou diretamente os [esforços] do presidente Obama no combate contra o tráfico de animais selvagens.”
Em conjunto com redes de crime organizado, os caçadores furtivos abateram ao longo dos últimos três anos um número recorde de elefantes e rinocerontes, principalmente no continente africano. Cerca de 50 mil elefantes são mortos todos os anos em África, ao lado de mil rinocerontes, deixando apenas 250 mil elefantes a viver em ambiente natural a nível mundial.
A ajudar ao crescimento deste mercado ilícito está o aumento do consumo na Ásia, particularmente na China e no Vietname. De acordo com um relatório da ONU de 2013, as grandes apreensões de marfim com destino ao continente asiático mais do que duplicou desde 2009.
A petição tem como base um acordo internacional para o tráfico de animais selvagens, mais conhecido como CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas. O documento chama a atenção para o facto de Moçambique ter um papel cada vez mais influente na caça ilegal de marfim africano, o que tem acabado por anular a eficácia desta convenção.
“Dados divulgados indicam que os cidadãos moçambicanos constituem o grosso das detenções de estrangeiros por atividades de caça ilegal na África do Sul. Redes de crime organizado com base em Moçambique estão a impulsionar o comércio ilegal de chifres de rinocerontes e marfim de elefantes em grande escala”, pode ler-se na petição.
“Dada a abrangência e a profundidade da matança ilegal e do comércio de produtos de rinocerontes e elefantes por parte de cidadãos moçambicanos, nós apelamos aos Estados Unidos (…) para que decretem sanções comerciais substanciais.”
CUMPLICIDADE DAS AUTORIDADES
Ativistas acreditam que a intervenção das autoridades moçambicanas poderia ter um impacto significativo e imediato na venda de marfim ilegal.
As autoridades estimam que 80 a 90 por cento de todos os caçadores do Parque Nacional Kruger na África do Sul sejam cidadãos moçambicanos. Grupos locais alertam que, à noite, mais de uma dezena de grupos de caça furtiva rondam o parque – grande parte são oriundos de “núcleos de caça” bem identificados no outro lado da fronteira, em Moçambique.
Entretanto, a aplicação da lei que regulamenta a vida
selvagem em Moçambique é praticamente inexistente e as multas para a caça ilegal e para o tráfico não têm sido eficazes. Mudar este cenário parece quase impossível devido à cumplicidade do Estado.
“É impossível que este nível de atividade ilegal vá para a frente sem a cumplicidade ao mais alto nível”, explicou à IPS Allan Thornton, presidente da Agência de Investigação Ambiental (EIA na sigla inglesa), um grupo observador com sede em Londres coautor da petição.
“Acreditamos que ex-funcionários militares estejam a dar proteção política às redes [de tráfico], a fornecer armamento e a financiar essas equipas de caça furtiva. Há provas substanciais que implicam a polícia e os militares.”
Moçambique faz um controlo rígido à aquisição das armas utilizadas por todos os caçadores do país, observa Thornton, notando, porém, que estas armas estão à mão de semear dos agentes militares. Uniformes da polícia e de militares têm sido repetidamente encontrados nos campos de caça furtiva.
Thornton sublinha que, devido à quantidade de informações disponíveis, dar forma a esta nova petição foi um trabalho que levou vários meses.
“Se todos os cidadãos moçambicanos foram impedidos de atravessar ilegalmente a fronteira, a caça furtiva poderia sofrer uma queda significativa. Mas, apesar das obrigações legais previstas pela CITES, a lei não tem sido aplicada por parte de Moçambique”, considera ainda o presidente da EIA.
E alerta: “Acreditamos que o governo de moçambicano deve ser responsabilizado pelas suas ações e agir com rapidez contra as atividades destes caçadores, organizações criminosas e aqueles que as protegem. O governo poderia fechar este comércio numa só semana.”
ATIVIDADE SEM PARALELO
Allan Thornton não sabe se o governo de Obama tem exercido alguma pressão diplomática sobre o governo de Moçambique na questão do tráfico de animais selvagens. Mas, o presidente da EIA admite que, ao assinar esta nova petição, estes grupos estão a destacar que Barack Obama tem todo o apoio legal para agir nesta questão.
De acordo com a lei norte-americana – a Emenda Pelly – o presidente está autorizado a impor sanções comerciais a um país que esteja a “diminuir a eficácia” de um programa internacional de conservação. (Não foi possível contactar as autoridades dos EUA para comentar o assunto).
Além disso, há um precedente notável sob o qual avaliações passadas – acionadas por petições da EIA – tiveram especial sucesso. Há duas décadas, foi apresentada uma petição semelhante contra o tráfico de partes de rinocerontes e tigres que seguiam por Taiwan até chegar à China.
Esse esforço resultou numa série de sanções comerciais impostas pelos EUA. Ao longo dos dois anos seguintes, os governos de Taiwan e da China estiveram envolvidos no combate ao comércio ilegal destes produtos.
“Isso teve um grande impacto na redução da demanda [de marfim] e na redução da caça furtiva de rinocerontes praticamente em todo o mundo”, realça Thornton.
“Assistimos a uma estabilização mundial das populações de rinocerontes, porque dois dos maiores mercados consumidores acabaram por fechar. É isso que queremos que aconteça agora em Moçambique.”
E continua: “Nós esperamos uma resposta rápida, porque atualmente o âmbito das atividades ilegais a que assistimos – em que um país envia centenas de caçadores para outro país – é praticamente inigualável.”
IPS
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