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A GUERRA DA BANCA VIRTUAL

Portais online invadem na China o espaço antes reservado à banca tradicional, contornando, entre outras, as regras que ditam a gestão do risco. É hoje um dos debates mais acalorados na imprensa do Continente, com os bancos a pressionarem o Governo para que imponha restrições a um jogo que faz cair os depósitos a prazo. Os grandes magnatas do novo mundo encontram buracos na lei que abrem as portas a novos hábitos de consumo e dão ao cidadão comum acesso a operações financeiras antes reservadas aos impérios financeiros do Estado.

 

O dinamismo inicial do Yu’EBao tem vindo a encontrar novos obstáculos nos últimos tempos. O ritmo de crescimento imposto nos últimos sete anos começou gradualmente a descer, tendo na semana passada batido um novo recorde negativo. Alguns analistas acreditam que o saldo positivo do Yu’EBao estará nesta altura já abaixo dos 5%. As campanhas de captação de fundos que ofereciam juros “15 vezes os atuais juros bancários ” começaram a perder o poder de sedução que teve nos primeiros tempos da sua entrada no mercado. A reação não se fez esperar. O Yu’EBao, a maior empresa de comércio eletrónico da China, que promove produtos de baixo custo, vende agora também serviços financeiros de valor acrescentado, prestados pela parceria entre o Alibaba e Tian Hong AssetManagement CO.,LTD. Através deste fundo, os utilizadores do Alipay (plataforma de pagamento online) podem gerir fundos dispersos e usá-los em diversas operações de investimento. Desde o seu surgimento, em Junho do ano passado, o Yu’EBao conseguiu captar mais de 50 milhões renminbi (8 milhões dólares) em capital e 80 milhões de utilizadores, segundo dados divulgados pelo departamento de estatísticas do Banco Popular da China. A taxa de juros oferecida a essas operações subiu até aos 6,76%.

Além do Alibaba, também o Baidu, Tencent, Suning e Sina, bem como várias outras empresas de comércio eletrónico com portais na Internet foram sucessivamenteintroduzindo novos produtos financeiros, alguns deles típicos da banca tradicional. Segundo a agência Xinhua, estas empresas têm vindo rapidamente a alargar as suas quotas de mercado na prestação de serviços financeiros online.

 

RAZÕES DA EUFORIA ONLINE

O internet banking (pagamentos online) surgiu primeiro nos Estados Unidos, mas foi na China que realmente “explodiu”. Por um mlado, porque no país de origem não surgiram tantos magnatas a investir na Internet como na China; por outro, esse modelo de negócio não foi realmente explorado até à exaustão. “Se os bancos não mudarem, mudaremos nós os bancos”. Quando o fundador do gigante chinês AliBaba, Ma Yun, disse isto há dois anos, toda a gente pensou que estaria a brincar. No entanto, hoje em dia, a venda de serviços online é a parte crucial das operações de empresas como o AliBaba, Tencent e Baidu, o que deixa a banca tradicional a tremer. Por força desta concorrência, os bancos começam a subir os juros que praticam nos depósitos, desenvolvem novos e melhores serviços financeiros e têm equipas na rua a angariar clientes. Pelo menos em parte, a profecia de Ma Yun realizou-se: os processos de comercialização dos produtos e as taxas de juro nos mercados financeiros aceleraram consideravelmente. Por que é que na China os pagamentos online tiveram tanto impacto, provocando mudanças estruturais no sistema financeiro nacional? Na verdade, o fenómeno deve-se à conjugação de vários fatores, alguns de índole externa, passando pelos novos hábitos populares de consumo, até à capacidade de desenvolvimento desta nova indústria.

 

CRESCIMENTO DESIGUAL

Nos sistemas liberais de mercado permite-se o desenvolvimento de grandes indústrias, sejam elas financeiras ou tecnológicas. Entretanto, os bancos usam a Internet para inovarem e melhorarem a eficiência dos seus serviços, sem contudo prescindirem dos principais serviços da indústria financeira. Já na China, os grandes bancos estatais concentram a concessão dos créditos de longo prazo dados à maioria das grandes empresas, obtendo com isso lucros altíssimos. Por seu turno, a banca comercial de capital aberto tem como principal mercado os depósitos indivisduais. A Lei Bancária chinesa prevê expressamente a banca privada, mas desde 1998 não é emitida qualquer licença.

A banca tradicional tem alguma dificuldade na oferta de novos serviços, o que facilita o crescimento da banca online, que assim combate o monopólio dos bancos estatais. A China tem o maior número de utilizadores de smartphones do mundo e é o país no qual as empresas online crescem mais rapidamente. As empresas de comércio eletrónico adoptam formas mais flexíveis de fazerem negócio, apresentando vantagens competitivas no campo da inovação e, consequentemente, na multiplicação do lucro. E esse é também o desafio que agora enfrenta a banca tradicional. No já citado relatório do Banco Popular da China sobre a Estabilidade Financeira da China em 2014 é dito que os pagamentos online não servem apenas as “instituições não financeiras e as empresas de serviços na Internet”, existindo  também “instituições financeiras que usem os serviços de Internet”. Tese, essa, que não se foca na competição, mas perspetiva nacional de esclarecimento da relação entre os bancos e as empresas cibernéticas, que pode ser de win-win. Outra questão muito debatida é a dúvida de se saber se os bancos e os grandes portais online conseguem expandir os serviços financeiros, dando resposta ao mercado e às necessidades dos consumidores.

 

HÁBITOS FINANCEIROS

A diferença entre os hábitos financeiros nacionais e estrangeiros é um lugar comum. Nos Estados Unidos, como noutros países igualmente desenvolvidos, investe-se no futuro, nas pensões o nos seguros de saúde. Os investimentos são maioritariamente geridos por instituições especializadas e o consumidor comum não é um investidor compulsivo. Na China a situação é diferente. Dadas as limitações da segurança social e as dificuldades de acesso ao crédito, o povo chinês ainda tem o hábito de poupar e de guardar o dinheiro nos bancos, sempre a pensar no futuro, na velhice ou na educação. A população encontra agora nos fundos  online uma fonte fácil e acessível de rendimento. Até os “diaosi” (classes baixas) contribuem para impulsionar a banca online . “Diaosi” é um termo auto-depreciativo que os cibernautas usam para se descreverem, mas é também uma expressão que denuncia as desigualdades sociais. Os jovens confrontam-se diariamente com pressões sociais, com a subida do preço da habitação, com o dinheiro que nunca falta aos “Srs Perfeitos” e os limites de crédito impostos pelos bancos aos jovens com salários mais baixos. A Yu’EBao, e outros produtos do género, que não impõem os mesmos limites , deram resposta às necessidades destes jovens, que assim já podem comprar telemóveis, pagar a Internet ou aceder a inúmeros “luxos” aos quais antes não tinham acesso. Por isso os “diaosi” são também uma força que impulsiona os grandes portais eletrónicos.

 

CONCORRÊNCIA E COMPETIÇÃO

A relação entre a banca e a indústria cibernética é tensa também por força da capacidade dos novos magnatas chineses, que têm demonstrado talento quanto baste para agarrarem as oportunidades criadas pelas transações online. Em meados do ano passado, o portal Alibaba, o maior fornecedor de serviços online da China, mas tambérm o Tencent – fortes competidores – entraram em força na prestação de serviços financeiros. O Alibaba pagou uma pequena fortuna por uma rede de serviços da Alipay – AlipayWallet – e pela criação de serviços de valor acrescentado; o Tencent abriu um micro-canal de internet banking. Ainda no mês passado, o maior motor de busca da China, o Baidu, juntou-se “à guerra das wallets”, lançando a BaiduWallet. Embora tenham serviços semelhantes, cada uma das três empresas tem características próprias. Nos últimos anos, o Taobao tem usado a Alipay para conquistar mais consumidores. Mais recentemente, juntou-se a um dos sites mais bem sucedidos da China, o China UnionPay, lançando a opção O2O(online to offline). O BaiduWallet permite formas mais fáceis de pagamento, incluindo serviços financeiros que ativou para viagens, compras, música, vídeos, e websites móveis de formato O2O.

Os sistemas de pagamento online são hoje muito competitivos entre si. O Alipay e o Tencent lançarem quase em simultâneo dois softwares de serviços de táxis para telemóvel, continuando a investir forte para atrair mais consumidores aos seus serviços de micro pagamentos. Juntas, as duas empresas investiram cerca de 3 mil milhões renminbi (481 milhões dólares) , só neste novo serviço, rapidamente atraindo milhares de motoristas de táxi e de consumidores. A competição no O2O atingiu níveis muito altos, não havendo limite nos gastos para os cartões de consumo.

Não há um verdadeiro consenso na China sobre os efeitos destes modelos de negócio, no médio e no longo prazo. O fundador da maior plataforma norte-americana de P2P, Soul HtiTE, defendeu a 1O de Maio no Fórum Mundial de Finanças de Wudaokou que a consequência mais relevante da banca online na China não é propriamente a acumulação de capital, mas sim o contributo que dá para o cresciento de uma economia na qual as pequenas e médias empresas não conseguem ainda ter oportunidades suficientes para se desenvolverem.

 

LACUNAS NA REGULAMENTAÇÃO

De acordo com a Comissão Reguladora de Valores da China, os investimentos em fundos monetários de risco não podem ultrapassar em 30% os ativos líquidos. No entanto,  Yu’EBao e outras instituições similares já estão acima dos 90%. Foi a “pisar a linha” e  a usar lacunas na regulamentação dos bancos que o conseguiram, considera o diretor do departamento de estatísticas do Banco Popular da China, ShengSongcheng. No entanto, ainda não há resposta para problemas como a proteção dos pagamentos por Internet, o controlo dos pagamantos P2P, a privacidade dos consumidores ou a garantia da segurança dos capitais, entre outros riscos potenciais.

Na Europa e na América já existem sistemas de controlo para este tipo de transacções. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando uma instituição não financeira fornece serviços de pagamento online, é vigiada por instituições governamentais, tanto a nível estatal como federal. O objetivo primeiro dessa regulamentação é o de proteger os direitos dos consumidores, para além dos relatórios exigidos para combate aos crimes financeiros. Além do mais, a Comissão Reguladora de Segurança dos Estados Unidos entende que as redes de P2P (pessoa a pessoa) devem ser restringidas por leis apertadas. Também os países europeus têm leis que regulam as rede de pagamento eletrónico. A maioria destes países optou por nem sequer fazer leis especiais, antes generalizando para todos as leis que regulam a atividade da banca, incluindo as restrições ao crédito.

A tendência na China parece ser a de implementar regulamentação específica para os pagamentos eletrónicos. Vários especialistas especulam sobre o conteúdo que terão estas leis, agora na forja. Há uns dias atrás, o “EconomicDailyNews” citou uma fonte do Banco Central da China, segundo a qual alguns dos futuros requisitos passam por “não se poder prometer receitas” nem permitir “imcompatibilidades de curta duração”. Além disso, concluiu a fonte não identificada, essas empresas terão de ter “liquidez garantida”. Já anteriormente o Banco Central tinha dito que o Yu’EBao deveria associar-se a alguns bancos de investimento, como forma de garantir o nível das suas reservas financeiras. Entretanto, os defensores da inovação online  sustentam que, se houver a imposição de reservas financeiras equivalentes a 20,5% da massa circulante, como muitos sugerem, as receitas da indústria cairão, no mínimo, um ponto percentual. Aplicar legislação que reduza as margens de lucros é outra das formas que tem sido debatida como hipótese de homogeneizar os fundos eletrónicos e os depósitos bancários tradicionais. Hipótese que, segundo alguns analistas, pode reduzir a dinâmica online e provocar um profundo impacto em toda a indústria.

 

Vivian Yang


 

 

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