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“O isolamento tem um impacto enorme na saúde mental dos idosos”

Catarina Brites Soares com Johnson Chao

A pandemia levou o Instituto de Acção Social (IAS) e lares a limitar o contacto entre utentes e o exterior. O PLATAFORMA foi perceber que impacto teve o afastamento social na terceira idade. Psicóloga alerta que a cura para um problema não pode ser a causa de outro: a solidão.

O afastamento e limitar ao máximo a interação foram soluções para responder à crise de saúde pública causada pela pandemia do vírus SARS-CoV-2. Talvez pela primeira vez na História, cuidar significou distância, ausência de contacto e afeto físicos.

O zelo acresce quando se trata dos idosos, considerado um dos grupos de risco
do novo coronavírus. Mais vulneráveis são um alvo apetecível para a doença da COVID-19 que já causou mais de um milhão e meio de mortes.

Macau tem sido uma exceção: apenas com 46 casos, limpo há meses e sem uma única vítima mortal. As medidas não foram por isso mais ténues. Também no território, à semelhança do resto do mundo, procurou-se proteger os mais velhos.

Ao PLATAFORMA, a psicóloga Lam Lai Fong afirma que as medidas de prevenção contra a pandemia criaram uma profunda sensação de solidão em geral, especialmente nos primeiros meses do ano quando o vírus estava mais agressivo e era ainda desconhecido. “O isolamento tem sem dúvida um impacto enorme na saúde mental dos idosos. É o grupo da sociedade que mais depende dos outros para ter vida social”, diz.

A tecnologia foi a resposta para colmatar a ausência do contacto presencial, por meio das videochamadas por exemplo. A fórmula para manter alguma normalidade estendeu-se também às instituições de acolhimento de pessoas mais velhas, como os centros de dia e os lares. Apesar de ser a possível, Lam avisa que nem sempre é a solução ideal. “Muitos idosos não estão familiarizados com a tecnologia e formas virtuais de manter o contacto, e isso vai agravar o sentimento de solidão e de abandono”.

Ao nível do impacto na saúde mental e emocional, a psicóloga notou que as restrições contribuíram também para o aumento dos conflitos familiares. “Derivados sobretudo das medidas de distanciamento social e do choque ao nível de noções e opiniões diferentes sobre se é seguro sair à rua e convívios durante a pandemia. Ouvi muitas queixas, especialmente quando a pandemia estava no início e porque os familiares mais velhos se recusavam a ficar em casa e continuavam a ter uma vida social ativa. Isto prova que há uma necessidade evidente destas pessoas terem sociabilidade”, refere.

“Mais do que nós porque têm muito menos a acontecer nas respetivas vidas. A maioria não trabalha e não tem outras ocupações. O sentido de existência, o que os faz sentir vivos depende muito do convívio”, assinala. O equilíbrio entre proteger a saúde física e a mental, realça, é indispensável.

“Se as necessidades emocionais não são colmatadas por um longo período de tempo pode conduzir a situações de depressão, inutilidade, de desespero e de abandono – estados com os quais temos realmente que nos preocupar”, alerta a especialista, ressalvando que o caso dos idosos que vivem sozinhos é ainda mais preocupante.

Lam Lai Fong reconhece a dificuldade em conseguir uma simetria tendo em conta que a pandemia não acalma e a situação está sempre a mudar, exigindo novas respostas. É por isso que defende ser crucial que haja maleabilidade e que se procure novos equilíbrios face aos contextos que vão surgindo.

“Quando se analisam as medidas a tomar é crucial que se tenha em conta o bem-estar emocional e psicológico dos idosos. A saúde mental é tão importante como a física. Se é necessário haver distanciamento social, como o isolamento, é importante que se criem recursos destinados a este grupo para que se mantenha algum nível de sociabilização e atividade.”

Hobbies, sentirem-se cuidados e atividades que combatam o stress ajudam, refere. “É importante que, independentemente da situação, encontrem significado no dia-a-dia.”

(Gonçalo Lobo Pinheiro)

Para isso contribuirá também que filhos e familiares estejam especialmente atentos e dedicados, acrescenta. “Liguem mais, arranjem formas de mostrarem que estão presentes para que continuem a sentir-se apoiados. Tudo ajuda a aliviar os tais sentimentos de solidão, abandono e afins”, apela.

Lam sublinha que os idosos são o grupo que mais precisa de atenção já que o que lhes dá sentido de vida é precisamente a ligação aos outros. “Daí que insista que, se houver necessidade de implementar medidas de distanciamento social, tenha sempre de se pensar em alternativas para que continuem a interagir.”

In Locco

Ada Kuan, diretora do Complexo de Serviços de Apoio ao Cidadão Sénior, explica como a entidade se adaptou. “Nunca proibimos as visitas”, diz.

Mas houve mudanças no centro da Caritas que acolhe 208 idosos em permanência, assiste 110 e recebe 25 durante o dia. “Em Hong Kong, como noutras cidades, os surtos surgiram precisamente nos lares. É muito importante que se mantenha um cuidado apertado para prevenir a pandemia”, defende.

Antes da situação pandémica, as visitas eram permitidas desde as 08h00 às 20h00, incluindo aos quartos. Com a pandemia, o período foi reduzido das 10h00 às 16h00, as idas aos quartos foram proibidas, as visitas passaram a estar limitadas a duas pessoas e a meia hora. “Sempre tomámos precauções deste género, que agora reforçámos”, frisa a responsável pela entidade com 162 funcionários.

Antes de se instituir o sistema do código de saúde, quem vinha de fora tinha ainda de declarar onde tinha estado e se tinha saído de Macau. Se apresentasse algum sintoma dos associados ao novo coronavírus – como tosse ou febre – era impedido de entrar. “Durante a visita, a pessoa estava impedida de tirar a máscara e não podia comer com o idoso”, acrescenta.

O impacto fez-se sentir mas, curiosamente, mais nos familiares. “Os familiares é que estavam mais preocupados. O facto de não poderem ir aos quartos, das visitas serem só de meia hora afetava-os. Ficavam preocupados como estariam os idosos, e se ficavam bem. Não notámos grandes efeitos psicológicos ou emocionais nos utentes”, assegura.

O centro seguiu as diretrizes tomadas pelo IAS, que exigiu a todos os lares a suspensão das visitas nos quartos a 8 de julho. “No entanto, podiam encontrar-se numa outra zona destinada às visitas, dentro do horário definido e até um limite de pessoas. No que se refere aos idosos mais débeis, o Instituto sugeriu as videochamadas”, refere o organismo ao PLATAFORMA.

Devido ao desenvolvimento da epidemia em Macau e à expetativa dos utentes de lares e familiares, o IAS diz que, após a auscultação das opiniões profissionais dos Serviços de Saúde, decidiu retomar as visitas de forma gradual nos lares para idosos a 11 de novembro. Atualmente há 22 lares, 12 subsidiados pelo IAS, disponibilizando um total de 2.400 vagas.

“Relativamente às alterações emocionais nos utentes dos lares, não se fizeram sentir. De referir que os lares de idosos subsidiados são providos de assistentes sociais qualificados que cuidam da saúde física e psicológica dos utentes. Assim sendo, quando são detetados problemas emocionais, os respetivos assistentes sociais prestam aconselhamento e comunicam a ocorrência destes problemas aos familiares para, em conjunto, tratarem da situação”, ressalva o organismo.

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