As autoridades de Hengqin e Macau preparam-se para uma nova fase de integração, com a proposta de construção de quatro novos postos fronteiriços e novas vias rodoviárias destinadas a melhorar a circulação entre as duas cidades. A medida, inserida numa proposta de planeamento da Zona de Cooperação em Hengqin, publicada a 30 de setembro e atualmente em consulta pública, promete reforçar as ligações físicas e económicas no delta do Rio das Pérolas.
Para José Alves, diretor da Faculdade de Gestão da Universidade da Cidade de Macau, a abertura gradual das fronteiras entre Macau e Zhuhai terá “um impacto económico significativo, diretamente ligado às diferenças económicas, sociais e institucionais entre as regiões”.
“No curto prazo, essas disparidades amplificam os efeitos da conectividade. Porém, à medida que as diferenças forem sendo reduzidas, o impacto relativo da facilitação fronteiriça tenderá a diminuir”, explica ao PLATAFORMA.
José Alves antecipa uma “integração económica acelerada” que poderá estimular “o comércio, o turismo e a utilização de serviços em ambas as regiões”. No entanto, alerta para efeitos colaterais: “A maior circulação de pessoas pode sobrecarregar infraestruturas em Macau e aumentar a procura habitacional e por serviços em Hengqin e Zhuhai, especialmente enquanto as disparidades em custos de vida e salários persistirem”.
O académico também sublinha que as diferenças regulatórias e de custos podem “criar uma competição desigual”, prejudicando setores tradicionais de Macau, como a restauração, mas beneficiando “áreas com potencial de crescimento, como o turismo, a educação internacional e a saúde especializada”.
A maior circulação de pessoas pode sobrecarregar infraestruturas em Macau e aumentar a procura habitacional e por serviços em Hengqin e Zhuhai, especialmente enquanto as disparidades em custos de vida e salários persistirem
José Alves, diretor da Faculdade de Gestão da Universidade da Cidade de Macau
Do ponto de vista urbano, Alves prevê que “as zonas residenciais da classe baixa e média em Macau podem perder atividade, à medida que residentes procuram retalhistas e entretenimento mais baratos do outro lado da fronteira”.
Num horizonte mais longo, o académico aponta dois cenários possíveis: um de sucesso, baseado na coordenação entre políticas públicas, e outro de tensão. “Com políticas coordenadas, é possível alinhar padrões salariais, custos de vida e regulamentações, promovendo uma integração equilibrada. Mas sem mecanismos de alinhamento, as desigualdades poderão acentuar-se, agravando frustrações tanto em Macau como em Hengqin”.
Para Alves, o impacto social será inevitavelmente assimétrico: “Os vencedores serão os trabalhadores que aproveitem novas oportunidades em setores dinâmicos, as empresas que acedam a mercados maiores e os consumidores que beneficiem de uma oferta mais diversificada. Mas os perdedores serão os trabalhadores menos qualificados, que enfrentarão pressão salarial e aumento do custo de vida, sobretudo em habitação e transporte.”
Apesar dos desafios, o académico vê na abertura de novos canais de mobilidade “um potencial de benefícios significativos”, desde que haja uma visão clara de equilíbrio e adaptação social. “Essa transformação resultará em satisfação para alguns e desconforto para outros. Toda a mudança envolve dinâmicas dessa natureza — o essencial será a capacidade coletiva de redefinir valores e interpretar o sucesso”.
Queda nos rendimentos leva consumo para Norte

Para Chris Wong, presidente da Associação de Agentes Imobiliários de Macau, a questão da mobilidade não explica sozinha as mudanças económicas e sociais que Macau atravessa. “Antes da abertura do posto fronteiriço de Qingmao e da implementação da política ‘“Rumo ao Norte para Viaturas de Macau’, os residentes já tinham o hábito de se deslocar ao interior da China para consumir”, recorda.
Segundo Wong, “a introdução dessas políticas aumentou a conveniência, mas não é esse o fator fundamental que levou à deslocação dos hábitos de consumo dos residentes para o norte”.
A causa principal, afirma, “reside no declínio dos rendimentos dos residentes de Macau”. O empresário aponta que a COVID-19 e os três anos de medidas de confinamento “causaram danos irreversíveis à economia da China continental”, o que afetou diretamente Macau, cujo turismo e indústria do Jogo dependem fortemente dos visitantes do interior.
Hong Kong começou a revitalizar o mercado imobiliário em 2022, com medidas consistentes. Macau só reagiu em abril do ano passado, com pouca força e demasiado tarde
Chris Wong, presidente da Associação de Agentes Imobiliários de Macau
“A nova legislação chinesa de 2021, que criminaliza a organização de cidadãos para jogarem em casinos no exterior, praticamente acabou com o modelo baseado nos grandes apostadores”, explica Wong, lembrando que “a prisão dos responsáveis dos grupos Suncity e Tak Chun marcou o fim desse ciclo”.
O resultado foi uma “queda drástica nos rendimentos dos setores dependentes do turismo e do Jogo”, o que acabou por reduzir o poder de consumo local. “Quando os rendimentos diminuem, deslocar-se a áreas mais baratas para consumir, torna-se uma escolha natural. Zhuhai oferece preços mais baixos, e essa diferença tornou-se mais relevante quando Macau começou a perder poder de compra”.
O especialista do imobiliário destaca ainda que a “queda acentuada dos preços da habitação — mais de 35% em relação ao pico — afetou profundamente a confiança no consumo e no investimento”.
“Macau é uma das regiões com preços de habitação mais altos da Ásia, e mais de 70% das famílias possuem casa própria. Quando a economia desacelera e as taxas de juro sobem, o rendimento disponível cai e o consumo retrai-se ainda mais”, acrescenta.
Wong critica também o atraso de Macau na implementação de políticas de estímulo: “Hong Kong começou a revitalizar o mercado imobiliário em 2022, com medidas consistentes. Macau só reagiu em abril do ano passado, com pouca força e demasiado tarde”.
Para inverter a tendência, Wong propõe “aumentar a promoção turística em mercados fora da China continental, lançar um plano de estímulo ao setor imobiliário e liberalizar os serviços de transporte por aplicações móveis”. Essas medidas, diz, “poderiam criar novas oportunidades de emprego e restaurar alguma confiança económica”.
Enquanto Hengqin planeia mais ligações fronteiriças, a integração física com Macau avança mais depressa do que a convergência económica e social. Para José Alves, “as fronteiras mais abertas são uma condição necessária, mas não suficiente, para uma prosperidade partilhada”.
Chris Wong partilha uma visão semelhante: “Sem aumento de rendimentos e diversificação económica, mais mobilidade pode apenas facilitar o consumo fora de Macau, agravando desequilíbrios internos”.