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Governo assume restrições como “prática comum”. Jornalistas pedem “acesso” e “liberdade”

A prática crescente de selecionar acessos a conferências de imprensa, quem pode - ou não - fazer perguntas; a demora, ou ausência de respostas por parte de entidades oficiais; e, até, pressões para que não se publiquem certos textos, está a levantar uma onda de choque nas redações

Paulo Rego

Surge no All About Macau a primeira denúncia contra restrições de acesso à informação, que indiciam novas formas de controlo da mensagem oficial. Pouco depois, o deputado Ron Lam interpela o Governo sobre “violação” da “Lei de Imprensa” e da “Lei Básica”; na semana passada, a Associação de Jornalistas de Macau (AJM), em comunicado, assume “preocupação” com restrições de acesso a atos públicos – e fontes – denunciando “pressões políticas” para impedir determinados textos; o presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), em declarações ao nosso jornal, sugere um encontro com Sam Hou Fai para “refletir sobre a relação com os jornalistas”. Media e Poder entram numa fase de tensão indisfarçável; e o diretor do PLATAFORMA toma posição.

As entidades organizadoras, de acordo com a situação real, irão dar prioridade à televisão, rádio, publicações com maior periodicidade e agências noticiosas

Gabinete de Comunicação Social

A AJM, “profundamente preocupada” com casos que sinalizam “grave deterioração da liberdade de imprensa”, enumera uma série de atividades governamentais às quais é barrado o acesso a alguns Órgãos de Comunicação Social (OCS); com acesso reservado a “um grupo selecionado”. Prática que “vai claramente contra a liberdade de acesso às fontes de informação, consagrado na Lei de Imprensa”. Por outro lado, continua a AJM, “observámos restrições crescentes quando repórteres tentam entrevistar funcionários nos eventos”; havendo ainda “outra nova norma que emerge: respostas sem resposta, e muito atrasadas”. Práticas que, diz a associação, “reduziram os jornalistas a ferramentas de propaganda e pouco contribuíram para uma comunicação adequada entre Governo e público de Macau”.

“Prática Internacional comum”

Em resposta às perguntas que enviámos, nos mesmos termos depois enviados a outras redações – outra prática comum – o Gabinete de Comunicação Social (GCS) garante que “salvaguardou sempre a liberdade de imprensa, de acordo com a lei, protegendo o direito à informação”. Contudo, assume, “tendo crescido a procura na cobertura noticiosa, as entidades organizadoras, de acordo com a situação real, irão dar prioridade à televisão, rádio, publicações com maior periodicidade e agências noticiosas”. Estratégia que defende ser “prática internacional comum”. Argumenta ainda o GCS que “grande parte das conferências de imprensa oficiais são transmitidas em direto, pelo que os OCS podem obter as informações através desse meio”. Sem acesso às fontes nem hipótese de as questionar, como lembra Guilherme Rego no seu editorial.

A lei de imprensa é muito explícita: os jornalistas têm o direito de aceder às fontes

José Miguel Encarnação, presidente da AIPIM

Tentámos questionar o futuro Chefe do Executivo; contactando o seu mandatário de campanha, Lei Wun Kong; e o gabinete de Ip Sio Kai, membro destacado da sua candidatura; uma que o escritório de campanha de Sam Hou Fai foi já desativado. Mas até ao fecho desta edição não houve resposta.

“A lei de imprensa é muito explícita: os jornalistas têm o direito de aceder às fontes”, diz ao PLATAFORMA o presidente da AIPIM, José Miguel Encarnação. E nas conferências de imprensa, o jornalista “tem acesso aos seus interlocutores e, olhos nos olhos, pode questionar sobre assuntos que considera pertinentes”. Se isso não acontece, “a atividade do jornalista perde essa interlocução, que é muito importante”. E se há mais comunicação social, “cabe às organizações arranjarem condições logísticas, recursos humanos e infraestruturas para albergar maior número de jornalistas”, conclui. Mais cáustica, a AJM rejeita o argumento do limite de lugares; até porque “foi aplicado em eventos que tiveram lugar no Centro Cultural de Macau – mais de mil lugares – ou numa recente conferência de imprensa do Conselho Executivo, numa sala com 50 lugares, ocupada por uma dúzia de jornalistas”.

Neste contexto, a AJM insta o Chefe do Executivo eleito a “reforçar a comunicação com a imprensa e a respeitar a liberdade de imprensa legalmente estabelecida. Seria uma importante montra para Macau provar ao mundo o seu sucesso na implementação de ‘Um País, Dois Sistemas’. Comunicado extenso, em tom raro para a cultura Media chinesa; e amplo destaque no jornal Ou Mun – também raro. A AJM chega a denunciar pressões censuradoras: “Observámos casos crescentes em que meios de comunicação locais foram solicitados a retirar artigos devido a pressão política, incluindo um artigo de opinião publicado durante o período de campanha do novo Chefe do Executivo”. Miguel Encarnação, avesso a comentar diretamente o comunicado de uma associação congénere – “não fica bem” – aborda o tema em abstrato: “Se há uma decisão da chefia de publicar – ou não – um artigo, isso é meramente funcional. Outra coisa é o jornalista ser obrigado a reduzir o espectro noticioso, porque não se sente à vontade para publicar o que quer que seja”.

Observámos casos crescentes em que meios de comunicação locais foram solicitados a retirar artigos devido a pressão política

Comunicado da AJM

Sugerindo ser boa altura para “um debate alargado sobre o que é o jornalismo; quem exerce e está apto a exercer a atividade jornalística; e de que modo jornalistas, organismos públicos, e semipúblicos, podem arranjar mecanismos para uma relação profícua”; Encarnação lembra que, “mais até do que facilitar a vida do jornalista”, está em causa o próprio interlocutor: “Se há uma situação e o visado nem sequer responde, não se está a defender”. Sobre a relação entre entidades oficiais e jornalistas, “era bom que entidades públicas de Macau, e as que representam a China Continental, se sentassem à mesma mesa e definissem temas e tarefas de cada um. Acabamos por não conseguir definir quem nos pode ouvir, uma vez que os diferentes departamentos de comunicação, informação, publicidade e marketing de entidades estatais, locais e da China Continental, falam com os jornalistas e acabamos por não perceber se são vontades separadas, ou concertadas. Muitas vezes temos que ir ao GCS para acreditações; outras são feitas diretamente com institutos ou fundações; noutros casos o jornalista tem de as enviar para o Palácio, e o GCS entra numa segunda fase. Nunca sabemos muito bem qual é o processo de acreditações e credenciações; de reconhecimento da atividade. É um bocado complicado trabalhar assim”.

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