Início » Das avenidas novas à liberdade criativa, acabando na descaracterização que vem de fora

Das avenidas novas à liberdade criativa, acabando na descaracterização que vem de fora

Antologia compilada por Tiago Quadros descreve século de arquitetura marcada pela “liberdade” criativa “depois de 1966”. Já hoje em dia, lamenta o arquiteto, “Macau não tem revelado essa preocupação, esse interesse”, pela qualidade do desenho

Paulo Rego

Tiago Quadros apresentou ontem na Creative Macau uma antologia sobre arquitetura e urbanismo em Macau, dividindo o século XX em três períodos: o primeiro, marcado pela “preocupação higiénica, novas avenidas, e portos”, a partir de 1911; depois o exercício de uma “liberdade” que não havia em Portugal, após 1966; e, finalmente, a “descaracterização” que se segue à liberalização do jogo”, após 1999. O arquiteto e autor cita um comentário de Jorge Figueira, quando em setembro apresentou a obra na Feira do Livro do Porto: “Este livro recoloca Macau como tema de discussão e investigação da arquitetura e do urbanismo”. Se isso acontecer “ficarei muito feliz”; até porque Macau “foi sempre periférico” nesse debate, conclui Quadros.

A coleção não tem só arquitetos, mas inclui alguns que marcaram o desenho da cidade. Quadros destaca “Álvaro Sisa Vieira, Manuel Graça Dias, Manuel Vicente, José Maneiras, Mário Duque… escrevem a partir do seu trabalho e de histórias pessoais”. Entre “muitos casos de interesse, talvez o principal – é inevitável dizê-lo – seja o Manuel Vicente”; porque “desenvolve processos e metodologias de projeto absolutamente novas”; e lança “uma geração de arquitetos, como Manuel Garça Dias, Diogo Burnay, e Pedro Ravara, entre outros”.

De todas as fases que esta antologia apresenta, [a depois de 1966] é aquela em que essa dimensão de liberdade é maior

Pedro Vieira de Almeida defende uma ideia que Quadros admite ser “mais fantasia do que realidade”, embora “muito interessante”. No início da década de 1990, deteta “uma via do meio a nascer em Macau, em torno de Manuel Vicente; distinta do que se fazia no Porto ou em Lisboa”, binómio dominante em Portugal. Graça Dias, por exemplo, chega recém-licenciado para trabalhar com o antigo professor – Vicente – regressa depois a Portugal e “desenvolve um trabalho único, e reconhecido, precisamente a partir dessa experiência em Macau”.

Essa geração, “mais desvinculada das suas origens”, experimenta um “sentido de muito maior liberdade, uma desinibição completa”, explica Quadros. A dada altura, Vicente “deixa de desenhar e faz trabalhos a partir de montagens, de fotocópias”; o que “não é inocente, antes resulta da crítica já muito evidente ao movimento moderno”. Com isso “contamina, influencia, Graça Dias, Pedro Ravara, ou Diogo Burnay”. Fenómeno “a partir de 1966 [1,2,3]; sobretudo com a vinda de uma geração muito jovem de arquitetos, na qual se incluem Manuel Vicente, José Maneiras, Henrique Mendia de Castro, ou Natália Gomes… aivados pelas manifestações contra a Guerra no Vietname, pelo Maio de 1968, e mestrados com professores muito sensibilizados pela matriz social da arquitetura”. Longe de Portugal, “do alcance e do olhar desses ditames, quiseram e tiveram espaço para novas ideias. De todas as fases que esta antologia apresenta, é aquela em que essa dimensão de liberdade é maior”.

A primeira fase, depois de 1911, “é sobretudo marcada por políticas urbanísticas higienistas, e novas vias como a Avenida Almeida Ribeiro”. Mas também por “obras nos portos, problema que se arrastou décadas”. Cria-se então uma ideia de cidade, “ainda muito à luz das normas vigentes na Europa”.

Um pouco por toda a China, “há arquitetura de enorme qualidade, como vemos aqui em Zhuhai, ou Shenzhen” (…) Contudo, “Macau não tem revelado essa preocupação, esse interesse

Após 1999, tudo gira à volta da liberalização do Jogo. “Não há na História de Macau impacto tão forte; muito ligado a leis desenhadas para a entrada de turistas vindos da China”. Esse crescimento exponencial “tem até maior impacto na vida das pessoas do que na arquitetura e no urbanismo”, defende Quadros, lembrando “o preço das casas e valor do metro quadrado”; e a forma como “os pequenos escritórios de arquitetos são incapazes de fazer face às exigências do mercado, que se transforma”. Vinga agora a “arquitetura corporativa”, vinda de fora. “Trabalham a partir da China, com recursos e honorários que não têm equivalência em Macau”; e “os escritórios de pequena e média escala, de matriz portuguesa, não têm entrada nos concursos públicos”.

Os “novos aterros”; e obras públicas como “o Terminal Marítimo da Taipa, ou o Metro Ligeiro, são profundamente marcadas por essa prática”. Um pouco por toda a China, “há arquitetura de enorme qualidade, como vemos aqui em Zuhuai, ou Shenzhen”, onde arquitetos que “tiveram experiências internacionais desenvolvem trabalho de grande qualidade; não só ao nível do desenho, mas também com preocupações fundamentais até de sustentabilidade, ressalva Quadros. Contudo, lamenta “Macau não tem revelado essa preocupação, esse interesse”.

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!