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“Quando disse que queria um fundo em patacas toda a gente se ria”

Contra o domínio dos instrumentos financeiros em dólares de Hong Kong, Bernardo Alves apostou no primeiro fundo em patacas, gerido pela primeira empresa gestora de fundos sediada em Macau. Três meses depois, o A&P Macau Patacas Money Market Fund já angariou 200 milhões de patacas; permitindo-se sonhar com “possíveis” mil milhões. Para isso tem de avançar para fundos privados, testar a atração da pataca na Grande Baía e, um dia, no mais longínquo sonho dos Países de Língua Portuguesa

Paulo Rego

– Quando e como surgiu esta ideia?

Bernardo Alves – A ideia iniciou-se em 2008, quando voltei da universidade, mas era complicado. Não havia uma empresa, nem ‘track record’; e ficou adiado até 2016, quando fomos a Hong Kong falar com o Banco da China.

– Oito anos de maturação?

B.A. – Entretanto fizemos investimentos em Portugal, em IT e no F&B. Uma aprendizagem, ao mesmo tempo a refinar estratégias de distribuição e alocação de capital. Demorou o seu tempo a ganhar maturidade. Quando o Banco da China mostrou interesse em ter em Macau uma sociedade que falasse diretamente com os investidores, a ideia germinou. Tentámos então criar um fundo, mas não conseguimos; em 2018 surgiu outra oportunidade, com o Hong Kong Asset Management, do Banco da China, e lançámos o Greater Bay Area Fund. Entretanto, surgiu o Covid…

– Retração do investimento?

B.A. – Exato. Mas aqui o problema dos fundos já vem há algum tempo. Desde a administração portuguesa que a banca tradicional não aposta em inovar os seus próprios fundos – acho que não havia capacidade e ‘know-how’. Por isso Hong Kong tem tanta força em Macau, em termos de moeda e investimento; com via rápida na AMCM (Autoridade Monetária de Macau), que aprova o que foi aprovado pela SFC (Securities & Futures Commission of Hong Kong). Após o Covid, falei então com a AMCM para criar este fundo em patacas e uma sociedade gestora – inédito na altura.

– Porquê em patacas?

B.A. – Há vários fatores; se calhar, o principal é que grande parte da população tem rendimentos em patacas; e suporta a comissão – ‘gateway tax’ – para investimentos e compras noutras moedas. Fizemos o estudo de mercado e a oferta não era vasta; mas em patacas havia este vazio que podíamos preencher e diferenciar a empresa. Juntámos dois pontos: o mercado precisa disto, e consigo sobreviver com uma empresa sem nome para competir com a BlackRock, Vanguard, ou a J.P. Morgan… foi esse o caminho. Por outro lado, como atuamos no ‘money market fund’ – fundos de tesouraria – o nosso investimento é feito através do capital que se investe nos bancos a curto prazo. Vamos variando, tomando decisões ao dia, temos de ser dinâmicos. Para aceder aos mercados internacionais, a pataca tem que ser trocada para outra moeda; o que tiramos é o risco ou a incapacidade de o cliente fazê-lo por si.

O mercado precisa disto (fundo em patacas) e consigo sobreviver com uma empresa sem nome para competir com a BlackRock, Vanguard, ou a J.P. Morgan… foi esse o caminho

– Só investem em moedas e produtos bancários?

B.A. – O regulamento de gestão, aprovado pela AMCM, diz exatamente no que podemos investir. Neste momento, em títulos do Tesouro norte-americano e depósitos em bancos de Macau. Podemos encurtar a margem entre o mercado interbancário e as taxas de juros na banca de retalho.

– Juntam montantes para negociar melhor, e aproximam-se das taxas interbancárias?

B.A. – O objetivo da uma sociedade de gestora de fundos sempre foi constituir organismos de investimento coletivo. Em Macau, fomos os primeiros, por isso demorou mais a aprovação. Juntamos capital para poder negociar taxas de juros mais elevadas; sempre com a ideia de que organismos de investimento coletivo têm que ter cuidado com o retorno e a liquidez. O nosso fundo, como qualquer fundo mútuo, pode ser liquidado em dois, três dias.

– Baixo risco?

B.A. – O instrumento financeiro, em si, garante isso.

– Como fazem os Estados, e a própria reserva estratégica de Macau?

B.A. – No mercado secundário de instrumentos financeiros atuamos no nível mais básico; logo acima do risco de um depósito – se o banco falir. Os títulos de dívida pública já entram nos ‘credit ratings’, ‘high yields’ e ‘junk bonds’… com retorno e risco diferente. Tentamos um risco mais baixo.

– Qual é a rentabilidade média que oferecem?

B.A. – Na última informação que obtivemos da AMCM, o compósito das taxas de juro em Macau estava em dois e pouco. Quando o nosso fundo foi lançado, conseguíamos quatro e tal. Há sempre uma margem grande, porque Macau tem excesso de liquidez e os bancos, em geral, oferecem taxas baixas. Somos realmente competitivos. O nosso outro grande competidor, diria, são os produtos estruturados dos bancos; derivativos que investem com taxas de juros noutra moeda – mais risco que o nosso. No segundo ou terceiro grau temos os títulos de dívida pública e os mercados obrigacionistas; com taxas superiores à nossa, mais risco e menos liquidez.

Juntamos capital para poder negociar taxas de juros mais elevadas; sempre com a ideia de que organismos de investimento coletivo têm que ter cuidado com o retorno e a liquidez

– Como está a correr a captação de investimento?

B.A. – Lançámos o fundo em julho deste ano e conseguimos no IPO (oferta pública inicial) 80 milhões de patacas. Começámos então a alocação do capital e hoje, salvo erro, temos 200 milhões. Temos de continuar a subir. Normalmente, um fundo teria de angariar mais de 300 milhões para conseguir as melhores taxas de rentabilidade. Mas em Macau temos outra infraestrutura, outra realidade económica…

– 200 milhões já chega?

B.A. – Em Macau, com 100 milhões o fundo já sobrevive. Escrevemos no regulamento da AMCM que seriam 200 milhões; mas é uma aprendizagem e, desde o início, a AMCM percebeu que, sendo a primeira empresa a dar este passo, não podíamos saber tudo.

– Onde pensa que pode chegar?

B.A. – Em Macau temos quase 500 mil milhões em depósitos. Se pensarmos em 500 milhões… seria um por cento do total. Mas neste paradigma de baixa literacia financeira, do nível de aprendizagem em que estamos, e o tipo de fundos que podem ser aplicados, nesta fase 200 milhões é o ponto de partida. Em termos de ‘market share’, mil milhões é possível. Só como distribuidor? Não sei; temos que testar. Não há uma infraestrutura em Macau que, com fundos, tenha vários distribuidores. Estamos a trabalhar com o Banco da China, e há outros bancos potenciais; mas vai demorar.

– Qual é o investimento mínimo, e como se pode investir neste fundo?

B.A. – Neste momento, através da aplicação do Banco da China, ou pessoalmente ao balcão. O nosso mínimo são 5 mil patacas.

Nos Países de Língua Portuguesa só testando vamos saber, mas o risco de falhar é grande

– Há limite máximo?

B.A. – Não; mas há um limite potencial em mente, para que no dia em que o cliente faça o resgate não afete as outras unidades de participação. Ainda não nos aconteceu, mas, como em tudo, há sempre uma primeira vez. Se houver resgate acima de 10 por cento do valor do fundo, a AMCM dá-nos o direito de congelar o fundo até conseguir uma liquidação adequada. Obviamente, não o queremos fazer; seria só no pior cenário possível.

– Pensa apenas em consolidar este fundo, ou diversificar para diferentes perfis de investimento?

B.A. – Tem sido um nível de aprendizagem muito grande; não só para o regulador, como para o nosso distribuidor e depositário, e para nós próprios, percebermos como construir o fundo e regulá-lo. Mais importante ainda, saber o que o investidor procura. Não temos uma equipa grande, e é difícil de vender fundos em Macau; mas espero um dia vender fundos diretamente aos clientes. Será preciso infraestrutura e investimento maior, mas o objetivo futuro é estar mais perto dos clientes; só com depósitos e investimentos. O Money Market Fund surgiu para testar o mercado e, depois, ser essa espécie de banco estreito. Mas para isso falta testar a parte regional. O Wealth Management Connect permite aos investidores da Grande Baía acederem a fundos de Macau e Hong Kong; que já tem uma cota anual próxima dos 150 mil milhões de dólares de Hong Kong. Macau não tem nada. Se correr tudo bem, no próximo ano podemos trabalhar com bancos locais e ver como aceder a esse mercado. Ainda no perfil atual, queremos alargar atividades de captação; o segundo passo é a Grande Baía.

– 80 milhões de pessoas, em vez de ter 600 mil…

B.A. – Totalmente diferente! Mas acho importante que a RAEM, como parte da China, teste a sua própria moeda; acho estranho não nos termos focado nesse privilégio. Espero que a pataca possa captar mais investimento e criar instrumentos financeiros. Tudo começa neste ‘big bang’; este fundo que alerta a indústria para novas formas de investir, novos veículos e novas maneiras de criar riqueza para as pessoas. É onde temos de apostar.

– Os Países de Língua Portuguesa são mercados potenciais?

B.A. – É mais difícil; ao fim ao cabo, ainda não sei… sei que é outro jogo, digamos na Liga dos Campeões; e ainda estamos na segunda divisão. Primeiro, conquistar as grandes artérias de Macau e a confiança local; depois, podemos testar o valor da pataca no mercado regional. Nos Países de Língua Portuguesa só testando é que vamos saber, mas o risco de falhar é grande. Quando disse que queria um fundo em patacas toda a gente se ria; diziam que era impossível. Tudo depende do que conseguimos transmitir ao investidor de fora, porque o objetivo também é construirmos em Macau um sistema financeiro e trazer capital, por exemplo, de Portugal. Tem também a ver com Lei Básica, a lei dos fundos; e como proteger e captar esses capitais. Em comparação à Europa, o imposto sobre capital aqui é zero; portanto, temos de estruturar o produto, fazer estudos de mercado e perceber como trabalhar com bancos em Portugal.

Não sei que tipo de mão existe em Macau para empurrar estas novas indústrias; sei que o maior risco é a incerteza

– Macau acanha-se a promover vantagens fiscais?

B.A. – Vamos ser honestos: temos de pensar nesse sentido; não acho que seja uma vantagem que não possamos exercer. Também há uma certa nostalgia em Portugal, e podemos trabalhar isso. Temos de trabalhar a imagem de Macau lá fora; e a AMCM tem de ajudar nisso. Assisti agora à conferência para a qual vieram bancos centrais dos Países de Língua Portuguesa, e percebe-se a vontade da AMCM em encurtar distâncias. A nova lei dos fundos vai captar essa ideologia e permitir novos instrumentos e veículos financeiros, porque neste momento só temos fundos públicos. Queremos apostar em fundos privados, mas a lei tem que ser mais abrangente.

– Que informação tem sobre isso?

B.A. – Nas últimas duas décadas criaram-se novos veículos e instrumentos financeiros, investimentos… com regulação e monitorização diferente – e mais de sigilo. A AMCM soube ver isso. Desde a construção da RAEM, constituímos a nova lei do sistema financeiro, a lei da fidúcia, a lei do ‘leasing’; agora vem a nova lei dos fundos… três ou quatro fatores que deviam diversificar a economia. Mas há uma grande dificuldade: na Europa temos a mão invisível e, na China, uma mão se calhar mais visível; mas, em Macau, se o setor privado não faz, a banca tradicional tem dificuldade em constituir algo diferente. Não sei que tipo de mão existe em Macau para empurrar estas novas indústrias; sei que o maior risco é a incerteza. Quando constituímos a empresa, havia a incerteza de conseguirmos; depois, a incerteza de a AMCM aprovar fundos deste género. A incerteza é demasiado elevada para empresas como a nossa trazerem estas pessoas para Macau. Já tivemos inúmeras reuniões com pessoas que queriam saber como fizemos; como fazer parcerias… não só estatais chinesas, mas também vindas da Europa, para perceber como desbloquear este processo. Este é o problema. As regras de jogo, através da lei, deviam permitir novos veículos de atração de capital. É algo em que vou tentar trabalhar; mas, agora, o foco está nos fundos públicos e, a seguir, nos privados. É o que me confere a lei e é o meu ‘know-how’.

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