Não é justo imputar-lhe a responsabilidade – ou intuição – de ter usado o termo “novo Chefe do Executivo” como quem anuncia o fim do atual inquilino do Palácio da Praia Grande. De facto, “novo” pode ter a simples conotação formal de “próximo”; que até pode ser o mesmo. Mas não deixa de ser curioso, no ambiente da contestação que sabe, muito bem, Ho Iat Seng enfrenta. Já não há é dúvida possível sobre o que significa a declaração sobre a necessidade de Macau partir para um “novo ciclo”. Tese essa, aliás, cada vez mais consensual nos bastidores políticos, na elite económica; e, até, na opinião pública. Resta saber se Pequim entende essa mudança, com o mesmo significado, e as mesmas consequências.
Segundo fontes próximas que lhe são imputadas como próximas, Ho Iat Seng estaria apenas à espera de ver confirmada a Comissão Eleitoral para apresentar formalmente a sua candidatura a um segundo – e último – mandato. E continua a ser consensual a ideia de que não o faria, a não ser com a certeza de que conta com os apoios suficientes para vencer. Leia-se… o aval de Pequim, que informalmente comunicará aos 400 membros da Comissão Eleitorial a decisão que o Poder Central espera que tomem – e é essa que vão tomar.
A questão que Leonel Aves sintetiza é o ponto fulcral da decisão que nesta altura está em causa. Se é preciso um novo ciclo – e é mesmo – qual é a melhor forma de o garantir. Há a hipótese teórica de se manter o mesmo Chefe do Executivo, premiando-o pela fidelidade à Mãe Pátria e ao Poder Central, contudo exigindo-lhe que seja diferente daquilo que tem sido; que tenha uma visão estratégica e relacional que nunca teve; e que se faça acompanhar de um círculo próximo capaz de representar a mudança. E há a tese contrária, segundo a qual para se mudar de estratégia, de face, e de objetivos, mais vale escolher à cabeça quem corporize o novo caminho que se pretende. Há ainda uma terceira hipótese, admitindo-se como possível que a visão de Leonel Alves, bem como a de tantas outras vozes que têm mantido recato, não tenha eco em Pequim. Ou seja, o Poder Central pode sempre decidir que não é preciso mudança alguma; que tudo está bem como está, e que assim deve continuar. Mas isso não está no discurso oficial, não respeita as vontades locais; e, já se percebeu, pelo menos numa boa parte da vontade nacional. Também não explica a posição assumida por Leonel Alves, que terá medido bem aquilo que disse; porque sabia que o ia dizer e o peso que isso teria.
Tendo a acreditar que Leonel Alves sabe muito bem a razão pela qual disse o que disse. Porque faz sentido, e aquele era o momento de o dizer. Nesta leitura, Ho Iat Seng, caso venha a confirmar a sua vontade – e condições – de ficar, sabe que terá de se reinventar; que fica tudo na mesma para que tudo possa ser diferente; e que a equipa que negociar com Pequim terá de ser capaz de ser e de fazer diferente daquilo que se passou no primeiro mandato.
Há mesmo quem considere que a tarefa mais difícil será mesmo convencer Ho Iat Seng que, tendo o direito a ficar; será compelido a ser diferente daquilo que sempre foi – ou mostrou ser. Qual pode ser a opção? Ser antes vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o mais alto representante da China em Macau. Honra, essa, que só Edmund Ho atingiu – e Chui Sai On falhou. Quanto a Ho Iat Seng, no final do segundo mandato ultrapassa os 70 anos de idade… e corre o risco de ser tarde para esse sonho.
*Diretor-Geral do PLATAFORMA