“O meu filho foi um dos instrutores [dos rebeldes]. Ele é [um dos] líderes que começou com a guerra. Ele é que esteve a instruir os seus colegas sobre como manejar uma arma, uma catana ou uma faca”, admitiu à Lusa o antigo combatente da luta de libertação colonial, sentado à porta do que resta do Hospital Distrital de Mocímboa da Praia, infraestrutura também devastada pelos rebeldes que aterrorizam a província de Cabo Delgado.
Pela mão do seu próprio filho, Amisse Momade, 74 anos, assistiu, agora impotente, à terra pela qual lutou contra o regime colonial português por cerca de 10 anos ser banhada de sangue inocente, embora tivesse avisado as autoridades sobre a “radicalização islâmica” que estava a ser promovida por um grupo treinado pelo seu próprio menino, antes mesmo do primeiro ataque à sede de Mocímboa da Praia, em 05 de outubro de 2017.
“Eu não fiquei calado, avisei as estruturas [administrativas]. Avisei o antigo administrador e o antigo comandante da polícia que meu filho está neste grupo e que ele era um instrutor ”, relatou Amisse, que também tentou persuadir o jovem a abandonar as orientações dos grupos rebeldes.
Momed é descrito pelo pai como um rapaz que teve uma adolescência dedicada aos estudos, mas a “radicalização islâmica” que já era promovida sobre uma juventude sem alternativas no interior de Mocímboa da Praia acabaria por empurrá-lo para as fileiras de uma insurgência cujos motivos nunca foram claros para Amisse.
“Eu procurei saber, com ele, o que o grupo queria. Quem faz guerra, quer sempre alguma coisa. Perguntei a ele quem era o seu dirigente. Ele não me dizia nada até que desapareceu e foi para o mato […] Ele me rejeitou”, lamentou Amisse Momade, contando que, antes de desaparecer, o seu filho terá queimado a casa da família.
Longe das aulas e da família, Momed tornou-se “instrutor” para dezenas de jovens rebeldes até ao início da guerra, em outubro de 2017, pregando a insurreição contra o Estado em treinos concorridos no interior do bairro de Nanduadua.

Cabo Delgado tem sido alvo de ataques terroristas nos últimos anos
Sobre Momed, hoje, pouco se sabe. Uns acreditam que ele foi abatido pelas forças governamentais em Milamba, no posto administrativo de Quiterajo, distrito de Macomia, a 131 quilómetros de Mocímboa da Praia, mas o pai tem dúvidas.
“Não procurei saber se isso era verdade porque ele me rejeitou”, declarou Amisse Momade, acrescentando que, caso esta informação seja falsa, teme que Momed e o seu grupo o procurem, num dia qualquer, em Mocímboa da Praia.
Enquanto isso não acontece, Amisse e os milhares de residentes que tiveram de fugir de Mocímboa da Praia tentam recomeçar a vida sem o som de balas, mas as marcas da violência estão estampadas em cada canto do distrito, agora patrulhado pelas forças ruandesas, que têm apoiado, ao lado de exércitos de países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Moçambique no combate contra a insurgência em Cabo Delgado.

A província de Cabo Delgado enfrenta há seis anos a insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico (Photo by Camille LAFFONT / AFP)
No total, cerca de 62 mil pessoas, quase a totalidade da população, abandonaram a vila costeira devido ao conflito que começou há seis anos, com destaque para as fugas em massa que ocorreram após a intensificação das ações insurgentes em junho de 2020.
Após meses nas “mãos” de rebeldes, Mocímboa da Praia foi saqueada e quase todas as infraestruturas públicas e privadas foram destruídas, bem como os sistemas de energia, água, comunicações e hospitais.
A província de Cabo Delgado enfrenta há seis anos a insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
No terreno combatem o terrorismo – em ataques que se verificam desde outubro de 2017 e que condicionam o avanço de projetos de produção de gás natural na região – as Forças Armadas de Defesa de Moçambique, desde julho de 2021 com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O conflito no norte de Moçambique já fez um milhão de deslocados, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, enquanto o Presidente moçambicano admitiu recentemente “mais de 2.000” vítimas mortais.
Plataforma com Lusa