É indispensável para Macau abrir-se a novos mercados. Académicos e membros da indústria acreditam que a cidade deve concentrar-se na região da Ásia-Pacífico, criando uma imagem clara da região, melhorando os transportes e, igualmente importante, mudando a mentalidade. Para iniciar este capítulo, enaltecem a importância de abrir as fronteiras
Há mais de dois anos e meio que Macau segue a política de zero casos definida pela China continental, levando o movimento turístico da cidade à beira da extinção. Com o novo concurso para as novas concessões de jogo (10 anos), o Governo tem salientado a importância da expansão para mercados estrangeiros por parte destas empresas de jogo. É evidente, porém, que a tarefa não é fácil.
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Antes de mais, “para desenvolver novos mercados turísticos será preciso analisar os esforços que antecederam esta nova investida e perceber as razões pelas quais nenhum deu frutos”, defende Glenn James McCartney, professor associado de Gestão de Resorts Integrados Internacionais na Universidade de Macau.

Foi em 2011 que o Governo Central chinês classificou Macau como um “Centro Mundial de Turismo e Lazer”. Por isso é que ao longo dos anos a indústria turística tem procurado desenvolver atividades de intercâmbio internacionais. Não obstante, McCartney acredita que tanto as autoridades como os líderes da indústria não pareciam interessados em alterar o modelo turístico da cidade, visto que a dimensão do mercado chinês era capaz de gerar um fluxo de visitantes e de receitas mais do que suficiente para a Região.
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Mercado esse que, nos anos que antecederam a pandemia, trouxe tanto lucro a Macau e às suas concessionárias que deixou a internacionalização para segundo plano, escreveu Johnson Ian, vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau, num artigo para o jornal Son Pou. “A cidade está a ficar cada vez mais feia, está a transformar-se num centro de jogo para a Grande China”, lê-se.
IDENTIFICAR MERCADOS-ALVO E FOCO NAÁSIA-PACÍFICO
Em 2017, a Direcção dos Serviços de Turismo (DST) publicou o “Plano Geral do Desenvolvimento da Indústria do Turismo de Macau” como guia para o desenvolvimento deste setor para os próximos 15 anos. A primeira revisão foi publicada em 2021, onde se menciona que os mercados de visitantes devem ser diversificados e salienta-se a importância do uso de dados sobre estes visitantes para análise e promoção turística. Mas os resultados desse plano são evidentes: com os esforços de Pequim para combater o jogo ilegal, bem como a sua intolerância ao vírus, Macau foi consolidando esta dependência num só mercado.
McCartney diz que a cidade precisa de identificar os seus mercados-alvo antes de explorar o mercado internacional. Tem de haver uma análise intensiva sobre as preferências dos visitantes de várias regiões para definir melhor os produtos turísticos que Macau deve oferecer. E com os recursos que Macau atualmente tem no seu arsenal, o académico aponta para o mercado da Ásia-Pacífico como o ideal para apostar no futuro.
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Mas “desenvolver novos mercados requer investimento financeiro e talentos. Desde o setor privado ao setor público, não temos uma fonte inesgotável de recursos”, assevera. Antes da pandemia, os cinco mercados estrangeiros com maior afluência eram a Coreia do Sul, Filipinas, Japão, Malásia e Estados Unidos, de acordo com a Direcção de Serviços de Estatística e Censos (DSEC).
A IMAGEM DE MACAU
E esta análise fica a cargo de quem? McCartney vê as empresas de jogo a pegarem nas rédeas desse empreendimento, mas, primeiro, é imperativo definir uma imagem clara da cidade. E essa missão é uma responsabilidade que atribui ao Governo de Macau. “Quando se pretende atrair turistas, a imagem de marca de uma cidade é extremamente importante. Nas últimas duas décadas, Macau não tem tido uma imagem constante.
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Essa distorção faz com que não se destaque entre a competição.” Como exemplos bem-sucedidos, aponta para Singapura, Londres, Sidney e Nova Iorque. “É fácil dizer que tipo de cidade somos, mas se os turistas acreditam ou não, isso já é outra história. A imagem da cidade deve ser credível, eficaz e mensurável”, reitera o académico.
Nesta matéria, o setor de convenções e exposições terá uma palavra a dizer, diz ao PLATAFORMA Paul Wong, presidente da direção da Associação de Indústria Turística de Macau.
“Antes da pandemia, esta indústria já contava no seu portefólio com alguns sucessos. O setor MICE em Macau estava a subir nas qualificações do continente asiático e internacionais, atraindo para a Região uma série de exposições e eventos. Em conjunto com as infraestruturas já existentes nos resorts, Macau está na posição ideal para atrair visitantes através deste setor”, vinca. De acordo com o Relatório Anual da Associação Internacional de Congressos e Convenções (ICCA), Macau foi classificado em 48º lugar em 2019 (263º em 2012), e em 12º na região da Ásia-Pacífico (59º em 2012).

ACESSOS EM TODAS AS FRENTES
Infraestruturas de transportes e acessos são fatores importantes quando se pretende atrair turistas. “Além de ‘hardware’ como aeroportos, ferries e toda a rede de transportes, o ‘software’ também é essencial, incluindo vistos e conveniência burocrática”, destaca McCartney. “Os visitantes normalmente não têm muito tempo e querem chegar ao seu destino o mais rápido possível. Singapura é um ótimo exemplo de um destino altamente acessível”, enfatiza.
Antes da pandemia havia 34 companhias aéreas a oferecer voos para 59 destinos no Aeroporto Internacional de Macau, nomeadamente para o Interior da China, Taiwan, Sudeste Asiático e Norte Asiático. Entre as rotas, a maioria eram para cidades do Continente, mas sem passageiros estas empresas perdem o interesse em expandir ou aumentar a frequência dos voos.
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Paul Wong acredita que com a promoção de uma cooperação conjunta com as empresas de jogo, estas companhias aéreas terão incentivos para aumentar a frequência das rotas existentes e adicionar ainda mais destinos, incluindo voos e média distância para países como a Austrália.

“Visitantes estrangeiros normalmente fazem sempre a mesma rota, passando por Hong Kong e depois Macau, ou pelo Interior da China até Macau. Por isso, a cidade precisa de cooperar com estas regiões vizinhas para atrair turistas internacionais.” Wong menciona ainda as políticas de visto, lembrando a possibilidade de oferecer um processo mais conveniente a turistas que viajem entre Macau e Hengqin com múltiplas entradas ou até acesso sem necessidade visto, por exemplo.
MUDAR A MENTALIDADE
O facto da indústria turística ser dominada pela China continental levou a que vários setores desenvolvessem uma estrutura para receber estes visitantes. “Se quisermos receber mais turistas internacionais no futuro, os trabalhadores desta indústria devem receber formação em várias áreas, incluindo línguas e formas de receber estes turistas”, diz o líder associativo, referindo que nada disto é um obstáculo. “Desde que haja procura, a indústria irá naturalmente criar oferta”, esclarece.
No entanto, antes de qualquer mudança ser feita, o primeiro passo será levantar as restrições de entrada a visitantes internacionais. “O pré-requisito para tudo isto é a reabertura de Macau a turistas internacionais. Caso não haja nenhuma alteração neste sentido será extremamente irrealista falar de desenvolvimento de mercados turísticos internacionais”, afirma Wong.