Sulu Sou considera que no Governo tem havido “mais conversa do que ação” no que toca às políticas de habitação. Em declarações ao PLATAFORMA, o vice-presidente da Associação de Novo Macau referiu que os obstáculos enfrentados pela população jovem na procura de casa são “os mais prementes” da cidade. Sobre a habitação social, o mesmo responsável acredita num planeamento mais robusto e com funções adicionais, de maneira a facilitar a transição para a compra de casa própria.
– Ho Iat Seng referiu que será lançado um livro branco sobre política de habitação em 2022. Sente que os jovens terão mais esperança em adquirir um imóvel após a publicação deste documento?
Sulu Sou– Não vejo como é que este problema social de longa data e o mais grave em Macau será imediatamente alterado de forma significativa com a publicação de um único documento. Ao longo dos anos, tenho visto que o Executivo tem sido ‘mais conversa do que ação’, ou ‘mais conversa do que mudança real’, quando se trata de política habitacional.
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Embora o livro branco não esteja disponível e seu o conteúdo não seja ainda claro, o Governo já elaborou pareceres semelhantes no passado como o Relatório final do estudo sobre a procura de habitação pública de 2017. O documento novo não trará quaisquer mudanças significativas no curto prazo. Como todos sabemos, os jovens não conseguem poupar o sufiente para darem um sinal de entrada numa propriedade, e mesmo que possam, continuarão a ter de pagar hipotecas longas tornando-se ‘escravos da casa’. Penso que não fará qualquer diferença.
Nos últimos anos, têmse criado cada vez mais apartamentos em plano aberto, especialmente nos novos desenvolvimentos. Penso que o tamanho dos apartamentos está a ficar cada vez mais pequeno e face aos preços elevados, os jovens revertem agora para a compra de uma habitação económica.

A lei que visa este tipo de habitação mudou recentemente, mas inclui a possibilidade de venda do apartamento ao fim de seis anos, mas só ao preço original. Antes da lei ser alterada, havia dezenas de milhares de candidaturas para três mil apartamentos. Agora, há apenas cerca de 10 mil candidaturas para cinco mil apartamentos. Será que esta porta também está fechada para os jovens? Para aqueles que pretendem formar família, a lei só permite a candidatura a um T1.
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Se uma pessoa não for casada e se se quiser candidatar a estas residências, não terá um mecanismo de transferência para um T2, não tendo também incentivo para vender o apartamento. Já a habitação destinada à “classe sanduíche” trata de ajudar os jovens e a classe média, mas até neste ponto não vejo qualquer política ou lei. Dito de forma simples, estes problemas de habitação enfrentados pelos jovens são os mais prementes neste momento.
A maioria das pessoas em Macau vive em propriedades compradas, sendo isto possível quando os preços eram relativamente baixos nos anos 80 e 90. Agora, as pessoas nascidas nessa altura já sentem necessidade de formar família ou de viver de forma independente. Estes entraves tornaram-se particularmente agudos na última década com o Governo a não levar a cabo qualquer política eficaz. É por isso que considero esta questão premente.
– Com a economia de Macau a ser afetada pela Covid-19, os bancos estão a optar por cobrar taxas hipotecárias mais baixas. Considera que isto pode auxiliar a entrada da população mais jovem no mercado imobiliário?
S.S.– Claro que taxas de juro mais baixas são melhores que nada. Contudo, ajudam muito pouco.
Em primeiro lugar, é necessário dar um sinal. Mesmo que não se trate de um apartamento novo, um adiantamento é pelo menos um milhão de patacas ou mais. Conheço um amigo que vive num apartamento na Taipa e todos os meses faz pagamentos de mais de 20 mil patacas, repartidos por 30 anos, só para pagar a hipoteca. Este é um problema fulcral.
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O preço de um imóvel ou o preço por metro quadrado está muito além do nosso poder de compra. Acredito que estas medidas serão bem recebidas por jovens que estão a fazer pagamentos hipotecários, mas não para os que estão a lutar pela compra de uma casa.
– Que outras medidas podem ser introduzidas pelo Governo?
S.S.– Redigi um plano no qual a habitação destinada à ‘classe sanduíche’ não seria necessária. Em primeiro lugar, a habitação social foi negligenciada e deveria possuir mais funções. De momento, a única função da habitação social é cuidar dos pobres e desfavorecidos. É preciso ser relativamente pobre e desfavorecido para alugar estas habitações. Em todo o mundo, a assistência habitacional para jovens não exclui o esquema ‘alugar primeiro, comprar depois’.
Em termos teóricos, um jovem poderia alugar inicialmente uma casa e depois comprá-la ou usá-la como trampolim para transitar para uma habitação económica ou até para o mercado normal. Já mencionei isto várias vezes, mas o Executivo deixou claro que não tem qualquer intenção de acrescentar funções adicionais à habitação social, o que é uma pena.
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Os jovens não precisam de comprar casas num só passo. Contudo, o Governo nada fez para ajudar esta parte da população e deixa-os à mercê do mercado. Mesmo com os descontos para os compradores de primeira habitação, e o aumento dos impostos na compra de um segundo ou terceiro apartamento, algo que o Executivo tem implementado na última década, os preços dos imobiliários não têm sido alterados.
Após a alteração da Lei da Habitação Económica, é desafiante incentivar jovens a viver neste tipo de habitações devido à dimensão dos apartamentos e da exclusão de candidaturas. O próprio Chefe do Executivo tem a expectativa de que os habitantes fiquem nas frações habitacionais até à morte, algo adequado para idosos e não para jovens.
Não há necessidade da habitação da ‘classe sanduíche’ no projecto, se a social e a económica remarem nesta direcção. Penso que é muito difícil mudar a habitação social e económica num dia, pelo que a destinada à ‘classe sanduíche’ é a única alternativa. Não existe qualquer legislação sobre o assunto pelo que questiono se este tipo de residências ataca de frente o problema de habitação dos jovens. Faço a indagação por esta ter sido uma das promessas feitas por Ho Iat Seng quando se candidatou a Chefe do Executivo.
Não se tem notado uma escassez de oferta de apartamentos no mercado imobiliário, mas estes estão fora do alcance da população em geral. Por um lado, o tamanho de algumas casas recentemente concluídas está a ficar cada vez menor, dando origem aos micro-apartamentos de Hong Kong. Em segundo lugar, os preços dos imóveis são tão elevados que até uma unidade pequena custa mais de 10 mil dólares por metro quadrado.
No futuro, se o Governo pretender usar alguns terrenos vagos e fornecê-los para a construção de edifícios privados, penso que é absolutamente necessário delinear certas obrigações nos contratos de concessão. É necessário especificar que os apartamentos não devem possuir uma área demasiado pequena e controlar, de forma razoável, os custos para que os preços estejam em sintonia com o poder de compra da população. No passado não houve qualquer controlo por parte do Governo. Usaram justificações como ‘este é um mercado comercial privado e o Executivo não intervém’, o que eu penso ser uma desculpa. O resultado está agora à vista.
– Acredita que se o Governo adicionar mais funções às habitações temporárias irá resolver este assunto?
S.S.– Penso que há muitas questões que precisam de ser simplificadas. Não é apropriado criar coisas novas a toda a hora. Pelo contrário, muitas funções podem ser integradas ou acrescentadas. De facto, nunca houve nada como a habitação temporária em Macau. Tanto quanto me lembro, ‘alugar primeiro, comprar depois’ não tem estado disponível desde a transferência da soberania. Por exemplo, em Taipé ou em Portugal, existem subsídios para alojamentos de jovens. Este tipo de reformas já foi discutido em Macau. Em 2008, foi realizada uma consulta pública e propôs-se um subsídio de arrendamento para recém-casados, mas não passou disto. Na habitação social existente pode haver flexibilização de algumas condições para pessoas numa certa faixa etária.

Os critérios atuais exigem limites pouco realistas, como o facto de o rendimento mensal ter de ser muito baixo para a qualificação da habitação social sem renda. Se o rendimento exceder mais do que uma pataca, será requerido o pagamento do dobro e triplo do aluguer, ou até mesmo a desistência. No passado, muitos jovens quando recebiam um aumento no salário, mesmo não divulgando que tinham sido promovidos, viam a sua renda ser aumentada.
Se a candidatura for feita com base nos critérios actuais, os jovens enfrentarão um problema tão perverso e alguns não quererão sequer um aumento salarial por ser impossível alugarem uma habitação social. Devemos flexibilizar as condições para este grupo de pessoas.
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Podemos também ver os exemplos dos albergues da juventude menos bem sucedidos que têm sido seguidos em Hong Kong, que são gratuitos mas substituídos por serviços sociais e com um requisito de saída de cinco anos. O resultado é que a compra de um apartamento é atrasada cinco anos, o que não é muito útil. É claro que os jovens poderão viver em relativa tranquilidade durante este período, mas serão eventualmente expulsos e depois confrontados com os preços ditados pelo mercado.
Se Macau quiser seguir este modelo, pode fazer uso da habitação social, económica, ou até mesmo da ‘classe sanduíche’, e depois ajudar na transição para a habitação privada. Os jovens sentem-se assim mais à vontade e terão um lugar para viver e desenvolver as suas carreiras profissionais.
– Acha que possuir casa em Hengqin ou na Área da Grande Baía pode ser visto como uma solução?
S.S.- Penso que os jovens têm necessidades diferentes. Alguns deles gostam de ficar em Macau e querem viver e trabalhar aqui. Evidentemente, não excluo a possibilidade de haver outros que não se preocupam muito com o local onde vivem.
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No entanto, o Executivo não deve interpertar estas migrações de forma leviana. Se os residentes comprarem casa em Hengqin, isto pode levar o Governo a constatar que a habitação em Macau já não é um problema. O desfecho mais alarmante será o de continuar a descredibilizar o assunto, incentivando assim os jovens a procurar as regiões vizinhas. Claro que se trata de uma teoria de conspiração, mas é algo a ter em conta.
O Governo deve ter algum cuidado para não ser acusado de se afastar dos interesses e necessidades da juventude.