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Ir para a escola em Moçambique é atravesar o rio de canoa e fazer 14 quilómetros a pé

André Catueira

Egesse Patrício, 15 anos, resistiu a um casamento prematuro quando concluiu o ensino primário. Agora, para continuar os estudos, tem outro desafio: percorrer 14 quilómetros a pé e atravessar de canoa um rio do centro de Moçambique.

Mizunga, aldeia natal de Egesse na província de Tete, não tem uma escola secundária. Geralmente, quando as crianças da região concluem o ensino primário, são entregues a casamentos e tratam de pastorear gado.

São práticas largamente desencorajadas por conselhos de escolas, que lutam para erradicar o analfabetismo, perante várias adversidades para o acesso ao ensino.

Só que as práticas prevalecem entre os anciãos das aldeias.

A criança que as desafiar tem de procurar o ensino em Mandie, um posto administrativo da província de Manica, como faz Egisse.

Percorre vários quilómetros a pé em caminhos estreitos de argila e atravessar o rio Luenha, um braço do Zambeze, numa canoa esculpida à mão ou com água pela cintura – consoante a época do ano e o caudal.

“Eu estudo em Mandie, passo todos os dias aqui e agora atravesso esse rio de canoa para conseguir chegar à escola”, diz Egesse Patrício à Lusa em nhungue, a língua local de Tete.

A jovem moçambicana teve o raro apoio dos pais para desafiar os anciãos e continuar a frequentar o ensino secundário em Mandie.

Um total de 46 alunos de quatro aldeias do distrito de Changara (Chambuluca, Gama, Mizunga e Nhamagoa) atravessa todos os dias o rio Luenha para frequentar o ensino em Mandie, uma povoação de casas precárias de estaca e barro, poucas de alvenaria, erguidas no meio de escombros de antigos edifícios coloniais.

A travessia do rio, numa extensão de cerca 50 metros, é feita nesta época seca – quando o nível do caudal se encontra baixo – em duas faixas: uma mais funda com canoas improvisadas com troncos de árvores e outra a pé com a água nos joelhos ou cintura.

“Este lado (Gama) não tem escola secundária. Temos atravessado este rio para estudar em Mandie. Atravessamos a pé e por vezes com canoa”, explica Domingo Afonso, 15 anos, aluno do nono ano de escolaridade e que há dois anos faz a travessia do rio.

Outra aluna, Enelma Fernando, 15 anos, aluna do oitavo ano, conta que no início do ano letivo o rio “esteve violento” por vários dias e perdeu algumas aulas porque os pais, por precaução, não permitiram a travessia.

Joaquim Matchissa, um residente, já teve os dois filhos a estudar em Mandie e confirma o receio, que é maior durante a época chuvosa (de outubro a março), que coincide com o início do ano letivo (fevereiro).

Outros pais alugam palhotas na margem de Mandie para os filhos continuarem a frequentar o ensino, sem correr riscos no rio.

Cristopher Baera, diretor da escola secundária de Mandie, diz que tem encorajado os pais a colocar os alunos em internato, num espaço antes composto por palhotas de estacas e capim, agora melhorado com casas de alvenaria, para evitar travessias diárias do rio. Mas este ano só dois alunos o fizeram.

É um desafio, reconhece: “estamos nesta luta de combater o analfabetismo, mesmo com crianças a atravessar o rio”, explica à Lusa.

E quem não quiser atravessar o rio? Tem de percorrer cerca de 35 quilómetros a pé por caminhos degradados de argila e pedregulhos até Missawa, onde há outra escola secundária.

No sentido inverso aos alunos, a população de Mandie atravessa o rio para o lado de Changara para se abastecer nos mercados da capital provincial de Tete – a cerca de 90 quilómetros – e também para escoar a produção agrícola, principal atividade económica familiar.

A construção de uma ponte para a ligação interdistrital “seria um incentivo” para o comércio e agricultura, diz à Lusa Maximiano Macapula, chefe do posto administrativo de Mandie.

Além disso, serviria a educação, promovendo a acessibilidade a estabelecimentos de ensino, fulcral para erradicar o analfabetismo.

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