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Prédio meio cheio, prédio meio vazio

Marco Carvalho

O arranque, esta semana, do processo geral de vacinação da população de Macau deve ter um impacto positivo na economia do território, mas o mercado imobiliário não vai recuperar tão cedo a robustez de que gozava antes da pandemia de Covid-19 ter virado o mundo do avesso. O preço do metro quadrado continua a cair, quem compra está mais cauteloso e quem vende está mais relutante e o Ano do Búfalo não deve trazer grandes novidades, defendem especialistas consultados pelo PLATAFORMA. Boas notícias? Quem arrenda está mais disponível para renegociar preços e contratos.

Os dias em que os preços do imobiliário na RAEM batiam recordes e certos imóveis valorizavam mais de 300 por cento numa mão cheia de anos não são mais do que uma remota lembrança do passado, mas os preços das fracções residenciais no território não devem cair muito mais do que caíram até ao momento. O veredicto é traçado ao PLATAFORMA pelos responsáveis por algumas das maiores agências imobiliárias de Macau, que consideram que estabilidade e cautela são as palavra de ordem que vão imperar no setor durante o Ano do Búfalo, ainda que o crescimento se prefigure uma miragem.

“Diria que este ano o mercado se vai caraterizar pela estabilidade. Em  2019 – e mesmo em 2018 – os preços não aumentaram de forma muito significativa. Houve um aumento muito pequeno, da ordem dos cinco por cento”, recorda Nestor Ng, presidente da ANZAC Realty.

E acrescenta: “Se em termos de recuperação se refere aos preços praticados em 2018 e em 2019, o que lhe posso dizer é que neste momento não há grande diferença. Eventuais alterações vão depender, sobretudo, das políticas governamentais”.

Os números dão razão a Nestor Ng. De acordo com os dados mais recentes publicados pela Direção dos Serviços de Finanças, o preço médio do metro quadrado era, no final de Janeiro, de 98.667 patacas. O montante oculta uma queda anual da ordem dos dois por cento face ao valor calculado pelo Governo no final do mês homólogo do ano passado, quando o metro quadrado custava em média 100.636 patacas.

A pandemia de Covid-19 castigou com mão dura a economia de Macau ao longo dos doze meses do ano passado, mas o setor imobiliário está entre os que melhor resistiram às ondas de choque da crise de saúde pública que atropelou o desempenho de hotéis, salas de jogo, restaurantes e pequenos negócios. O mercado das transações imobiliárias reajustou-se, ainda que o impacto que sofreu empalideça face ao rombo de que foram alvo as contas dos casinos. Em 2020, o preço do médio do metro quadrado fixou-se em 102.141 patacas, menos quase 6.292 patacas do que 2019. Durante todo o ano passado foram transacionadas um total de 6.394 fracções imobiliárias e no primeiro mês do corrente ano venderam-se 470, mais 77 do que em igual período do ano passado.

O desempenho do setor durante o auge da pandemia e os números mais recentes, defende Mark Wong, deixam a entender que o pior já faz parte do passado.

O diretor dos Serviços de Avaliação e Aconselhamento da JLL Macau estima que, “apesar da incerteza provocada pela pandemia de Covid-19 ter tendência para desaparecer gradualmente, ainda vai ser necessário algum tempo para que o mercado possa recuperar”.

“Se a política de empréstimos imobiliários e o imposto de selo se mantiverem inalterados é improvável que os preços das unidades residenciais venham a aumentar a curto prazo. Uma vez que a maior parte das parcelas de terra já foram recuperadas pelo Governo e os projetos em pré-venda atualmente existentes já foram digeridos, esperamos que o volume de transações de unidades residenciais se mantenha estável em 2021, até porque não há novos projetos de dimensões significativas a acrescentar ao mercado”, considera Wong.

A pandemia de Covid-19 deixou o setor imobiliário combalido e, apesar de não ter feito perigar a respetiva sobrevivência, levou residentes e investidores a optar por uma abordagem mais ponderada e mais cautelosa ao mercado.

Para Ryan Choi, diretor-adjunto da Ambiente Properties, serão necessários alguns anos para que a confiança de quem investe se restabeleça.

Este especialista acredita que “é demasiado otimista pensar-se que o mercado imobiliário, em particular, possa recuperar no período de apenas um ano”, admitindo estar-se perante “um ciclo que vai prolongar-se por algum tempo”.

“Macau depende, em grande medida, da atividade turística e essa dependência leva-me a considerar que o impacto da pandemia na economia do território vai continuar a fazer-se sentir. Não acredito que consigamos igualar os níveis de 2019 no Ano do Búfalo. O processo de recuperação será gradual e vai estender-se por dois ou três anos”, aponta Choi, que entende que o pontapé de saída no processo de vacinação da população vai ter “um impacto positivo” na economia da RAEM e ajudar à recuperação das receitas brutas do setor do jogo.

Rose Neng Lai, professora de Finanças da Faculdade de Gestão de Empresas da Universidade de Macau é menos taxativa. A académica, que é também diretora-executiva da Asian Real Estate Society, diz que a competitividade do mercado imobiliário do território está umbilicalmente ligada à vinda de turistas e de apostadores a Macau.

“A campanha de vacinação serve sobretudo para que os residentes se sintam mais seguros. A recuperação vai depender se há ou não turistas”, defende.

A docente universitária sustenta que, “antes de se poder equacionar a possibilidade de o investimento da República Popular da China poder vir a impulsionar a recuperação do setor, temos de procurar perceber primeiro as razões que os podem levar alguém a investir em Macau. Qualquer decisão vai ater-se às perspetivas de desenvolvimento futuro de Macau”.

Inversão de marcha no arrendamento

Se em termos de transações imobiliárias as consequências da Covid-19 parecem não ter roubado alento aos agentes do setor, o impacto da pandemia no domínio do arrendamento – sobretudo de frações residenciais – abriu portas a uma rara inversão de marcha num segmento do mercado onde os preços cresciam de forma sustentada desde há mais de uma década.

Ryan Choi diz que a queda nos preços do arrendamento é particularmente evidente em empreendimentos residenciais onde se concentravam trabalhadores não-residentes com ligações à indústria do jogo.

Em complexos residenciais como o One Oasis e o One Grantai, situados em diferentes extremos da faixa do Cotai, a redução no preço das rendas “foi drástica”, reconhece o diretor-adjunto da Ambiente Properties.

 “Não há dados oficiais sobre a taxa de ocupação das frações para arrendamento, mas o conhecimento que temos por estar na linha da frente permite-nos afirmar de uma forma muito franca que tanto o número de apartamentos ocupados, como os contratos de arrendamento sofreram um declínio”, adianta.

E esclarece: “Se no âmbito do mercado de aquisição a procura ainda é bastante forte, no que diz respeito ao arrendamento, os preços têm vindo a cair de forma bastante dramática ao longo do último ano, sobretudo em complexos residenciais habitualmente favorecidos por famílias expatriadas, como o One Oasis ou o One Grantai”.

Em alguns destes condomínios, a prática de renegociar preços e contratos tornou-se frequente, procedimento que, no entender de Rose Neng Lai, constitui uma prova de que o mercado funciona e se autorregula.

“É um desfecho previsível que se explica pelas forças do mercado. Bem vistas as coisas, não é fácil para inquilinos que viram os rendimentos encolheram continuar a pagar rendas tão elevadas. E para os proprietários é sempre melhor ter as unidades arrendadas, ainda que a preços mais baratos, do que vazias”, considera a académica da Universidade de Macau.

Já o diretor dos Serviços de Avaliação e Aconselhamento da Jones Lang Lassalle Macau, Mark Wong está ciente da queda nos preços do arrendamento, mas considera prematuro falar numa tendência sustentada de recuo.

O especialista diz que, em termos globais, a redução no preço das rendas não foi significativa e contesta a ideia de que a renegociação de contratos se tenha tornado uma prática generalizada.

“Em 2020, o mercado de arrendamento residencial abrandou devido à queda no número de trabalhadores não-residentes e ao recuo na procura de unidades residenciais situadas nas imediações dos casinos. De acordo, com o nosso índice residencial JLL, o valor das rendas de unidades residenciais de gama alta e das frações direcionadas para a classe média caiu 4 e 4,5 por cento em termos anuais respectivamente”, assume o responsável.

“As renegociações e cortes nas rendas aconteceram sobretudo no mercado das frações de natureza comercial. No entanto, não nos apercebemos deste tipo de tendência no mercado de arrendamento de frações residenciais, até porque o mercado de arrendamento só foi responsável por 10 por cento do mercado residencial. Muitos senhorios não baixaram as rendas das frações e até optaram por deixar os apartamentos vazios, apesar de a procura no mercado do arrendamento ter caído”, assegura Wong.

Com os turistas a regressarem a Macau a um ritmo mais lento do que o previsto e o setor do jogo a ressentir-se dessa ausência, o panorama no setor imobiliário mantém-se incerto e isso obriga agências e agentes imobiliários a olhar para alternativas. Para a ANZAC Realty, Portugal – mais do que as torres imobiliárias de Macau e da Taipa – é a principal aposta no Ano do Búfalo.

“Em Macau, basicamente, estamos muito dependentes do turismo e do jogo. Estes dois setores foram severamente afetados, o que fez com que o mercado imobiliário também se ressentisse (…) Em Macau, o investimento é limitado neste momento e é por isso que a ANZAC vai tentar atrair mais investimento para Portugal. Como é do conhecimento público, este é, provavelmente o último ano que grandes cidades como o Porto ou Lisboa vão receber investimento ao abrigo do programa de Vistos Dourados”, remata o presidente da ANZAC, Nestor Ng.

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