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Aves migratórias ligam Pequim a Moçambique em proezas de resistência

Nas madrugadas de outono, o canto dos pássaros irrompe nas ruas vazias de Pequim, invocando a centralidade de uma das maiores e mais densamente povoadas metrópoles do mundo na migração de centenas de espécies de aves.

“Pequim é como uma via rápida para as aves migratórias”, descreve à agência Lusa Terry Townshend, ambientalista britânico radicado há dez anos na China.

“Mais de 500 espécies diferentes foram registadas na região, o que torna este lugar realmente importante”, explica. “Comparando com as outras capitais do [grupo de países do] G20, por exemplo, surge atrás apenas de Brasília”.

Durante o verão no hemisfério norte, a Sibéria, lar das florestas taiga e tundra, é o destino favorito de centenas de espécies de aves, à medida que a população de insetos explode no nordeste da Rússia.

No inverno, contudo, esta vasta área, esparsamente povoada, converte-se numa das mais inóspitas do mundo, pelo que a maioria dos pássaros ruma ao sul para encontrar comida e abrigo.

“No outono, ocorre um êxodo em massa da Sibéria, com pássaros diferentes a migrar em períodos diferentes”, descreve Townshend.

Rodeada por uma variedade de habitats, incluindo montanhas, pântanos, pastagens e uma vasta rede de parques, a capital da China, que fica a menos de 3.000 quilómetros da Sibéria, torna-se na paragem ideal para as aves migratórias, durante os meses de outono, antes de rumarem ao hemisfério sul, em jornadas que duram dias consecutivos, sem paragens.

“Um pássaro que cabe na tua mão pode voar desde Pequim até ao sul de África e encontrar o caminho de volta, não apenas para o mesmo país, mas exatamente para o local onde foi criado”, descreve Terry Townshend. “É algo que realmente me fascina”, diz.

Esta foto aérea, tirada em 12 de dezembro de 2019, mostra pássaros migratórios a flututar num lago em Xuyi, na província de Jiangsu, leste da China. (Photo by STR / AFP) / China OUT

O ambientalista britânico destaca as capacidades fisiológicas destas aves, que antes de começarem as suas jornadas tornam-se “máquinas de comer”, dobrando o seu peso no espaço de alguns dias.

Antes de descolarem, no entanto, os pássaros encolhem os órgãos digestivos, para reduzirem o excesso de peso, e dobram o tamanho do coração, permitindo-lhes aumentar a rapidez da circulação sanguínea para os músculos das asas.

“Há dez anos, os biólogos diziam que era impossível pássaros deste tamanho fazerem longas jornadas sem pararem, mas isso foi antes destas descobertas”, conta Townshend.

O ambientalista tornou-se célebre, em 2016, devido ao Projeto Cuco de Pequim (‘Beijing Cuckoo Project’), que durante meses seguiu por satélite a rota migratória de cinco cucos, marcados com sensores alimentados a energia solar.

O projeto acabou por perder o contacto com dois dos cucos, mas, em agosto daquele ano, três das aves iniciaram a sua jornada, primeiro rumo à Índia, a partir de onde seguiram para diferentes destinos.

Um dos cucos, apelidado de ‘Skybomb’, partiu do centro da Índia e, sem parar, cruzou o norte do Oceano Índico.

Voando sempre em linha reta, a cerca de 800 metros acima do nível do mar, ‘Skybomb’ atingiu a costa leste de África ao fim de três dias, cumprindo uma jornada de 3.700 quilómetros, sem paragens.

O cuco partiu de seguida rumo ao seu destino final de inverno, Moçambique.

A odisseia desta pequena ave, relatada diariamente por Townshend na rede social Twitter, foi amplamente coberta pela imprensa chinesa e chegou à capa do jornal norte-americano The New York Times.

“De repente, e antes que nos apercebêssemos, havia centenas de milhares de pessoas em todo o mundo a seguir a jornada destes pássaros”, conta.

O ambientalista espera que projetos como este ajudem a alertar para a importância de proteger os locais de que estas aves precisam ao longo das suas jornadas.

“Estes pássaros são capazes de proezas incríveis de resistência”, aponta. “Devíamos dar-lhes mais respeito”.

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