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Segurança nacional em Macau está bem e recomenda-se

António Bilrero, Johnson Chao e Marco Carvalho

O aperfeiçoamento da Lei de Segurança Nacional (LSN) já era uma tarefa assumida pelo Governo de Macau. A tese acabou reforçada após a aprovação por Pequim de legislação sobre a matéria para a vizinha Hong Kong. Juristas ouvidos pelo PLATAFORMA entendem que esse passo é desnecessário porque a lei que vigora desde 2009 tem-se mostrado suficiente para manter a quietude do território.

Para o advogado Frederico Rato, esse aperfeiçoamento “não terá grande justificação”, uma vez que Macau nunca viveu os momentos conturbados de Hong Kong.

“Em Macau nunca houve, historicamente, nem ontem nem hoje, quaisquer pretensões, embandeiradas ou não, de independência, nunca houve manifestações violentas, nunca houve atentados ou destruição de património público ou privado, nunca a polícia teve de usar armas ou bastões, nunca as poucas e escassamente concorridas manifestações pacíficas puseram em causa a quietude e a serenidade habituais da RAEM e dos seus residentes. Por isso, afigura-se-me que esse aperfeiçoamento, sem se saber concretamente o que significa, não terá grande justificação”, diz.

Sobre os recentes acontecimentos em Hong Kong, Frederico Rato lembra que “a apatia constitucional de Hong Kong, que entendeu, durante 23 anos, que não queria ou não podia ou não devia usar o poder – dever de legislar para a regulamentação do art.º 23 da Lei Básica de Hong Kong, no âmbito da sua autonomia, levou à avocação desse mesmo poder pelo órgão soberano e legislativo por excelência, a Assembleia Popular Nacional da República Popular da China”.

Isso significa, prossegue, que o órgão legislativo chinês “retomou o poder constituinte originário que havia delegado na pessoa coletiva de direito público interno local da Região Administrativa Especial de Hong Kong, por completa inércia desta”.

“Quem apanha por tabela os estilhaços dessa preguicite constitucional aguda de Hong Kong? Macau, por certo, com o argumento de que as Regiões Administrativas Especiais da RPC deverão ter estatuto e tratamento semelhante no que respeita à segurança interna e externa do Estado Chinês, sendo Pequim porventura tentado a aplicar a mesma rasoira de Hong Kong a Macau”, prevê.

Por isso, para o jurista, essa “omissão constitucional da RAEHK caiu que nem sopa no mel para o Governo Popular Central tentar resolver a situação de desordem pública e de perturbação violenta da vida de Hong Kong, com a elaboração e promulgação em tempo recorde da “Lei da República Popular da China para a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong” (tradução livre).

Sobre o alcance do aperfeiçoamento da LSN em Macau, entende que essa questão – em matérias como a unidade nacional ou a integridade territorial – já estão claramente defendidos e substancialmente acautelados na lei em vigor desde 2009, “exemplar na definição do tipo legal de crime e no enquadramento punitivo”.

“Por mor da existência da referida Lei, aqueles valores, que são próprios de qualquer estado soberano, nunca serão facilmente postos em causa na RAEM e a prova do seu poder normativo e dissuasório é que, em onze anos de vigência, nunca precisou de ser aplicada”, recorda.

E conclui: “Não se antolha haver novas ou maiores ameaças à segurança nacional em Macau; se o Governo entende que ainda poderá haver matérias a esmiuçar na área da segurança nacional, os limites são, naturalmente o elenco de direitos, liberdades e garantias, exercíveis em toda a sua extensão, constantes da Lei Básica da RAEM e a ´maneira de viver´ de Macau, também consagrada na Lei Básica, não se justificando e sendo completamente desadequado a Macau o figurino adotado para Hong Kong”.

Gabriel Tong, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, diz que a melhoria da LSN da região é “uma discussão interessante por si só”, mas entende que “a situação em Macau não possa ser comparada com a situação em Hong Kong”.

Lembra que o que aconteceu em Macau em matéria de LSN “foi bem feito e, neste momento, se for necessário avançar para uma nova sistematização”, isso “deve ser estudado”.

Acerca do aperfeiçoamento da lei, o jurista diz que prefere “observar e pensar e também ver como funcionam as coisas em Hong Kong, e só depois pensar naquilo que Macau precisa de fazer”. 

Gabriel Tong conclui a dizer “o sistema judiciário [local] está a funcionar bem”.

Para o advogado Jorge Menezes, as recentes declarações de Ran Bo – do comissariado dos Negócios Estrangeiros – quando diz que Macau tem de melhorar a LSN, são “reveladoras de que Pequim já não finge que Macau é governado pelas suas gentes”.

O causídico está “convencido de que as alterações que aí vierem visam silenciar e criminalizar a dissensão política. A China quer afogar a liberdade de expressão. E, consequentemente, a liberdade de imprensa. Ao asfixiar a liberdade de expressão, aniquila-se a crítica política, restando a discordância pública sobre assuntos tipicamente municipais, como placas de trânsito e obras de construção”. 

“Por isso, inspirados na solução improvisada para Hong Kong, irão usar a LSN para silenciar a população de Macau. Macau recebe, como prémio de bom estudante, pitadas de mais repressão. O objetivo último de tudo isto é, creio, evitar que transborde para a China qualquer inspiração libertária. Este pavor é típico de regimes totalitários com ditadores vitalícios”, afirma.

Já para o jurista Sérgio de Almeida Correia, a declaração de Ran Bo “é incompreensível uma vez que para melhorar, ou seja, neste caso, legislar e/ou regulamentar de novo, seria necessário previamente identificarem-se as falhas, omissões, lacunas do texto vigente”. 

“Não tendo havido até hoje um único caso em que houvesse necessidade de recorrer à LSN e sendo esta uma lei tecnicamente bem conseguida de um ponto de vista jurídico, com uma adequada definição dos crimes e com molduras penais ajustadas ao nosso sistema, não consigo vislumbrar qual a necessidade de alteração que se tem em vista”, diz.

“Não pode haver a tentação de legislar por legislar, indo a reboque dos vizinhos, e só porque em Hong Kong estão fartos de fazer disparates. Macau não é igual a HK e tem a sua própria identidade. Se assim não fosse teríamos uma única região administrativa especial para os dois territórios”, atira.

Para o deputado Sulu Sou, em declarações ao PLATAFORMA, a LSN de Hong Kong, “por ser muito severa, é perigosa para a autonomia da região administrativa, assim como para o lema ´a população de Hong Kong a governar Hong Kong´ ”. 

Por outro lado, ao longo dos últimos dois anos tem-se falado em incluir nas Linhas de Ação Governativa de Macau emendas à LSN do território, mas até ao momento não foram discutidos quaisquer detalhes. 

“Talvez algumas pessoas acreditem que é preciso implementar a LSN de Hong Kong em Macau, mas não vejo essa necessidade”, disse.

Lembrou que ao longo dos últimos 11 anos, Macau nunca necessitou de recorrer à LSN, tendo, “mesmo assim, sofrido com um crescimento da autocensura que põe em causa a liberdade de expressão na cidade”. 

“O que mais me preocupa é que as autoridades estendam o significado da lei de segurança nacional e abusem da mesma”, admitiu.

Para Elio Yu, professor associado da Universidade de Macau, caso seja aprovada uma lei semelhante em Macau, esta deverá seguir e fazer referência à LSN de Hong Kong, garantindo que os sistemas em ambas as regiões são semelhantes. Admitiu ainda que “a vontade de a implementar virá de Pequim”.

Macau, por certo, com o argumento de que as Regiões Administrativas Especiais da RPC deverão ter estatuto e tratamento semelhante no que respeita à segurança interna e externa do Estado Chinês, sendo Pequim porventura tentado a aplicar a mesma rasoira de Hong Kong a Macau – Frederico Rato

A China quer afogar a liberdade de expressão. E, consequentemente, a liberdade de imprensa. Ao asfixiar a liberdade de expressão, aniquila-se a crítica política, restando a discordância pública sobre assuntos tipicamente municipais, como placas de trânsito e obras de construção” – Jorge Menezes

A melhoria da LSN da região é ma discussão interessante por si só”, mas entende que “a situação em Macau não possa ser comparada com a situação em Hong Kong”. “foi bem feito e, neste momento, se for necessário avançar para uma nova sistematização”, isso deve ser estudado – Gabriel Tong

Não pode haver a tentação de legislar por legislar, indo a reboque dos vizinhos, e só porque em Hong Kong estão fartos de fazer disparates. Macau não é igual a HK e tem a sua própria identidade. Se assim não fosse teríamos uma única região administrativa especial para os dois territórios – Sérgio de Almeida Correia

“Talvez algumas pessoas acreditem que é preciso implementar a LSN de Hong Kong em Macau, mas não vejo essa necessidade”, disse.Macau nunca necessitou de recorrer à LSN, tendo, “mesmo assim, sofrido com um crescimento da autocensura que põe em causa a liberdade de expressão na cidade” – Sulu Sou

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