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Ativistas de Hong Kong temem pelo futuro

Marco Carvalho

A imposição em Hong Kong, por parte das autoridades de Pequim, da Lei de Segurança Nacional prenuncia o fim da autonomia da antiga colónia britânica e o colapso do cosmopolitismo da cidade enquanto centro financeiro internacional. O veredicto é traçado ao PLATAFORMA pelos dirigentes de duas das principais forças pró-democráticas da Região Administrativa Especial chinesa. Nathan Law e Avery Ng deixam, ainda assim, um aviso: “Hong Kong vai resistir”.

“As pessoas estão preocupadas. Acreditam que a Lei da Segurança Nacional vai destruir Hong Kong e dilacerar a autonomia de que o território deveria usufruir ao abrigo do princípio “Um País, Dois Sistemas”.

Nathan Law não esconde a inquietude, mas também não se deixa atemorizar pela mais recente tentativa, gizada por Pequim, para serenar os ânimos numa região que foi, ao longo do último ano, tomada pela contestação. Hong Kong, assegura, não se renderá.

Aos 26 anos, o fundador e antigo líder do Partido Demosistō é um dos principais rostos da oposição ao Partido Comunista chinês e ao Governo local. Law teme que a imposição da lei, anunciada na semana passada pelo Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, tenha por único desígnio silenciar toda e qualquer voz dissidente numa região com uma população superior a sete milhões.

“O propósito de Pequim ao implementar a lei é de processar as pessoas por aquilo que elas dizem ou por aquilo que elas pensam. É algo que me vai visar pessoalmente, mas estou longe de ser o único afetado. Em Hong Kong são muitas as pessoas sob ameaça”, alerta o ativista. “A partir do momento em que alguém assuma uma posição que vá contra as políticas promovidas por Pequim, pode ser processado e julgado e esse é o verdadeiro perigo que se esconde por detrás da Lei da Segurança Nacional”, assume Nathan Law, em declarações ao PLATAFORMA.

Para Avery Ng, que presidiu até ao início de Março à Liga dos Social-Democratas, um movimento tido como “radical” por Pequim, a imposição da lei na maior das Regiões Administrativas Especiais chinesas constitui, antes de mais, uma afronta à Lei Básica e ao direito dos residentes de Hong Kong de se pronunciarem sobre o próprio futuro. 

“Esta decisão contorna e ignora a Lei Básica. Mas mais do que isso, despreza e desconsidera o Estado de Direito ao permitir que as leis chinesas sejam aplicadas em Hong Kong”, sustenta o ativista, de 43 anos, durante uma entrevista ao PLATAFORMA por via telefónica. 

“O âmbito da Lei ainda é muito incerto, mas tememos que venha a ser usada para suprimir toda e qualquer voz da oposição. Na China, as leis contra a subversão têm sido usadas pelo Partido Comunista para prender dissidentes, mesmo que não tenham feito mais do que expressar opinião. Se esta lei for introduzida vai mergulhar a sociedade de Hong Kong numa nova era de medo e de incerteza e vai, muito certamente, ter um impacto adverso tanto na economia, como no estatuto de Hong Kong como centro financeiro internacional”, sustenta Avery Ng.

A legislação, considera o analista Larry So, vai inevitavelmente cercear direitos como a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa e dotar as autoridades de Hong Kong de legitimidade e mecanismos legais para suprimir os protestos no território, sobretudo os mais violentos: “O Governo e polícia vão passar a dispor de razões mais fundamentadas para deter muitos destes manifestantes. Podem muito facilmente invocar esta lei, prendê-los e processá-los. A forma como muitos dos manifestantes mais jovens agem em Hong Kong e algumas das posições que advogam estão frontalmente contra o espírito da Lei da Segurança Nacional”, sustenta o académico, para quem o Governo chinês tem poder e autoridade para formular e impor a legislação que bem entender.

A mesma perspetiva é evocada por Jorge Neto Valente, que considera inequívoco o direito, por parte do Governo central e da Assembleia Nacional Popular, “de aprovar as leis que quiserem dentro do país” e de as aplicar em Hong Kong. O presidente da Associação dos Advogados de Macau lamenta, contudo, que a opção de Pequim não tenha sido a de seguir o caminho previsto na Lei Básica: “Não sei se é o fim do segundo sistema, mas fico muito triste. Eu preferia que tivesse sido o Conselho Legislativo de Hong Kong a fazer a lei que lhe cumpria fazer, a lei associada ao Artigo 23”, defende o causídico. “O Governo Central resolveu ir para um ato que não está previsto na Lei Básica (…) Na minha opinião, preferia que fosse usado o Artigo 23, que é um comando que está na Lei Básica, do que vir por esse caminho, mas foi o caminho que as circunstâncias ditaram. Penso que não vai contribuir para a pacificação da sociedade de Hong Kong. E tenho pena”, admite o jurista.

Pequim defende que a imposição da lei visa combater a secessão, a subversão, a interferência estrangeira e o terrorismo e garante que o diploma vai afetar um pequeno número de residentes. As explicações não convencem Nathan Law, que garante que Hong Kong vai continuar a resistir: “Para ser sincero, todos estamos preocupados com o futuro, mas não é por estarmos preocupados que vamos deixar de lutar. Vamos persistir, nunca nos renderemos”, assegura o fundador do Demosistō. 

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