Poucos dias após a realização da Assembleia Nacional Popular da China, o Plataforma juntou Leonídio Paulo Ferreira, diretor interino do Diário de Notícias (Portugal) e José Carlos Matias, diretor da Macau Business, para analisarem o impacto da pandemia na política interna chinesa e na sua relação com o mundo.
Os dois analistas são peremptórios: a coronacrise veio acentuar a tensão entre os Estados Unidos e a China, os dois maiores blocos económicos e militares do mundo.
“A tensão já é estrutural”, vinca o diretor interino do DN, sustentando que “os EUA estão a tentar defender a sua superioridade que ainda prevalece ao nível do PIB e da capacidade militar no mundo. E a China tem noção disso”.
Posição reforçada por José Carlos Matias quando acrescenta que “a China está neste momento focada no desenvolvimento do seu mercado interno. Foi vincado na Assembleia Popular a necessidade da ideia da autossuficiência, uma espécie de desglobalização”.
E a China vive uma situação económica delicada, registando uma queda 6,8% no primeiro trimestre do ano devido ao coronavírus. Situação que levou a que a meta de crescimento anual não fosse inscrita nas conclusões dos trabalhos da Assembleia Nacional Popular.
Esta omissão, assumida pelo primeiro-ministro Li Keqiang marca a primeira vez que a China não determina uma meta para o PIB (Produto Interno Bruto) desde que o governo começou a publicá-las em 1990.
E esta situação chinesa é, segundo Leonídio Ferreira, um “forte aliado de Trump. O presidente dos Estados Unidos sabe que se a China continuasse com os elevados ritmos de crescimento levaria apenas mais uma década até que o PIB norte-americano fosse ultrapassado”.
O jornalista português usa mesmo a metáfora de um jogo de xadrez para explicar esta correlação de forças a nível económico: “Neste momento, os EUA têm uma rainha no tabuleiro e a China tem bispos. No dia em que a China também tiver uma rainha… tudo muda. E é isto que Trump quer evitar a todo o custo”.
José Carlos Matias adianta que “não ficou claro nesta Assembleia Nacional quais os passos que o governo chinês quer dar e paira um cenário de grande incerteza no país”.
O diretor do Macau Business recorda dualidade da crise provocada pela covid-19: “Se por um lado ela veio enfraquecer o ritmo de crescimento económico por outro está a ser utilizada como forma de legitimização das políticas chinesas no reforço do mercado interno”.
Mas o mundo não se divide entre EUA e China. E a Europa?
Os protagonistas do debate Plataforma concordam que o Velho Continente é peça fundamental no ‘jogo’ dos dois blocos. O diretor do Diário de Notícias não tem dúvidas em indicar que a força devastadora com que a covid-19 atingiu as potências europeias veio gerar “um clima de mais incerteza na sua relação com a China”, recordando que a “força da China é agora diferente daquela verificada na anterior crise financeira europeia”. Destacando aqui Portugal que sempre manteve uma posição muito favorável com a China, numa relação de grande reciprocidade, ,mas lembra as palavras que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, usa para classificar os dois blocos: “Estados Unidos são um aliado e a China um parceiro.
Leonídio Paulo Ferreira garante que a posição da China em relação a Portugal mantém-se: “É sempre a porta para todo o mundo lusófono”. E aponta: “não é por acaso que há mais de cinco mil estudantes de português na China”.
Outras das crises que o país de Xi Jinping está a viver prende-se com a relação com Hong Kong. O debate Plataforma não deixou passar em claro esta situação com José Carlos Matias a dar nota do regresso das manifestações às ruas. “Ficou claro, nesta Assembleia Popular, que a China vai fazer vincar a a provação do artigo 23 no parlamento de Hong Kong. A soberania territorial é um conceito de que o governo chinês não abre mão”. E recorda que quando “Pequim viu os seus símbolos nacionais – nomeadamente a bandeira – serem destruídos nas ruas juntamente com a invasão do parlamento, reforçou as medidas de força sobre os opositores”.
No remate desta conversa-debate, os dois analistas convidados do Plataforma não quiserem deixar passar em claro a morte de Stanley Ho, recordando legado deixado pelo empresário quer na construção do Macau moderno quer no fortalecimento das relações entre Macau e Portugal.
“É uma figura central de Macau no cenário pós II Guerra Mundial. Era uma notícia esperada, pelos seus 98 anos, mas também pela frágil condição física que viveu na última década. E será recordado não só com o rei do jogo, mas também pela forma filantropa como pautou a sua vida perante as comunidades macaenses e portuguesas”, acentuou o diretor do Macau Business.
Para além de enaltercer a figura hoje desaparecida, Leonídio Ferreira recordou uma pequena história de como se sabe como começa, mas nunca se sabe como é que acaba: “A mãe de Roberto Carneiro, ex-ministro da Educação de Portugal, era macaense e, contava, que enquanto jovem tinha dois pretendentes: um músico e um croupier…. escolheu o músico”.