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O défice improvável

Apesar do surto de Covid-19, o défice orçamental em 2020 dificilmente chegará ao valor de 40 mil milhões de patacas previstos pelo Governo de Macau, dizem um economista e um especialista em fiscalidade, que preveem que as receitas do jogo irão cair menos do que o temido.

Os números divulgados na semana passada eram negros. As receitas públicas tinham caído mais de 2,9 mil milhões de patacas em comparação com os primeiros dois meses de 2019, enquanto o Governo anunciava 2,7 mil milhões de patacas para estimular a economia de Macau, afetada pelo surto do novo coronavírus, conhecido como Covid-19.

O secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, não hesitou em anunciar que “o défice este ano será de 40 mil milhões de patacas” (4,4 mil milhões de euros).

“Trata-se de uma previsão feita com base num cenário económico extremamente mau para Macau que dificilmente se verificará” disse ao PLATAFORMA João Janela. O especialista em fiscalidade defende que a “quebra importante” nas receitas “está longe de comprometer o equilíbrio das contas públicas nos valores que foram avançados”.

Uma opinião partilhada por Albano Martins: “É um valor exagerado, que seria quase 10 por cento do PIB [Produto Interno Bruto] de 2018”. O economista lembrou ao PLATAFORMA que Macau registou um saldo positivo de quase 12 mil milhões de patacas até ao final de Fevereiro.

Ainda assim, a cidade irá terminar 2020 com um inédito défice orçamental, diz Albano, que acredita que o Governo irá injetar mais dinheiro na economia. As medidas já anunciadas, que incluem subvenções na água e eletricidade e vales de consumo, “levam tempo, o que é um problema. Vai depender do que acontecer neste mês”, diz o antigo analista da Autoridade Monetária de Macau.

Albano estima que o Governo poderá injetar até 21 mil milhões de patacas na economia. Segundo cálculos (ver tabela) do economista, nesse cenário só se as receitas públicas caíssem pelo menos 41 por cento é que o défice atingiria 40 mil milhões de patacas.

Dependência para que te quero

As receitas brutas do jogo, a principal indústria do território, caíram 87,8 por cento em Fevereiro, após a China continental ter suspendido a emissão de vistos de turismo para Macau, no final de Janeiro. “O impacto do coronavírus no setor do jogo tem sido enorme. Os casinos não têm clientes”, disse ao PLATAFORMA o diretor da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau, Samuel Huang Guihai.

Mas João Janela diz que “o comportamento do mercado do jogo demonstra consistentemente uma boa reação” após duas semanas de encerramento. Os casinos não deverão voltar a fechar portas graças ao “sucesso da atuação do Governo” face ao Covid-19 e a quebra nas receitas “não será tão grande quanto seria de esperar”, prevê o sócio da Tax Intelligence.

Também Albano Martins acredita que as operadoras de jogo já estão no terreno a tentar relançar a indústria. “O problema é que têm menos clientes de massas. Estão a pagar comissões maiores para terem jogadores VIP”, sublinha o economista.

“Daí até se atingirem prejuízos vai, no entanto, um enorme caminho”, acrescenta João Janela. Com os grandes investimentos, nomeadamente nos empreendimentos no Cotai, já concluídos, poderá bastar aos casinos “alguma contenção nos custos operacionais” para manter resultados positivos, diz o especialista em fiscalidade.

Para Samuel Huang, o surto de coronavírus pode ser uma excelente oportunidade para reduzir a dependência das receitas públicas face ao setor dos casinos (ver caixa), através da diversificação económica. Macau continuará a ser o lugar preferido para os jogadores da China continental graças à vantagem da língua, mas no futuro a competição vai apertar, nomeadamente no Japão, avisa o economista.

“Não se pode é esperar que seja o Governo a planear e a fazer tudo”, sublinha João Janela. “A mentalidade da população de Macau tem de mudar e demonstrar ser empreendedora”, diz o sócio da Tax Intelligence. 

Nada mais certo que os impostos

Nem João Janela nem Samuel Huang acreditam que o Governo pondere alargar a base tributária ou aumentar outras taxas para reduzir a dependência do orçamento público face aos impostos diretos sob os casinos.

Aliás, a própria Lei Básica de Macau prevê uma “política de baixa tributação”, com a exceção do setor do jogo, sublinha João Janela. “Não existe muita margem de manobra desde logo por esta via”, diz o antigo coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico dos Serviços de Finanças.

Seria “impensável” aumentar os impostos

Além disso, acrescenta o especialista, uma maior carga fiscal iria penalizar sobretudo as pequenas e médias empresas e os trabalhadores, exatamente aqueles que o Governo pretende “proteger e apoiar” com as medidas já anunciadas na sequência do Covid-19.

Também Samuel Huang acredita que seria “impensável” para o Governo aumentar agora os impostos. Nem a própria opinião pública iria aceitar isso, diz o diretor da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau, tendo em conta que a região tem uma reserva fiscal no valor de 570 mil milhões de patacas.

Vítor Quintã 13.03.20

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