Início » “Valeu a pena aderir ao princípio de Uma Só China”

“Valeu a pena aderir ao princípio de Uma Só China”

É a primeira embaixadora de São Tomé e Príncipe na China depois do reatamento das relações entre os dois países, vai para dois anos. A embaixada abriu em Pequim há um mês. Para Isabel Domingos a normalização das relações diplomáticas bilaterais foi uma decisão virada para o futuro 

– Passaram quase dois anos sobre o restabelecimento das relações diplomáticas entre São Tomé e Príncipe e a China (26 de dezembro de 2016). O que aconteceu nesse período?

Isabel Domingos – Muita coisa boa. Por exemplo, os projetos que estão neste momento em curso no setor da saúde, das infraestruturas, da agricultura são a prova do interesse de ambos os países. Quer a República Popular da China, quer a República Democrática de São Tomé e Príncipe estão empenhadas em continuar a promover esse relacionamento. Há um esforço conjunto para continuar a desenvolver para o futuro essa relação. Um relacionamento que vai apenas a caminho de completar dois anos e cujos resultados, bem visíveis, são uma demonstração de grande interesse e engajamento das partes na sua execução.

– Há mais projetos a caminho?

I.D. – Sim. Há outros projetos a ser trabalhados nesta altura. São Tomé pretende dar mais a conhecer da sua História, da sua cultura e tradições à sociedade chinesa. Do lado da China existe a mesma vontade e disponibilidade. Além disso, também queremos mobilizar e impulsionar investimentos privados chineses no país, tendo em conta o nível de atratividade, de potencial em diferentes áreas, como as pescas, a agricultura, o turismo e o setor de transformação alimentar. Há bons motivos para poderem fazer os seus investimentos em São Tomé. 

– E estão criadas condições para captar esses investidores?

I.D. – Certamente. Existem vários pacotes de incentivos, designadamente fiscais. Além disso está em curso uma reforma do setor da justiça. Para garantir, por um lado, mais celeridade na Justiça aos cidadãos são-tomenses, por outro, dar mais segurança, quer aos investidores nacionais, quer aos estrangeiros. Queremos garantir que façam os seus investimentos no país com tranquilidade. Ou seja, estamos a preparar mais e melhores medidas e incentivos para receber investimento privado estrangeiro.

– O que é que a República Popular da China pode dar a mais, a São Tomé e Príncipe, comparativamente com Taiwan, com quem o país se relacionou diplomaticamente durante 19 anos (entre 1997 e 2016)?

I.D. – Acredito que tudo. Sendo a República Popular da China o que é, uma das maiores potências mundiais, líder em diferentes e variados setores, com uma experiência de reforma de 40 anos, reforma essa virada para a melhoria das condições de vida da população e possuindo uma panóplia bastante diversificada de empresários com grande capacidade de investimento, penso que estes constituem alguns dos grandes atrativos para que São Tomé e Príncipe possa promover cada vez mais esse relacionamento.

– Foi então uma decisão acertada?

 I.D. – Foi uma decisão para o futuro. A China é um país do futuro, para o futuro e aberto a um relacionamento de ganhos partilhados. Neste sentido, por exemplo, a iniciativa ‘Uma Faixa uma Rota’ abre caminho e traz oportunidades para que cada um possa explorar mais aquilo que, no fundo, acaba por ser o seu potencial. Acredito que São Tomé, enquanto país que ambiciona um crescimento e um desenvolvimento sustentável, tem tudo a ganhar com esse relacionamento com a China. Logo, em boa hora, pensando no país e nos são-tomenses, reatámos esse relacionamento que tem decorrido de forma brilhante e com satisfação para ambas as partes.

– Além das infraestruturas que tipo de investimento chinês é bem-vindo a São Tomé?

I.D. – Em primeiro lugar, as infraestruturas são a base de tudo. Depois delas, outras iniciativas vêm atrás. A formação, por exemplo, é outra das nossas grandes apostas nesta fase de relacionamento com a China. Só para se ter uma ideia da relevância da formação, mais de 60 por cento da população são-tomense está abaixo dos 25 anos. Somos um país extremamente jovem onde a procura pela formação superior, hoje, acaba por ser um desafio muito grande para o país e os seus dirigentes. Temos uma taxa de inclusão, do pré-escolar ao ensino secundário, acima dos 95 por cento. Há um grande sucesso na fase final do secundário: mais de 1500 estudantes terminam o 12.º ano por cada ano letivo. Por isso existe uma forte pressão no acesso ao ensino superior.

– Como pensam aproveitar esse aproveitamento escolar?

I. D. – Dentro das grandes áreas já identificadas como prioritárias para o desenvolvimento do país, como o turismo, o setor da transformação e a própria agricultura – que será sempre uma componente importante do tecido económico do país – queremos ter quadros profissionais qualificados para responderem a esses desafios. Acreditamos que a formação é um investimento a longo prazo que traz muitos benefícios para o país. Por isso queremos reforçar o relacionamento com a China nesta área e, em função das necessidades, encontrar formas de impulsionar uma maior intervenção numa ou noutra área.

– A língua é uma barreira. Aqui podem entrar o português, Macau e o Fórum Macau. Qual o papel neste intercâmbio? 

I.D. – O Fórum é o mecanismo que a China adotou para Macau ser uma plataforma comercial e de investimento com os Países de Língua Portuguesa (PLP). Tem os seus procedimentos. Ao captar e orientar recursos, mobilizando empresários em diferentes áreas para investimentos nas várias geografias, o Fórum cumpre o seu papel. E é isso que esperamos dele. Que possa, dentro das suas competências e atribuições, ajudar-nos a ultrapassar as tramitações específicas da China para conseguirmos retirar benefícios daquilo que, no fundo, está à nossa disposição. Vamos trabalhar com o Fórum para que, além das disponibilidades já existentes, tenha sensibilidade para canalizar ações e iniciativas, tendo em atenção as especificidades de São Tomé e Príncipe, enquanto um país insular. 

– E quais são essas especificidades?

I. D. – Ser um país formado por ilhas e ilhéus e ter um mercado não tão vasto como Angola ou Moçambique, por exemplo. Somos apenas 200 mil pessoas, temos um tecido empresarial, não de grande dimensão, mas de pequenas e médias empresas. A capacidade de atração de investimento não é tão elevada como em outras realidades e geografias. Isso tem sido exposto, nomeadamente nos diferentes encontros que mantivemos nestes dias [no âmbito da presença de São Tomé na Feira Internacional de Macau, MIF (sigla em inglês)].

– E qual foi a recetividade em Macau a essas especificidades?

I.D. – Aquilo que observámos do lado das autoridades de Macau, além das questões mais gerais, foi sensibilidade e disponibilidade para analisar as particularidades de São Tomé e Príncipe e vermos, em conjunto, de que forma podemos beneficiar das diferentes prerrogativas que Macau possui no quadro de plataforma comercial e de investimento entre a China e os PLP. Por exemplo, quando se fala em formação a questão da língua é sempre uma matéria em cima da mesa. 

– E onde entra o bilinguismo?

I.D. – A formação bilingue foi uma questão vastamente trabalhada em todos os encontros que mantive com as autoridades, porque pretendemos que o relacionamento entre São Tomé, Macau e a China não seja apenas institucional, mas passe para o nível dos cidadãos. E isso só acontece quando os cidadãos comunicam e interagem em diferentes momentos, partilhando a cultura e as tradições, os hábitos, efetivando assim a amizade e a cooperação que existe entre nós. Isso só é possível com maior interação, mais intercâmbio e mais participação em diversos momentos, designadamente culturais. E aí língua será sempre um fator presente. Portanto já lançámos o repto: queremos mais formação na língua chinesa para assim melhor dar a conhecer São Tomé à China. 

– Tem números sobre a comunidade são-tomense na China e a chinesa em São Tomé?

I. D. – Neste momento a comunidade são-tomense na RPC é, basicamente, estudantil. Temos 135 estudantes no ensino superior no continente. Em Macau, entre estudantes e outros membros da comunidade, rondaremos as 35 pessoas. Portanto, teremos hoje uns 170 são-tomenses inseridos na República Popular da China. Já quanto ao número de cidadãos chineses fixados em  São Tomé esse é mais difícil de obter, porque as pessoas chegam por diferentes motivos: Uns para trabalhar, outros integrados em missões empresariais, ou como turistas ou como técnicos especializados. Posso apenas assegurar que esse número tem vindo a crescer, de forma sustentada. Isso é notório pela procura que fazem hoje, na embaixada em Pequim. Abrimos no passado dia 05 de Setembro. Mas temos ‘n’ pedidos de vistos ou pedidos de informações de como se pode entrar em São Tomé. 

– Quais são as prioridades para uma embaixadora neste reatar de relações diplomáticas?

I. D. – É uma missão bastante desafiadora. É importante dar a conhecer São Tomé e Príncipe  à China. Muitas pessoas não sabem a localização e o potencial do país. É necessário que a embaixada e eu, enquanto embaixadora, encontremos formas de disponibilizar, em diferentes momentos em diferentes cenários, essa informação. Por outro lado é preciso procurar, sempre, facilitar o caminho para o reforço e o fortalecimento das relações diplomáticas, comerciais e culturais bilaterais. A embaixada, como tal, tem um papel essencial em informar, facilitar, orientar e viabilizar todos os mecanismos de relacionamento entre os dois estados. 

– A balança comercial entre os dois países é muito desequilibrada, em desfavor de São Tomé. Quais os principais produtos nas trocas comerciais bilaterais?

I.D. – O setor alimentar pesa muito na rubrica das importações de São Tomé. Basicamente, o arroz é a principal importação da China. Mas, a este, juntam-se muitos outros produtos alimentares variados. Já as exportações estão baseadas no cacau, na pimenta, incluindo a biológica e no café. Mas estas são, basicamente, os três produtos certificados que o país produz e vende ao exterior.

– Quase dois anos relações diplomáticas, pouco mais de um mês de abertura da embaixada em Pequim, cerca de ano e meio de adesão Fórum Macau. Que balanço? Valeu a pena? 

I.D. – O balanço é extremamente positivo. Valeu e continuará a valer sempre a pena termos aderido ao princípio de Uma Só China. Os resultados são visíveis. As autoridades estão bastante satisfeitas com este relacionamento. Na minha presença em diferentes cenários de atividades tenho sentido um acolhimento bastante caloroso de todas as entidades. Acredito quer estão criadas todas as condições para estreitar ainda mais este relacionamento… 

António Bilrero 26.10.2018

FOTOS: cheong kam ka/Macau link

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!