A China conhece pela primeira vez um saldo negativo na sua balança de investimento. A consultora americana Rhodium espera reformas para segurar investimento e maior escrutínio sobre o capital usado para financiar aquisições no estrangeiro.
Após mais de três décadas a capitalizar excedentes na balança de investimentos com o exterior, a China está pela primeira vez perante um saldo negativo entre o dinheiro que entra e o que sai no que toca a investimentos produtivos. Há mais investimento no exterior do que aquele que procura o mercado chinês para singrar, e isso pode beneficiar a prazo as empresas estrangeiras.
A conclusão parte da consultora norte-americana Rhodium Group, com sede em Nova Iorque, que avalia as causas e implicações do desequilíbrio na formação transfronteiriça de ativos para concluir que é cada vez maior a preocupação de Pequim com o cenário no quadro de combate à saída de capitais da China e procura de estabilidade cambial.
Em resultado, antecipa a Rhodium, é também cada vez maior a pressão para que o Ministério do Comércio chinês implemente reformas que garantam maior acesso ao mercado por parte de empresas estrangeiras. Por outro lado, o investimento chinês no exterior deverá passar a ser ditado por critérios de natureza financeira e não tanto por estratégias políticas e de diplomacia.
Em 2014, a China apresentava um excedente no valor de 36 mil milhões de dólares norte-americanos no saldo de investimento direto externo. Já no primeiro trimestre deste ano o país conheceu um défice de 23 mil milhões de dólares para o qual contribuiu, principalmente, um crescimento acelerado dos investimentos de empresas chinesas no exterior, mas contribuiu também a retração das empresas chinesas com operações na China devido à elevada volatilidade do mercado cambial, a um sentimento negativo sobre as expetativas de crescimento chinês e ainda menores retornos sobre o investimento feito no país.
Já em Maio, os dados divulgados pelo Ministério do Comércio chinês apontam para uma queda de 1 por cento no valor do investimento direto externo no país, que totalizou 8,9 mil milhões de dólares norte-americanos. Os resultados mensais prejudicam a média dos cinco primeiros meses do ano, em que o investimento em ativos produtivos por empresas estrangeiras cresceu 3,8 por cento para 54,2 mil milhões de dólares.
“Os líderes chineses não podem ter por adquirido o enorme excedente de investimento direto externo das últimas décadas, e há o risco significativo de que o défice se agrave”, escrevem os analistas Thilo Hanemann e Daniel Rosen na nota da Rhodium, afirmando que fatores como o estatuto de fabrica do mundo, a perspetiva de crescimento económico a dois dígitos e uma moeda e progressiva apreciação deixaram de contar nas decisões de investimento.
Segundo a consultora, há uma quebra de confiança no mercado chinês e, por outro lado, há também um elevado grau de incerteza sobre a possibilidade de adoção no futuro de tradicionais estratégias de ‘carry-trade’ para colher benefícios na China. Em 2105, observou-se por parte das empresas chinesas e estrangeiras com operações na China uma tendência de redução de ativos em renminbi e de redução das responsabilidades em dólares norte-americanos após as mudanças introduzidas pelo Banco Popular da China no sistema de câmbio, com uma imediata depreciação da moeda do país contra a dos Estados Unidos.
Mas há mais fatores a considerar, numa altura em que as câmaras de comércio que agregam empresas europeias e Estados Unidos denunciam fracasso por parte do Governo Central em implementar reformas que garantam melhor acesso ao mercado. “O crescimento anémico do investimento direto externo é parcialmente reflexo do abrandamento do crescimento chinês e de alterações estruturais como custos de trabalho mais elevados e outros outros fatores de custos. É também resultado do lento progresso da China em reformar as suas políticas de investimento externo”, defendem Hanemann e Rosen.
A Rhodium prevê que a balança de investimento chinês não retorne a uma trajetória de excedentes, e sublinha que esta perspetiva tem sido motivo de preocupação para os decisores económicos chineses à medida que o banco central do país se vê obrigado a esforços significativos para equilibrar o valor da moeda face à chamada fuga de capitais do país.
Se o investimento chinês no exterior é o principal fator de desequilíbrio da balança de investimento externo, pouco haverá a fazer neste capítulo em resultado da estratégia de internacionalização das empresas do país e do compromisso das lideranças chinesas com um investimento anual na ordem dos 200 mil milhões de dólares até 2020. A consultora vê apenas margem para que os reguladores exerçam pressão informal sobre a banca para que esta limite o acesso das empresas chinesas a divisas externas e para que as decisões de investimento passem a ser pautadas por critérios mais rígidos de razoabilidade financeira, e menos por orientações de caráter político.
Já do lado do capital de longo termo direcionado ao mercado chinês, a margem é maior. E, segundo a Rhodium, tem também potencial para ser mais eficaz, devendo o Ministério do Comércio chinês implementar sem demoras uma única lista negativa nacional para o investimento externo, bem como abrir novos setores às empresas de fora.
“A forma mais prometedora de alterar significativamente a psicologia negativa é implementar reformas fundamentais que restaurem a confiança no crescimento e criem um plano mais equilibrado para os investidores estrangeiros na China”, afirmam os consultores.
Maria Caetano