O terrorismo tem uma face cada vez mais assustadora. Tudo pode acontecer, com poucos meios e em qualquer lugar, o que “torna muito difícil o combate preventivo”, explicou terça-feira Júlio Pereira, na Fundação Rui Cunha. Dado o perfil dos novos ataques, bem como as circunstâncias geopolíticas que os promovem, as perspetivas “não são boas”, avisa o procurador-geral adjunto e antigo responsável pelos Serviços de Informação e Segurança em Portugal. Surge entretanto outra preocupação: na ânsia da prevenção, os regimes jurídicos ocidentais caiem na tentação de autonomizar como crime todo e quaisquer ato eventualmente preparatório de um ataque terrorista.
Uma jurista da Administração, que em Macau lida com a adaptação do ordenamento jurídico local aos novos enquadramentos, nomeadamente vindos da União Europeia e das Nações Unidas, expôs desta forma o risco do exagero: “Qualquer dia estamos a autonomizar como crime um pequeno-almoço pago a quem depois compra uma viagem a outra pessoa que viaja para a Síria ou para o Iraque”, teatros onde se sabe que são ministrados treinos para futuros ataques terroristas. Júlio Pereira concorda: “Esse é talvez o problema mais complicado entre os vários aqui hoje referidos”, reconheceu, analisando a resposta que o Direito Penal tenta dar ao terrorismo.
As pessoas habituaram-se a serem revistadas nos aeroportos, a tirarem os sapatos nas alfândegas e a outras rotinas de segurança inexistentes antes do ataque às Torres Gémeas, nos Estados Unidos (11 de Setembro de 2001). Entretanto, a reação securitária mudou também as fronteiras predefenidas entre o direito à privacidade e a necessidade das forças de segurança vigiarem emails, telefones, redes sociais, etc. O debate resiste, mas não impede o avanço das teses securitárias. A realidade é que o pacote legislativo excecional aprovado pelo Senado norte-americano acabou por formatar a tendência dos ordenamentos jurídicos ocidentais, que voltam agora a reagir, sobretudo depois dos últimos atentados em França e na Bélgica.
Jogo contra o medo
O terrorismo tenta pelo medo, provocar o reconhecimento político. E embora a reação dos Estados seja sempre dizer que “não negoceia com terroristas, muitas vezes acaba por haver negociações ou algum tipo de reconhecimento”, admite Júlio Pereira, alertando para este “jogo contra o medo” que se vive um pouco por todo mundo, de forma
especialmente vincada no centro da Europa.
O combate ao terrorismo deve ser hoje visto de forma “híbrida”. Ou seja, explica Júlio Pereira, “é uma questão de defesa”, a partir do momento em que os terroristas têm bases territoriais que devem ser atacadas, como estão a fazer os Estados Unidos e seus aliados na Síria e no Iraque. Mas também é uma “questão de segurança”. Independentemente dos ataques, consumados ou não, esse é o terreno em que o terrorismo parece ter imposto cedências, aparentemente incontornáveis. É hoje cada vez mais consensual a tese de que é preciso um compromisso entre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e os instrumentos de vigilância e repressão que as forças de segurança e o poder judicial necessitam para se agir preventivamente. “Tem de haver um equilíbrio”, sintetiza Júlio Pereira, entendendo que, embora haja o risco de exageros securitários, também não se pode ser ingénuo na defesa das liberdades e da proteção dos dados individuais: “A liberdade e a segurança não são coisas separadas. E as medidas securitárias serão legítimas na medida em que protegem e defendem a nossa liberdade”. Ou seja, “as escutas preventivas” e outras exceções do género fazem parte de um novo contrato social que assumidamente recua em relação a conquistas anteriores no campo da privacidade e dos direitos do indivíduo face ao Estado, a quem são entregues poderes especiais a troco de garantir que os seus cidadãos tenham a liberdade de frequentar o espaço público com menos risco de serem vítimas do terrorismo.
Direito do inimigo
Günther Jakobs, professor de Direito Penal e Filosofia do Direito, introduziu em 1985 o conceito segundo se assume a existência de pessoas que, por serem inimigas da sociedade, ou do Estado, não merecem a proteção do Direito Civil nem do Direito Penal. No fundo, “não merecem ser tratadas como pessoas”, resumiu Júlio Pereira, deixando a indicação de que o Direito Penal de alguma forma caminha para se render a este conceito, no que toca ao combate ao terrorismo. Até porque, frisou, o Direito Penal aplica-se por natureza depois de cometido o crime, o que no caso do terrorismo se assume ser insuficiente, razão pela qual se assume hoje este impulso para a autonomização dos crimes preparatórios.
Risco escasso em Macau
Steve Vickers, consultor de segurança e ex-diretor do Gabinete de Inteligência Criminal da Polícia de Hong Kong, afirmou recentemente que Macau estaria mais exposto a ataques terroristas, defendendo que “Governo e casinos” deveriam “investir mais” na segurança. Em declarações à Rádio Macau, no último mês de Janeiro, Vickers considerou que “Macau apresenta determinadas características em termos de jogo, de investimento norte-americano, em termos do envolvimento de algumas personalidades judaicas famosas na gestão ou propriedade de casinos, em termos de publicidade no caso de um incidente e do facto de se realizar em solo chinês. Por todas estas razões, Macau apresenta-se como um alvo mais do que qualquer outro território na região”.
Júlio Pereira discorda: “Há uma grande ligação entre os atentados que têm acontecido na Europa e as pessoas que passaram no teatro da Jihad, seja na Síria, Iraque, Somália ou Afeganistão. Se formos ver a lista dos chamados combatentes estrangeiros, de facto eles são provenientes fundamentalmente de países do norte de África, Arábia Saudita e de alguns países europeus. Se considerarmos uma avaliação do risco, em função desta realidade, naturalmente que o risco será escasso. Hoje ninguém pode dizer que não vai acontecer uma coisa dessas, mas os indícios com base nesta perspetiva não apontam no sentido de estar sobre forte ameaça”.
Paulo Rego